Brasil passa vergonha no exterior por causa da violência histórica da PM
Menos de uma semana após o governador Tarcísio de Freitas ironizar uma denúncia feita à ONU por conta de violência cometida pela Polícia Militar de São Paulo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tornou público que condenou o Brasil porque a PM executou 12 supostos membros do PCC, em março de 2002, no interior paulista, no que ficou conhecida como Operação Castelinho.
A vergonha veio dobrada desta vez: O Estado brasileiro também foi condenado por causa da Polícia Militar pela morte de Antonio Tavares Pereira, membro do MST, em Campo Largo (PR), em maio de 2000. Ele participava de um ato pela reforma agrária na BR-277, perto de Curitiba, quando os manifestantes foram reprimidos pela PM-PR, deixando 185 feridos.
A condenação vai sobre o Estado e não sobre diretamente a polícia porque é dele a responsabilidade de controlar seus agentes de segurança, investigar desvios, julgar crimes cometidos, punir os responsáveis, compensar as vítimas e suas famílias em caso de abusos e adotar ações para evitar que chacinas e massacres voltem a acontecer.
O que nem São Paulo, nem o Brasil fizeram de forma eficaz durante esse tempo, prova disso é a letalidade policial no estado, mas também no Rio de Janeiro e na Bahia.
Diante de uma queixa apresentada, este ano, por entidades brasileiras ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, por execuções sumárias, tortura e prisões forjadas que teriam sido levadas a cabo pela Polícia Militar de São Paulo na Baixada Santista, Tarcísio deu de ombros.
"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", disse na última sexta (8). Ele não tem culpa por uma chacina que aconteceu durante a gestão do hoje vice-presidente Geraldo Alckmin, mas é responsável pela manutenção do sistema que mantém policiais impunes e abraça um populismo policial que dá voto.
Um dos pedidos levados pela Comissão Arns e pela Conectas Direitos Humanos à ONU foi a obrigatoriedade do uso de câmeras em fardas. O programa ajudou a reduzir a violência policial e foi implementado pelo governador João Doria, mas vem sendo abandonado pela atual gestão.
E essa foi exatamente uma das cobranças da sentença da Corte Interamericana: São Paulo deve garantir o registro e envio de imagens de câmeras corporais gravadas em operações policiais a órgãos de controle interno e externo, além de implementar a geolocalização das viaturas.
Isso, claro, além de uma série de outras exigências, como reconhecer as mortes como execuções e indenizar as famílias.
O Brasil reconhece a competência e a legitimidade do tribunal da corte, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Pode, como em outros casos, dar um jeito institucional de descumprir a decisão, como foi o caso da revisão da Lei da Anistia, ou dar uma banana para tudo.
Mas outros países também podem justificar sanções econômicas ao Brasil se ele fizer a egípcia. Ou seja, usar o caso para o seu protecionismo, agora com embasamento legal. E a culpa será toda nossa. Não só porque deixamos aquilo acontecer em 2002, mas porque continuamos deixando acontecer em 2024. Tanto que mais dois homens foram mortos em suposto confronto com policiais militares, nesta quarta (13), em São Vicente. Isso elevou o número de mortos na Operação Verão a 45.
A condenação na CIDH ocorreu tanto por conta de execuções que ocorreram em 2002 quanto pela incompetência e má vontade dos governos que se seguirem para darem um tratamento honesto ao caso. Vale lembrar que as mortes foram exaltadas naquele momento como um exemplo de que São Paulo atuava contra a criminalidade, ou seja, foram usadas no já citado populismo policial com fins eleitorais.
Na verdade, é o oposto. Primeiro, elas mostram como o Estado não usa inteligência para investigar e realizar prisões a fim de levar acusados à Justiça, preferindo dar à bala o papel de juiz e carrasco. Essa política, além de matar inocentes e criminosos, também abate policiais honestos.
Mas também mostra como a Polícia Militar comete crimes que ficam impunes por décadas a ponto de precisarmos de ajuda externa para serem julgados. Porque essa é a função da Corte Interamericana: ser um último recurso para casos que não tiverem um tratamento justo pelas instituições do país em questão.
É triste ver o Brasil passar vergonha duas vezes no mesmo dia. Mas mais triste ainda é ver que a gente não aprendeu nada.