Leonardo Sakamoto

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Opinião

Gestão Bolsonaro espionou os próprios aliados, o que não surpreende ninguém

Entre os espionados pela Abin paralela no governo Bolsonaro estão o então youtuber e hoje deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) e um ex-assessor de Bia Kicis (PL-DF) que participou de atos antidemocráticos em Brasília. Tanto Gayer quanto Kicis são considerados leais ao ex-presidente. Sim, para a surpresa de ninguém, a máquina de Bolsonaro também espionou os seus.

Os nomes constam de reportagem de Dimitrius Dantas de Thiago Bronzatto, no jornal O Globo, divulgada nesta sexta (23), entre uma lista de políticos, jornalistas, ambientalistas, caminhoneiros e acadêmicos que também foram espionados utilizando o software israelense First Mile, capaz de monitorar deslocamentos de alvos usando o celular.

Alertei aqui em janeiro que a paranoia bolsonarista não se limitaria a rivais. Afinal, Jair confia apenas em si mesmo e nos filhos, sendo campeão olímpico na Corrida de Abandono de Aliados e no Arremesso de Responsabilidade à Distância.

Mais nomes devem surgir, dado que foram milhares de monitoramentos. Mas o que acontece se vier a público uma avalanche de alvos bolsonaristas e de deputados e senadores do centrão, que, de fato, manda na coisa toda?

Não tenho dúvida que fiéis seguidores de Jair podem até copiar Nelson Rodrigues e gritar a plenos pulmões para ele um sonoro: "Perdoa-me por me traíres". Contudo, parlamentares do centrão que um dia já foram aliados não devem agir como cobaias. Principalmente se perceberem que foram espionados para gerar subsídios ou garantias em negociações com o governo Bolsonaro.

Já tínhamos a informação que os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, o então governador Camilo Santana, o então presidente da Câmara Rodrigo Maia, os então deputados Joice Hasselmann e David Miranda, o ex-deputado Jean Wyllys, o jornalista Glenn Greenwald, a promotora Simone Sibilio (que esteve à frente das investigações do assassinato de Marielle Franco), o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística Carlos Dahmer e o então chefe de fiscalização do Ibama Hugo Loss estavam entre os que tiveram seus movimentos rastreados.

A apuração do Globo traz outros nomes de jornalistas que foram alvos, como Leandro Demori, que atuava no The Intercept Brasil, sendo um dos responsáveis pela divulgação das mensagens que mostraram um conluio entre o então juiz federal Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato.

Após a operação que atingiu o hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Abin, em 25 de janeiro, a base bolsonarista, pressentindo cheiro de queimado, resolveu dobrar a aposta e exigiu uma reação institucional da Câmara e do Senado contra o STF.

Por outro lado, deputados governistas sabendo do potencial explosivo da lista de espionados, demandaram ao Congresso que pedisse para ela ser liberada pela Justiça. E o grupo Prerrogativas, de advogados e juristas, enviou uma petição ao STF pedindo a publicização dos nomes dos que foram alvos de espionagem ilegal.

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O procurador-geral da República, Paulo Gonet, colocou-se contra porque acredita que "o compartilhamento de informações sensíveis neste momento pode comprometer o resultado da apuração".

A informação de que Jair espionou os seus não deve afetar a ida de aliados para passar pano ao seu golpismo ao ato na avenida Paulista neste domingo. Mas se mais nomes de antigos aliados espionados por Bolsonaro forem divulgados, acordos eleitorais para outubro podem não ser mantidos.

A questão é que fica sempre a pulga atrás da orelha. Afinal, quanto de conteúdo de espionagem foi obtido, baixado e levado embora pelo núcleo bolsonarista? Quanto dessas informações estão em posse do vereador Carlos Bolsonaro, um dos alvos da investigação, apontado como suposto beneficiário das informações obtidas? Quanto disso ainda pode ser usado contra aliados no futuro?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL