Quaest: Lula terá na mudança do clima o algoz que Bolsonaro teve na covid?
Eleitores tendem a não julgar governantes por catástrofes e tragédias, mas pelo que eles fazem diante delas. Nesse sentido, se não tomar cuidado, a mudança do clima pode ter para Lula um efeito semelhante ao que foi a covid-19 para Bolsonaro.
Pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta segunda (27), aponta que a avaliação negativa do atual governo foi de 31%, em dezembro, para 37% e a positiva, de 33% para 31%, com margem de erro de um ponto.
Felipe Nunes, diretor do instituto, aponta três fatores para isso: 1) frustração de parte da população diante de promessas não cumpridas; 2) volume de notícias negativas, principalmente os erros e a onda de desinformação sobre o Pix; 3) a percepção sobre a economia continua negativa, destacando-se os alimentos — 83% creem que o preço subiu no último mês.
Detenho-me neste último ponto. Quem acompanha esta coluna sabe que, há dois anos, aponto o preço do arroz e do feijão, mas também da picanha e da cerveja, como elemento decisivo nas pretensões de Lula de se reeleger ou construir um sucessor em 2026.
O desemprego atingiu 6,1%, a menor taxa da série histórica desde 2012, a economia cresceu cerca de 3,5% no ano passado, a renda dos trabalhadores subiu. Mas o impacto de tudo isso se dilui diante da percepção de aumento no custo de vida representado pela alta dos alimentos. Enquanto a inflação geral ficou em 4,83%, o item "alimentos e bebidas" no IPCA, que afeta principalmente os mais pobres, teve alta de 7,69% em 2024.
Caso tivesse que escolher entre um pequeno aumento no rendimento médio e deflação dos alimentos, a classe trabalhadora optaria pelo segundo.
Eventos climáticos extremos afetaram a produção nos últimos dois anos no Brasil, encarecendo a comida. Das lavouras no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, passando pela produção agropecuária no Pantanal e extrativista na Amazônia Legal até o interior de São Paulo, as secas e as chuvas elevaram preços.
O governo Lula vem fazendo questão de destacar isso, mas do ponto de vista dos consumidores, quando a batata inglesa sobe não importa se a culpa foi do clima, de Satanás ou do Godzilla, a responsabilidade final será do governo federal. Ou, mais especificamente, da falta de medidas em quantidade e impacto suficientes para mitigar a disparada dos preços. Aceita-se sazonalidade, o que não se admite é a comida com preço que inexoravelmente sobe.
Aumento de estoques reguladores, incentivo à produção de determinadas culturas em outras regiões, dinheiro para o pequeno produtor rural (responsável por levar alimentos às mesas dos brasileiros), desoneração de impostos sobre alimentos (esperar o efeito da Reforma Tributária em 2027 não vai rolar) e, por mais que empresários chiem, monitorar e eventualmente reduzir impostos de importação.
Mas também evitar ruídos desnecessários que afetem o preço do dólar, que dita o custo da logística da comida. Parte do mercado age na lógica do quanto pior, melhor, mas não adianta ficar de mimimi diante dessa realidade.
Há muita coisa que pode e está sendo feita, o que não inclui, claro, a ideia descabida de sugerir que o cidadão troque um produto por outro, como fez recentemente o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. A história mostra que quando um governante sugere para a população substituir um alimento que ficou caro, a população começa a pensar em trocar o governante.
O fato é que a mudança do clima pode ter para o governo Lula o mesmo impacto que teve o coronavírus no governo Bolsonaro. Não foi o ex-presidente que criou a covid-19, mas ele lidou com ela da pior maneira possível. Ao tomar ações que não eram embasadas na ciência, acabou sendo sócio de 700 mil óbitos. Mortes aconteceriam, o tamanho da tragédia é a questão. Caso tivesse lidado decentemente com a pandemia, era possível até que tivesse sido reeleito.
O aquecimento da temperatura média do planeta não é culpa de apenas um governo, mas um projeto coletivo que vem sendo posto em prática pela humanidade, principalmente pelos países e grupos sociais mais ricos, desde a Revolução Industrial. Se o atual presidente não se atentar que estamos entrando em uma área de crise de alimentos por mudanças climáticas e agir mais fortemente nesse sentido, vai ter problemas lá na frente.
É claro que não são as decisões apenas de sua gestão que vão interromper a tragédia global, o que depende muito mais dos EUA, da China e da Europa. Contudo, além de reduzir emissões de carbono por aqui, ele precisa coordenar a adaptação das cidades e do campo no Brasil para esse novo normal. O que vai influenciar na produção e no preço dos alimentos.
O maior legado que pode ser deixado pelo presidente, aliás, não é a reforma tributária, como avaliam alguns. Mas a preparação do Brasil para o novo clima, servindo de exemplo para outros países fazerem o mesmo.
Enquanto o Ministério do Meio Ambiente de Marina Silva derruba taxas de desmatamento de biomas, a adaptação da economia brasileira, incluindo a produção agropecuária e a pesca, seguem engatinhando.
Isso sem contar que governo e Congresso mantém o foco em uma economia baseada em carbono e exploração de petróleo. Critica-se Donald Trump por promover o petróleo, mas por aqui sonha-se com a mesma coisa.
Não são as tragédias que definem os governantes mas o que eles fazem diante delas. Caso ache que o problema é de que as pessoas não estão suficientemente e corretamente informadas sobre o que acontecendo, acreditando que elas não sabem o preço do arroz e do feijão, o governo Lula pode ter o mesmo fim que a gestão Bolsonaro.