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Mauricio Stycer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cena violenta em Pantanal está dentro do contexto e não ultrapassou limites

O vilão Tenório (Murilo Benício) em "Pantanal"  - Reprodução / TV Globo
O vilão Tenório (Murilo Benício) em "Pantanal" Imagem: Reprodução / TV Globo

Colunista do UOL

27/09/2022 14h33

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Uma das cenas mais esperadas de "Pantanal" foi ao ar nesta segunda-feira (26). Ela mostra a reação violenta de Tenório (Murilo Benício) à traição que sofreu de sua então mulher, Maria (Isabel Teixeira), com Alcides (Juliano Cazarré).

Tenório é o único vilão, estrito senso, de "Pantanal". Ainda assim, construiu um tipo que frequentemente flerta com o humor, aliviando o seu tom sombrio.

Tenório é um escroque. No passado, ganhou dinheiro como grileiro de terras, enganando gente humilde e pagando para matar os que colocaram em questão os seus negócios obscuros.

No presente, ele foi sempre um tipo desprezível. Imaginou que conseguiria enganar o mocinho José Leôncio, mas não conseguiu. Desde a primeira cena na novela, mostrou-se um machista da pior espécie. Cafajeste, canalha, grosseiro com a mulher, a quem chamava de Bruaca e tratava como serviçal, em todas as situações.

Não bastasse, tinha uma segunda família, em São Paulo. E a trouxe para o Pantanal, para fugir de seus problemas com a Justiça. Conseguiu se livrar de Maria, e começou a tratar mal Zuleica (Aline Borges). Contratou um pistoleiro para matar os seus inimigos.

Como uma tábua de salvação diante da relação tóxica e catastrófica com Tenório, Maria começou a flertar com os peões da fazenda. Teve um caso com Levi (Leandro Lima), inicialmente, mas apaixonou-se mesmo por Alcides.

Após descobrir a traição, Tenório virou outra pessoa. Foi obrigado a aceitar um acordo judicial com Maria, dividindo seus bens com ela. Mas nunca aceitou o "chifre". Machista, misógino e preconceituoso, considerava humilhação demais ter sido traído, e ainda por cima por um empregado.

A sua vingança, na trama original da Manchete, em 1990, era chocante: ele castrava Alcides.

Em 2022, Bruno Luperi teve o cuidado não apenas de mudar este destino, como não mostrá-lo para o público. A maior parte das cenas da vingança ocorre sem imagens - basicamente ouvimos os personagens gritarem uns com os outros. Maria foi pesadamente ameaçada de violência sexual. E Alcides apanhou com um pedaço de madeira em chamas.

Quando Maria e Alcides conversam após a cena, entendemos que o peão foi humilhado por Tenório - os spoilers na internet informam que ele foi estuprado pelo ex-patrão.

Foram cenas feitas com muito cuidado, na minha opinião. Causaram desconforto, sim, mas não mostraram nada. Foram exibidas depois das 22h30, num horário em que apenas adultos devem assistir televisão, em tese.

Entendo que muitos espectadores se sentiram mal vendo a cena. Não foi a primeira vez. Acontece. Faz parte da experiência de consumo audiovisual. E ninguém que assiste "Pantanal" foi ludibriado. Foi uma cena que está totalmente dentro da lógica da história - já assistimos, inclusive, um vilão ser destroçado por piranhas no rio.

Não concordo com a ideia de que houve exagero na cena. Sei que estamos num terreno muito subjetivo aqui. Cada pessoa sente uma mesma cena de formas muito diferentes. Respeito inteiramente o incômodo sentido por quem passou mal vendo "Pantanal" ontem à noite. E reconheço que experiências pessoais ajudam quem produz entretenimento a entender melhor o resultado de seu trabalho. Por isso, todo protesto é válido.

Mas não devemos esquecer que a boa ficção tem, entre as suas missões, o dever de desafiar as expectativas do espectador. E nunca podemos perder de vista a liberdade de expressão de quem faz a novela.