Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Pacheco falha no 1º teste; reação irada e catastrofista à CPI falseia fatos
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Não desconfio das boas intenções do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao querer distensionar o ambiente político. Mas há um limite para isso, e há uma medida nas coisas. Atendem pelo nome de "Constituição". No primeiro teste realmente sério a que foi submetido, ele não se saiu bem. Espero que recupere o prumo.
Pacheco certamente conhece a Constituição, a jurisprudência do Supremo e a história recente do Parlamento. Não lhe cabe adiar uma CPI a não ser num ambiente de negociação com os que a querem, tendo conseguido o número necessário de assinaturas para isso. Não é matéria que se negocie com o Planalto. Se alguém aciona o Supremo, que exerce o controle de constitucionalidade da questão, o jeito é fazer o que prevê a Carta e ponto final!
O ambiente, como ele sabe, não desanuviou. Ao contrário: o presidente Jair Bolsonaro se encarrega todos os dias de torná-lo ainda mais denso. Acionado, o ministro Roberto Barroso fez o óbvio. Aplicou a Constituição. O que Pacheco esperava?
Afirmou o senador sobre a decisão:
"Com a gravidade que a pandemia nos exige união, vai ser um ponto fora da curva. E, para além de um ponto fora da curva, pode ser o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia".
A declaração é obviamente inaceitável. A menos que ele considere que quase 350 mil mortos até aqui evidenciam sucesso, a fala não faz sentido. Teria de explicar em que a investigação atrapalha a produção, a compra e a distribuição de vacinas. Em entrevistas, ele mesmo chegou a admitir que a investigação é necessária.
Desde quando a CPI foi protocolada, o que se tem é o agravamento da crise. O governo federal, na pessoa do presidente, faz questão de criar conflito com governadores e prefeitos. Vale dizer: o adiamento da CPI não trouxe nem moderação nem temperança ao presidente.
O senador foi além:
"A CPI poderá, sim, ter um papel de antecipação de discussão político-eleitoral de 2022, de palanque político, que é absolutamente inapropriado para este momento da nação."
Sempre que alguém opõe uma investigação a eleição, ou quer acabar com uma ou quer acabar com a outra. Supondo que ele não queira pôr fim ao pleito, então se conclui que não quer mesmo a apuração dos erros e dos eventuais crimes cometidos.
O chato de uma fala como essa é que ela desmente declarações anteriores suas, inclusive no programa "Canal Livre", quando afirmou achar necessária, sim, a investigação, mas não já. Segundo se entende agora, ele a empurraria para depois de 2022 — e, pois, para nunca mais.
E foi adiante, aí exercitando catastrofismo, afirmando que o país tem o caminho da união — não sei se já conversou com Jair Bolsonaro a respeito — ou o caos. E tentou explicar o que quis dizer com essa palavra: "O caos em que se antecipa, por exemplo, a eleição de 2022 num ambiente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para poder intimar o governador A, o governador B, o prefeito A ou prefeito B"...
A fala é um convite para que não se investigue nada. Os mortos brasileiros já não têm direito a um velório. Muitos não têm sepultura, enterrados em covas coletivas. Não é plausível que se queira apagá-los também da história, particularmente da do Congresso.
Disse mais:
"O Supremo Tribunal Federal, a partir de uma decisão monocrática, quando determina ao Senado Federal que se instale uma CPI, faremos funcionar o único órgão presencial no Senado Federal. E obviamente decisão judicial se cumpre e eu vou cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal porque tenho responsabilidade institucional e cívica, mas será o único órgão a funcionar presencialmente no Senado Federal".
Que se tomem os devidos cuidados, não é mesmo? Quanto à decisão monocrática, é bom deixar claro: o ministro vai submetê-la, por óbvio, ao pleno. A menos que este ou aquele resolvam rasgar a Constituição, haverá unanimidade, como houve em 2007, quando o governismo de então tentou impedir a CPI do apagão aéreo.
Cabe a Pacheco a temperança. Já há muita gente namorando o caos, para repetir palavra a que ele recorreu. O exercício das prerrogativas que oferece a democracia só fortalece a... democracia. Um país realmente está com problema quando um instrumento que detém a minoria para se fazer ouvir é tratado como sabotagem.
O caos, hoje, senador, está nos hospitais, nos necrotérios, nos IMLs, nos cemitérios.
Que o Parlamento que o senhor preside cumpra a sua missão.