Letícia Casado

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Aliados citam caso de 1995 em defesa de anistia de Bolsonaro

Aliados de Jair Bolsonaro (PL) citam um caso de anistia em 1995 como um precedente aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que poderia favorecer o ex-presidente. Ele está inelegível até 2030 por duas decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Há 30 anos, o senador Humberto Lucena (então PMDB-PB) foi reeleito, mesmo tendo sido cassado e ficado inelegível. Meses depois, o Congresso aprovou uma lei de anistia, que foi sancionada pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O caso foi parar no STF, que manteve a anistia.

À primeira vista, o caso tem similaridades com o de Bolsonaro. O precedente já foi, inclusive, citado em conversas de ministros do próprio STF. No entanto, juristas apontam mudanças importantes no entendimento do direito constitucional ao longo do tempo por parte da Corte, além da falta de legislação eleitoral com regras claras à época de Lucena.

Para o advogado eleitoral Fernando Neisser, a mudança de entendimento do Supremo em relação ao direito pode ser facilmente entendida quando comparada a outros casos. "É mais ou menos o mesmo que imaginar que, até há algum tempo, na época dessa legislação [década de 90], alguém ser absolvido pelo júri tendo matado a esposa por traição. Ele poderia alegar legítima defesa da honra e teria essa absolvição mantida. Hoje, o STF já entendeu que isso não pode suscitar [absolvição]", diz Neisser.

Em agosto de 2023, o STF decidiu que a tese de legítima defesa da honra para justificar um feminicídio é inadmissível em um tribunal.

Na avaliação da advogada eleitoral Marilda Silveira, os processos que levaram à inelegibilidade de Bolsonaro "têm relevância política mais intensa e direta para a ordem democrática do que o caso Lucena, o que pode levar a uma avaliação diferente sobre o impacto de uma anistia", caso o Congresso aprove um projeto que seja questionado no Supremo.

Anistia não é intocável como antes

Em maio de 2023, o STF derrubou o indulto que Bolsonaro, enquanto presidente, havia concedido ao ex-deputado aliado Daniel Silveira, condenado a oito anos e nove meses de prisão por ataques à Corte.

"A anulação do indulto concedido por Jair Bolsonaro demonstrou que o STF não considera mais intocáveis atos políticos como indultos e anistias, diferentemente do entendimento de 1995. Isso indica que o STF pode avaliar a constitucionalidade de uma anistia à luz de novos parâmetros, especialmente quando envolve questões de abuso de poder ou atos contrários à democracia", diz Marilda Silveira.

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Para ela, o entendimento moderno sobre princípios como proteção da moralidade administrativa e valores democráticos na Constituição ficaram mais fortes, e isso pode afetar a análise de qualquer norma que busque anistiar crimes ou irregularidades eleitorais significativas.

Campanha não tinha lei geral

Em 1994, o então presidente do Senado, Humberto Lucena, imprimiu 130 mil calendários com sua foto na gráfica do Senado e distribuiu para os eleitores da Paraíba. Concorreu à reeleição e foi cassado pelo TSE. Ficou inelegível, mas concorreu, foi reeleito e recorreu ao STF, que manteve a cassação.

Em seguida, o Congresso aprovou um projeto de anistia, sancionado por FHC. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) levou o caso para o Supremo, questionando a constitucionalidade da lei. O STF manteve a validade da lei.

Na época, nem sequer havia a Lei Geral das Eleições, que foi promulgada em 1997 e passou a determinar regras para campanhas eleitorais. Tampouco havia a Lei da Ficha Limpa.

Dos ministros que faziam parte do STF no caso Lucena, apenas Gilmar Mendes segue no tribunal. Ele votou pela improcedência da ação da OAB.

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Neisser diz que os casos Bolsonaro e Lucena têm similaridade, "mas a lei mudou, a sociedade mudou, a interpretação do direito, os ministros". "Não se trata de dizer que o Supremo violaria a sua jurisprudência se decidisse de forma contrária. Não dá para dizer que uma jurisprudência formada por um corpo de ministros inseridos em outra sociedade teria que ser respeitada."

Tentativa de golpe em 8 de Janeiro

Ainda que o caso Lucena seja de senador e Bolsonaro seja ex-presidente, o fundamento da inelegibilidade é o mesmo quando há condenação da Justiça Eleitoral. É diferente do que aconteceu com Dilma Rousseff e Fernando Collor, ex-presidentes que sofreram impeachment e cujos processos correram na esfera do direito constitucional.

A inelegibilidade de Bolsonaro não está diretamente ligada aos processos que tramitam no STF relativos à tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.

Ele está proibido de concorrer por duas condenações anteriores a esta data: uma reunião com embaixadores em julho de 2022, quando atacou, sem provas, a credibilidade do sistema eleitoral, e pelo uso eleitoral das comemorações do 7 de Setembro de 2022.

A Câmara começou a discutir um projeto de anistia para os condenados no 8 de Janeiro. No caso de Bolsonaro, presidentes de partidos aliados têm dito que não adiantaria entrar neste tema agora, já que ele não foi nem sequer denunciado no processo.

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