Leonardo Sakamoto

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Opinião

Mais de 100 famintos são mortos em Gaza - e ainda discutimos genocídio

Agências de notícias palestinas reportam que mais de 100 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas após militares israelenses dispararem, nesta quinta (29), contra uma multidão que se reunia em torno de caminhões que levavam ajuda humanitária a Gaza. As Forças de Defesa de Israel retrucam, dizendo que teriam matado um grupo menor, cerca de uma dezena, sendo que a maioria das vítimas fatais foi pisoteada ou atropelada ao tentar pegar mantimentos.

A disputa de narrativas de guerra esconde o fato desesperador: dezenas de palestinos famintos morreram ao tentar alcançar comida para eles e seus filhos. O horror, o horror.

Essas pessoas não teriam razão para cercar caminhões um ano atrás, por mais que a vida em Gaza fosse uma merda devido aos limites impostos por Tel Aviv, que tratava o território como uma prisão a céu aberto e nega o direito da Palestina a ter um Estado próprio.

Mas após o ataque terrorista do Hamas, que matou mais de 1.100 em Israel, e a vingança israelense, que matou mais de 30 mil em Gaza, transformou o território em escombros e restringiu a entrada de alimentos, combustível, água, eletricidade e remédios, esse tipo de tragédia se tornou o novo normal.

Óbvio que o que o Hamas fez foi inominável. Mas sobram palavras no vocabulário para descrever as atitudes do governo Benjamin Netanyahu, que parece menos preocupado em resolver o retorno dos reféns israelenses em segurança para casa (o que passaria por um cessar-fogo) do que se manter no poder através de uma campanha de destruição total para que todos esqueçam seu fracasso em prevenir o 7 de outubro.

Enquanto isso, o resto do mundo gasta mais tempo discutindo se podemos ou não usar palavras como massacre, genocídio, crime contra a humanidade, holocausto e limpeza étnica do que pressionando o governo Netanyahu a interromper essa sandice.

Agora, perdendo votos de progressistas e árabes, horrorizados com o morticínio em Gaza, é que o governo Joe Biden faz alguma pressão - mas não aceita a aprovação de uma resolução no Conselho de Segurança nesse sentido.

Com todas essas atrocidades, a única certeza é que, independente do que aconteça, o Hamas não será erradicado. Israel está apenas plantando sementes de uma nova intifada através dos milhares de órfãos que sobreviverem e dos sangue de civis que serão chamados de mártires por aqueles que querem ver a roda girar.

E a roda da morte vai seguir girando. Mas, até lá, os artífices desta guerra estarão mortos, muito provavelmente sem que tenhamos a chance de julgá-los corretamente. Ressinto-me de não acreditar em inferno, pois seria um bom destino para eles. Mas eu gostaria mesmo do conforto de acreditar que, depois daqui, há um paraíso. Para que as crianças que morreram cedo demais nesse conflito - de bala, de bomba, de faca, de fome - pudessem ter uma segunda chance.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL