Até indicado por Bolsonaro ao STF vê golpismo em poder moderador de militar
Colocado por Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, o ministro André Mendonça votou contra a interpretação golpista de que o artigo 142 da Constituição Federal confere às Forças Armadas uma espécie de "poder moderador". Ou seja, uma função de árbitro e xerife sobre os demais poderes. Isso, vindo de um ministro que não quis condenar réu do 8 de janeiro por golpe de Estado, indica que o apoio a Jair tem seus limites.
A interpretação mirabolante é um dos pilares do golpismo bolsonarista, defendida em faixas carregadas por uniformizados com o amarelo-CBF e em orações na porta de quartéis. Vem sendo amparada por juristas alinhados ao ultraconservadorismo e à extrema direita, mas rechaçada por quem está ancorado na democracia e na realidade.
O julgamento no plenário virtual do STF, provocado por uma ação do PDT, só termina no dia 8 de abril, mas já há maioria para afastá-la. Mendonça votou com o relator do caso, ministro Luiz Fux, sem fazer nenhuma ressalva. Ou seja, concorda com os argumentos dados por ele.
"Inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização", disse Fux e, portanto, chancelou Mendonça.
Segundo ele, "não se observa no arcabouço constitucionalmente previsto qualquer espaço à tese de intervenção militar, tampouco de atuação moderadora das Forças Armadas, em completo descompasso com desenho institucional estabelecido pela Constituição de 1988".
E ainda: "A Constituição prevê que a lei deve definir como crime inafiançável e imprescritível 'a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático'. Sem que se extraia do ordenamento jurídico nacional a possibilidade de uma 'intervenção militar constitucional', repudia-se o discurso que, a pretexto de interpretar o artigo 142 da Constituição, encoraja uma ruptura democrática".
E olha que André Mendonça deu votos favoráveis ao bolsonarismo no caso da tentativa de golpe de Estado. Por exemplo, ao analisar o processo do primeiro réu julgado pelos atos golpistas de 8 de janeiro, o ministro André Mendonça disse que não viu nele "tentativa idônea" de golpe de Estado, insinuou que o Palácio do Planalto foi conivente com as invasões e que o então ministro da Justiça e hoje seu colega, Flávio Dino, escondeu as imagens daquele dia.
O ministro condenou o réu por tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e associação criminosa, mas absolveu sobre o golpe. A fim de tentar confirmar a tese bolsonarista sobre o caso, elencou argumentos. Disse, por exemplo, que "um golpe de estado demanda atos não só de destituição de poder, mas de estabelecimento de nova ordem política institucional [...]. Uma série de planejamentos e condutas que não vi nessas manifestações".
Também levou às redes bolsonaristas à loucura quando disse que o STF não tem competência para analisar o caso e insinuou que o governo Lula fez corpo mole, outra tese defendida por aliados de Jair. O ministro Gilmar Mendes o interrompeu, lembrando que apesar de o Brasil já ter tido protestos, "jamais tivemos um grupo acumulado na frente de quarteis pedindo intervenção". E aproveitou para cutucar o voto de Kassio Nunes Marques, outro indicado por Bolsonaro, que também não viu golpe, em seu voto.
Irritado, o ministro Alexandre de Moraes respondeu à provocação de Mendonça: "As investigações demonstram claramente o porquê que houve essa facilidade. Cinco coronéis comandantes da PM do DF estão presos, exatamente porque, desde o final das eleições, se comunicavam por zap dizendo exatamente que iriam preparar uma forma de, havendo manifestação, a Polícia Militar não reagir", disse.
Mendonça ainda cobrou os vídeos do circuito interno do Ministério da Justiça, uma demanda do bolsonarismo para reforçar a narrativa falsa de que o então ministro Flávio Dino não fez nada diante dos ataques. "Muito embora eu queria, e o Brasil quer, ver esses vídeos do Ministério da Justiça..."
Moraes reagiu: "Vossa Excelência falar que a culpa é do ministro da Justiça é um absurdo quando cinco comandantes estão presos. Quando o ex-ministro da Justiça fugiu para os Estados Unidos e jogou o celular dele no lixo e foi preso, e agora Vossa Excelência vem ao plenário do Supremo Tribunal Federal, que foi destruído, que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo".
O ministro André Mendonça ainda exigiu que não fossem colocadas palavras em sua boca. No final, ambos se desculparam. O quiprocó serviu, contudo, como indicador de que Bolsonaro poderia contar com os votos dos seus indicados quando o seu caso chegar no STF e que a linha de argumentação de ambos no tribunal está alinhada às redes.
Mas o voto sobre o artigo 142 mostra que até esse apoio tem limites.