Mimimi de Cid não muda golpe delatado, mas tenta limpar pecha de traidor
Os áudios de um desabafo de Mauro Cid não mudam em nada a investigação da Polícia Federal sobre o golpismo do seu ex-chefe e de seus asseclas militares e civis, uma vez que delações precisam ser comprovadas com outras fontes. Mas diz bastante sobre o medo de Cid, um bolsonarista-raiz, de ser tratado como traíra.
Revelados pela revista Veja, os áudios mostram o ex-faz-tudo de Bolsonaro criticando pressão da Polícia Federal, superpoderes do ministro Alexandre de Moraes e se vitimizando pelo abandono de antigos parças. Vale lembrar que o ex-chefe o largou na beira da estrada enquanto ele amargava uma cana.
Mesmo que diga que estava chapado de Lexotan à PF quando disse o que disse, já terá entregue um biscoito ao bolsonarismo - que rapidamente usou as falas em sua batalha para tentar mi-mi-mitigar o próprio crime. Até porque os aliados próximos do ex-presidente sempre repetiram que acreditava que Cid tinha deposto sob tortura. Na verdade, ele entregou o ouro porque percebeu que passaria anos na cadeia porque havia sido cúmplice de uma intentona. E, agora, está irritado porque foi indiciado na fraude dos cartões de vacina.
Biscoito de vento, claro, uma vez que o golpismo já foi comprovado por minuta de decreto golpista que o próprio Jair reconheceu, toneladas de mensagens e até pelos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica.
E tão ou mais importante do que a delação do próprio Mauro Cid foi a delação do celular de Mauro Cid. Os diálogos encontrados no aparelho serviram para a PF avançar na investigação sobre a identificação dos personagens e a estrutura do golpismo. O próprio, depois disso, não teve muito como não dar detalhes sobre o que havia sido encontrado. E ele nunca dizia tudo o que sabia, tanto que foi chamado várias vezes para depor diante de novas descobertas.
Cid, como ele mesmo disse, sabe que sua carreira militar acabou e o prestígio que tinha foi para o saco, então tenta evitar se tornar um pária.
O desabafo é importante para lembrar que ele é bolsonarista uma vez que seu entorno de caserna era bolsonarista, sua família, bolsonarista, seus amigos, bolsonaristas. Provavelmente até seu cachorro também latia "mito, mito, mito". Considerando que ele delatou meio mundo desse meio, é de se esperar que não seja convidado para um jogo de truco no sábado à tarde no Clube Militar. E isso, para ele, é uma morte social. E traz o desprezo de seu ex-chefe e herói.
Ele não foi um mero espectador, mas peça-chave, uma espécie de assistente geral de Bolsonaro para assuntos golpistas.
Organizou até o financiamento (aqueles R$ 100 mil que aparecem nas mensagens com o militar Rafael Martins) do transporte de membros das forças especiais do Exército para ajudar em ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional planejados em 15 de novembro de 2022. Ataques que, como sabemos, só vieram a ocorrer em 8 de janeiro de 2023.
O tenente-coronel não apenas articulava o golpe, mas torcia por ele, pelo que pode ser visto pelas mensagens. Sabia que a manutenção de Jair representava a sua própria continuidade em um cargo de prestígio. Sentia-se importante naquela articulação, talvez imaginando que daria orgulho ao próprio pai, o general Mauro Lourena Cid - que passou para a história como intermediário do ouro surrupiado do Brasil por Jair em lojinhas de Miami.
Agora, caído em desgraça, tenta reduzir os ataques a ele e a sua família e tentar resgatar um pouco da vida social e da imagem pública com o grupo que lhe era caro. Talvez até pressionar por conta do indiciamento. Precisa tomar cuidado. Se é ruim ser duas caras para os amigos, imagine então para a Polícia Federal.
Em tempo: as reclamações de Mauro Cid nos áudios de que foi o único a se estrepar lembram muito as de outro ex-faz-tudo de Bolsonaro, ex-militar, coincidentemente largado pelo chefe no meio do caminho: Fabrício "Rachadinha" Queiroz.