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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Erros de general, Fachin, Fux e Silveira produziram um acerto: é coisa rara

Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes: os dois ministros decidiram fazer, dentro das regras do jogo, a defesa institucional do Supremo - Roberto Jayme/TSE
Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes: os dois ministros decidiram fazer, dentro das regras do jogo, a defesa institucional do Supremo Imagem: Roberto Jayme/TSE

Colunista do UOL

19/02/2021 08h09

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Vários erros não costumam fazer um acerto. Mas, às vezes, podem fazer a história andar. E que não seja essa afirmação um convite para que as pessoas cometam erros em cascata. Ao contrário: busquem sempre a coisa certa. Dito isso, adiante.

O erro primitivo, que resulta numa espécie de freio de arrumação institucional, foi cometido lá atrás pelo então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, com o seu tuíte tresloucado, que ameaçava o Supremo caso a maioria decidisse conceder habeas corpus a Lula — de acordo, diga-se, com a Constituição e o Código de Processo Penal.

O general seguiu errando ao conceder entrevistas posteriores afirmando que contava com o apoio do Alto Comando e que chegou mesmo a considerar a hipótese de intervenção. Nas suas palavras, pois, o regime vigente no Brasil é uma democracia sob tutela. Se os militares não gostam disso ou daquilo, vão lá e desfazem.

Os desatinos continuaram com o depoimento prestado para um livro — este presta um serviço ao detalhar, quando menos, a versão do general. O depoimento, em si, era desnecessário e inoportuno. De toda sorte, não trazia nada de novo.

A DOBRADINHA FACHIN-VILLAS BÔAS
Edson Fachin, o relator do petrolão e, pois, daquele HC, resolveu reagir ao tuíte de Villas Bôas com três anos de atraso. Cheguei a escrever aqui que coragem pretérita pode ser um dos nomes da covardia. E o convidei a fazer a coisa certa agora, votando, por exemplo, pela suspeição de Sergio Moro.

Lembro, adicionalmente, que aquele HC estava destinado a ser votado pela Segunda Turma. Achando que sua posição em favor da manutenção da prisão poderia ser derrotada, Fachin resolveu levar a questão para o pleno, uma prerrogativa que tem o relator. E, de fato, ele obteve o resultado esperado.

Não se esqueçam: aquele tuíte de 2018 de Villas Bôas era um esforço para que triunfasse o voto do relator: justamente o de Fachin. Sabe-se lá em razão de quais fantasmas que possam habitar sua consciência, ele resolveu reagir ao livro do general, que nada trazia de novo, com uma nota dura.

Coloco essa reação na conta de um "erro" porque, para o caso havido, era absolutamente irrelevante. Reitero: que faça justiça no presente.

O GENERAL VOLTA À CARGA
Villas Bôas é assessor especial do Gabinete da Segurança Institucional. Não importam as circunstâncias que o levaram a essa posição, o fato é que o autor daquele tuíte não deveria participar do governo. Mas assim é, ainda que em posição discreta. De toda sorte, ocupou o posto máximo no Exército e goza de prestígio.

Em vez de se abster de qualquer comentário, foi às redes sociais para ironizar Fachin. Escreveu: "Três anos depois". Sim, é fato! Não o fazia para criticar a omissão do ministro em 2018, é claro!, mas para espezinhá-lo. Depois da nota, diga-se, o ministro passou a ser vítima de um verdadeiro linchamento virtual promovido pelas milícias bolsonaristas nas redes.

FUX COBRADO
Luiz Fux concede hoje uma entrevista à Folha que mal disfarça a sede de protagonismo, colocando-se no centro da decisão que resultou na prisão de Daniel Silveira. O fato é que vários ministros cobraram do presidente da Corte uma nota de desagravo a Fachin ou de repúdio à reação do general, que concorreu para demonizar ainda mais o ministro.

Fux não se mostrou disposto a comprar a briga. Diz na entrevista que havia conversado com o general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa. Chega a ler uma mensagem que Azevedo lhe enviou. Questões institucionais não podem ser resolvidas só com conversinha de bastidores. O presidente do STF precisava dar uma resposta que não veio.

Gilmar Mendes decidiu, então, comprar a briga. Escreveu no Twitter naquela agitada terça-feira:
"Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!".

Afinal, a defesa das instituições pede mais do que cochichos e troca de mensagens.

E ENTÃO ACONTECEU...
Como Fachin estava debaixo de vara e como o Supremo, por sua voz oficial, que é a do presidente, estava mudo, as hienas sentiram aquele cheirinho de sangue que lhes açula o apetite e o espírito de bando.

Daniel Silveira decidiu, então, fazer aquele vídeo e publicá-lo. Fux diz ter ficado indignado. Estaria disposto a mandar prender ele mesmo o deputado, já que respondia pelo plantão, mas decidiu acionar Alexandre de Moraes. É bem possível que este não lhe negue o protagonismo se falar sobre o assunto, mas duvido que o faça...

Pouco importa se as coisas se deram como diz Fux ou como aconteceram. O fato é que, e agora volto ao ponto, a sequência de erros acabou contribuindo para fazer a história andar. Azevedo e Silva, com efeito, havia conversado com o presidente do STF. Terá negociado com ele aquele silêncio eloquente que ouvimos, embora seus pares lhe cobrassem uma manifestação em defesa de Fachin, que nunca veio?

O deputado bombadão resolveu botar fogo no parquinho. Ora, desde o surgimento da Lava Jato, em 2014, o Supremo é a Geni do Brasil. Apanhou bastante das esquerdas, sim, no governo petista. Mas nada que se compare ao que se viu com o alinhamento de bolsonalhas e moropatas. É bom lembrar que as passeatas de 2019 cobrando o fechamento do Congresso e do Supremo tinham Bolsonaro como o herói nº 1 e Sergio Moro como o herói nº 2.

AGORA CHEGA!
Silveira realizou o prodígio de sintetizar num vídeo de pouco menos de 20 minutos todas as campanhas de ódio que se fizeram contra o tribunal nos dois anos de governo Bolsonaro. Vocês já conhecem o conteúdo e já expliquei a diferença entre imunidade parlamentar e delinquência. O flagrante, igualmente, para um crime cometido na rede, estava absolutamente caracterizado.

À sua maneira, o tribunal gritou um "acabou, porra!". E estabeleceu — e até demorou a fazê-lo — o limite. Outros que decidirem seguir o caminho de Silveira encontrarão igual destino. E, por óbvio, isso não vai impedir que parlamentares das mais variadas legendas critiquem decisões do tribunal quando houverem por bem.

Para isso dispõem da imunidade e exercitam a liberdade de expressão.

Banditismo é outra coisa.