Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bomba para Bolsonaro é a lista de aliados que espionou, não a de desafetos

Quando a Polícia Federal bateu às portas do deputado Alexandre Ramagem, no último dia 25, escrevi aqui que a bomba para Jair Bolsonaro e família não seria a divulgação dos nomes dos adversários espionados pela Abin Paralela, mas a dos ditos aliados.

Pois com exceção dos cobaias e dos extremamente pragmáticos, que vão plagiar Nelson Rodrigues e gritar a plenos pulmões "perdoa-me por me traíres" ao autointitulado mito, a confirmação de que a paranoia bolsonarista colocava desafetos e amigos no mesmo balaio deve gerar ranger de dentes.

Agora, com a informação trazida, nesta sexta (2), por Aguirre Talento e Natália Portinari, no UOL, de que a PF já tem evidências de que Jair foi beneficiário direto da espionagem ilegal realizada em seu governo, o pânico na família Bolsonaro sobre o vazamento de um comportamento visto como traidor deve aumentar.

Suspeita-se que o software israelense First Mile, usado ilegalmente para monitorar os deslocamentos, teve como alvos os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, o então governador petista Camilo Santana, o então presidente da Câmara Rodrigo Maia, os então deputados Joice Hasselmann e David Miranda, o ex-deputado Jean Wyllys, o jornalista Glenn Greenwald, a promotora Simone Sibilio (que esteve à frente das investigações do assassinato de Marielle Franco), o líder caminhoneiro Carlos Dahmer e o então chefe de fiscalização do Ibama Hugo Loss.

Grave, gravíssimo, mas previsível. A jurupoca vai piar, contudo, quando começarem a aparecer nomes que defenderam Jair e seus filhos nas tribunas e nos tribunais. Um governador Cláudio Castro? Um presidente Arthur Lira? Deputados e senadores? Prefeitos e governadores? Milicianos?

Para um presidente que abandonou uma série de aliados na beira da estrada em nome da própria sobrevivência, isso seria o esperado. Mas todo aliado acha que o alvo é sempre o outro até ser espancado pela realidade.

Jair passou seu governo sendo tutelado pelo Congresso, que impediu um impeachment, mas ficou com parte significativa do orçamento nacional e do poder. O sentimento sobre isso pode ser resumido no "foda-se" ao centrão proferido pelo então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno, em um áudio captado em fevereiro de 2020 - período em que o software espião estava ativo. A Abin ficava sob o guarda-chuva do GSI de Heleno na época, por isso o general foi chamado para depor.

O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, pediu a lista dos parlamentares espionados. E o grupo Prerrogativas, de advogados e juristas, enviou uma petição ao STF demandando a publicização dos nomes dos que foram alvos de espionagem ilegal.

Quantos dossiês de aliados teriam sido produzidos durante o governo Bolsonaro e quantos ainda estariam em poder do ex-presidente e de seus filhos? Como confiar em alguém que te grampeia? O vereador Carlos Bolsonaro, alvo de operação, na segunda (29), por suspeita de ser o beneficiário de espionagem, usou o conteúdo para bater em aliados usando o Gabinete do Ódio? E como fica o clima entre Ramagem, então diretor da Abin e responsável pelo serviço sujo, com os colegas de parlamento?

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Uma punição da Justiça pelo esquema de espionagem pode levar anos e até não atingir Jair, sob a justificativa farsesca de que ele não pediu nada ou não sabia. Mas a retaliação da política não tem a mesma paciência.

Vai ser constrangedor para ele ouvir dos próprios bolsonaristas em breve surpresos com a divulgação de que foram espionados pela Abin Paralela que Lula não faz isso com seus aliados.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL