Se libertar acusado de matar Marielle, Câmara dará salvo-conduto a crimes
A Câmara avalia, nesta quarta (10), se chancela a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), acusado de ordenar a execução de Marielle Franco, ou se usa a sua disputa com o Supremo Tribunal Federal e com Alexandre de Moraes para tirá-lo da cadeia. Se liberá-lo, dará um péssimo recado à sociedade: mandatos de deputados servem sim para cometer ou acobertar crimes comuns.
A Constituição determina que mandatos são invioláveis civil e penalmente, com exceção de casos de prisão em flagrante por crime inafiançável. A Câmara dos Deputados tem que, portanto, decidir se endossa a prisão preventiva decretada pelo pelo relator Alexandre de Moraes e depois confirmada pela Primeira Turma do STF.
O responsável pelo caso na Comissão de Constituição e Justiça, Darci de Matos (PSD-SC), fez um relatório favorável à manutenção da prisão. Mas cresce entre os deputados a defesa de votar, na CCJ e depois no plenário, pela soltura de Chiquinho. Ou de, pelo menos, não aparecer para votar - são necessários 257 votos, maioria absoluta.
A vereadora carioca foi executada em 14 de março de 2018, junto com seu motorista Anderson Gomes, no centro do Rio. As delações dos executores Ronnie Lessa e Élcio Queiroz levaram a Chiquinho, a seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, e ao então chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, como mandantes.
As delações podem ajudar a desvendar o envolvimento dos Brazão em outros crimes, inclusive de associação com a milícia.
O caso destravou apenas quando a Polícia Federal entrou de cabeça na história. E não era para menos: a investigação aponta que os irmãos Brazão tiveram aval de Barbosa de que poderiam mandar matar e depois ele garantiria que o país não descobrisse os verdadeiros responsáveis.
Além disso, Chiquinho e Domingos contam com poder político para interferir no curso das investigações e grana para se escafeder, com ou sem passaporte retido, e sem precisar de embaixada amiga.
O crime, ainda carente de um desfecho, é uma das maiores vergonhas nacionais. Levou seis anos para todos os envolvidos serem apontados.
Mas a principal discussão nos corredores da Câmara não é se há elementos suficientes para o pedido de prisão ou se ela ajuda nas investigações, mas que a Câmara precisa usar o caso para dar um recado ao Supremo Tribunal Federal e a Alexandre de Moraes, lembrando a eles que é um poder autônomo e soberano. E, ao mesmo tempo, proteger-se de futuros mandados de prisão, como os emitidos contra o então deputado Daniel Silveira e Chiquinho.
"É cômodo para a Câmara dos Deputados colocar uma possível liberação de Brazão na conta de uma ampla e histórica disputa entre Congresso e Supremo pelo protagonismo", avaliou à coluna a constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP.
"É uma forma de passar verniz em uma posição extremamente equivocada e vai mostrar que parlamentares concordam em usar seus mandatos para o cometimento ou acobertamento de crimes. Não apenas assassinatos, mas também de crime organizado. Isso só vai reforçar a razão para que o STF exponha parlamentares", conclui.
O Poder Legislativo tem um rosário de formas de dar seus recados, como vêm dando aos Poderes Judiciário e Executivo. Alguns previstos no sistema de freios e contrapesos, outros nem tanto. Mas não seria a primeira vez que o cadáver de Marielle é usado como tribuna para interesses políticos, uma vez que sua memória tem sido aviltada nos últimos seis anos exatamente por quem não se interessa na resolução do caso.