Leonardo Sakamoto

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Opinião

Nikolas repetirá show de machismo do Dia da Mulher na Comissão de Educação?

Novo presidente da Comissão de Educação, o deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) comemora, nesta sexta (8), o primeiro aniversário de seu discurso preconceituoso proferido na tribuna por causa do Dia Internacional da Mulher de 2023. O momento foi um dos mais deprimentes da história da Câmara dos Deputados, o que, convenhamos, é um feito.

Vestindo uma peruca loira, ele disse: "Hoje, me sinto mulher, deputada Nikole" e, por isso, defendeu que teria lugar de fala para discursar sobre a data.

Além de despejar transfobia, ao afirmar que "as mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres", atacando especialmente as primeiras deputadas trans do país, Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP), o hoje novo presidente da Comissão de Educação tentou ensinar as próprias mulheres como elas deveriam se comportar:

"Mulheres, retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade, formem sua família. Dessa forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas".

Apesar de ter causado indignação e espanto, o processo contra Nikolas por falta de decoro parlamentar foi arquivado no Conselho de Ética em agosto. "Acredito que, não somente eu, qualquer pessoa tem liberdade de expor suas opiniões e pensamento", disse o deputado em sua defesa, confundindo opinião com incitação ao ódio.

O centrão, que controla a Câmara, tem como uma de suas características o fisiologismo, não o ultraconservadorismo. Essa é uma das razões pelas quais as pautas em costumes e comportamentos de Jair Bolsonaro, como a proibição do aborto em caso de estupro, não terem tramitado facilmente.

O centrão enxerga ganhos econômicos em passar a boiada sobre direitos ambientais, indígenas e trabalhistas. Mas não quer ser visto como o responsável por tentar impedir uma menina de dez anos, grávida após ser estuprada pelo próprio tio desde os seis no Espírito Santo, de interromper a gestação para preservar a própria vida. Sim, os assessores da então ministra e hoje senadora Damares Alves fizeram isso.

Não haveria razão de o establishment da Câmara aceitar agora que um deputado ultraconservador, mesmo que tenha sido o mais votado do país, transformasse o púlpito da casa em penico. Mas foi isso o que aconteceu, com uma casa com medo de que fosse aberto um precedente para punir outros discursos bizarros proferidos por seus membros.

Não foi uma defesa de Nikolas o arquivamento, mas do direito de parlamentares flutuarem acima da lei.

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Isso passou a impressão de que o parlamento se dobra às necessidades de produzir memes e agredir pessoas de alguém que se porta como um mini Bolsonaro. Pois, assim como foi com Jair que, como deputado federal, chegou a dizer que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário porque achava que ela era feia, segundo suas próprias palavras. E ficou por isso mesmo.

Arthur Lira se manifestou na época, claro. "O Plenário da Câmara dos Deputados não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública por sua atitude no dia de hoje", afirmou o presidente da casa.

O pito, contudo, não teve desdobramentos. Livre do processo, ele continuou a destilar preconceito e, agora, é premiado com a Comissão de Educação, em meio a uma estratégia do PL de colocar bolsonaristas ruidosos para presidir colegiados, gerando barulho com polêmicas - o que é ouro em ano eleitoral.

Com isso, a cúpula da Câmara e o seu partido lhe garante, proteção para rasgar a Constituição quantas vezes desejar. Dessa forma, o parlamento se mostrou não como a Casa da Mãe Joana ou do Pai Lira, mas o parquinho de Nikolas. E, nesse playground, as mulheres só colocam luz no mundo sendo mães.

Em tempo: Tem uma série de TV sobre uma sociedade em que mulheres são reduzidas à função de gado reprodutor, ou seja, de úteros ambulantes. A premiada Handmaid's Tale se passa num futuro distópico em que os Estados Unidos se tornaram um estado teocrático cristão controlado por ultraconservadores. A questão é que, ao que tudo indica, o futuro espreita logo ali.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL