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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A cumplicidade perniciosa Bolsonaro-militares se torna humilhação pública

Pazuello ao lado de Bolsonaro em palanque golpista e a capa da revista Economist, que expressa o entendimento de boa parte do mundo sobre o Brasil - Reprodução/Reprodução
Pazuello ao lado de Bolsonaro em palanque golpista e a capa da revista Economist, que expressa o entendimento de boa parte do mundo sobre o Brasil Imagem: Reprodução/Reprodução

Colunista do UOL

03/06/2021 23h06

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O Exército escreve uma das páginas mais vergonhosas de sua história ao garantir a impunidade a Eduardo Pazuello. De fato, não é exatamente verdade que ele tenha participado de uma manifestação político-partidária naquele 23 de maio, no Rio. Foi mais do que isso: um general de divisão, da ativa, compareceu a um ato explicitamente golpista. Sobre o carro de som, o presidente Jair Bolsonaro disse aos presentes que aquele era o verdadeiro exército, mais importante do que os Três Poderes da República.

AGRAVANTE

Não é a primeira vez que Pazuello faz isso. Atenção! No dia 24 de maio do ano passado — as datas não são coincidentes por um miserável dia —, ele já havia feito a mesma coisa. Estava como interino na Saúde havia apenas oito dias, substituindo Nelson Teich, que pedira demissão no dia 15 daquele mês. Sim, o general participou altivamente de uma manifestação em favor do fechamento do Congresso e do Supremo.

Ali, vá lá, arrumou-se a desculpa de que estava, afinal, no ministério. O ministro interino teria ido ao ato, não o general. Bem, que fosse um oficial da ativa exercendo um cargo no primeiro escalão já era, por si, excrescente. Mas muita gente preferiu olhar para o outro lado. Eu o critiquei severamente aqui. Desta feita, não dá para dourar a pílula. Quando subiu no palanque, Pazuello não era dublê de militar da ativa e assessor presidencial. Era apenas um general.

A Lava Jato destruiu o meio ambiente político, com o auxílio luxuoso de setores idiotizados da imprensa, e se abriu um imenso clarão na floresta institucional. Quando o capitão se tornou uma alternativa potencialmente viável, dada a devastação, setores da força-tarefa imaginaram que seriam eles a garantir a estabilidade a Bolsonaro e a constituir, vamos dizer assim, a nova burocracia dirigente. Ele, no entanto, tinha outros planos.

PARTIDO MILITAR
O esteio de sua pré-candidatura, note-se, já era constituído de militares da reserva. Os fardados, ainda que reformados, resolveram que era chegada a hora de restaurar a ordem, a honra e a dignidade... A velha conversa de sempre. E embarcaram na aventura. O resultado é a degradação que se vê aí: e, como é óbvio, ela se dá tanto no padrão de governança do Estado como, nem poderia ser diferente, na qualidade da democracia. Se a politização das Forças Armadas descer a ladeira das patentes, quem vai contê-la?

Isso é tudo o que quer Bolsonaro. Fiquem atentos aos atos de indisciplina e a ações violentas e autoritárias de PMs Brasil afora. As respectivas corporações se tornaram alvos e palcos de proselitismo político fascistóide e golpista. O Partido Militar considera que civis não sabem governar porque seriam tolerantes com o malfeito. Quando o Exército deixa de punir Pazuello, estão a dizer: "Não ousem punir um dos nossos; somos, antes de mais nada, militares. E, se preciso, vocês — os civis — terão de obedecer na marra".

QUEM SUBORDINA QUEM
A história é conhecida. Havia os militares que alimentavam a ilusão de que teriam o controle do capitão destemperado. Esqueceram-se de consultar a sua ficha quando soldado. Lá encontrariam as anotações sobre sua tendência à insubordinação, sua ambição e sua falta de raciocínio lógico. Esqueceram-se também da força que tem a caneta de um presidente.

Tornaram-se, sim, o esteio do regime. Formam o Partido Militar, que está no poder, mas o comando passou para as mãos e, sobretudo, para a mente de Jair Bolsonaro, que já fez gato e sapato de pelo menos nove generais da reserva. Ocorre que as coisas não poderiam parar por aí.

Desde o seu primeiro ano de governo — antes, portanto, da pandemia —, o celerado faz ameaças explícitas à Constituição, espalhando a desordem país afora e usando a condição de comandante-em-chefe das Forças Armadas para incentivar a indisciplina também nos quarteis. Hoje, não há dúvida, o Alto Comando tem menos controle da tropa do que tinha antes dessa perversa sociedade. Os militares graduados da reserva e da ativa acharam que teriam em Bolsonaro o seu instrumento de intervenção na política. Aconteceu, obviamente, o contrário. Os que imaginaram manipular são hoje manipulados.

Mais: Bolsonaro quer as Forças Armadas como cúmplices dos crimes que comete contra a ordem democrática. E, por enquanto, estão logrando seu intento.

PERCEPÇÃO ESTRANGEIRA
O Brasil voltou a ser capa da revista britânica "The Economist". E os militares ocupam um lugar destacado na leitura que faz a revista. Em 2009, o Cristo Redentor era um foguete que decolava. Em 2013, o dito-cujo estava em trajetória descendente. Agora, está preso a um tubo de oxigênio. Sem ar.

O título do editorial é eloquente: "A década sombria do Brasil"

O texto afirma que Jair Bolsonaro quer "destruir as instituições em vez de reformá-las". Entre as falhas que considera mais graves, está um valor caro aos militares: teria, por exemplo, esmagado todas as tentativas de uma exploração sustentável da Amazônia.

As Forças Armadas teriam se juntado a ele para ver avançar algumas de suas pautas. Não conseguiram e ainda assistem à degradação da própria reputação. Quem há de negar? Pazuello, o pivô do novo desastre, teria transformado o Ministério da Saúde numa espécie de "boca de fumo da hidroxicloroquina".

Para a revista, depois de uma era de progresso, a mobilidade social no país estancou. E, com Bolsonaro no poder, será impossível mudar de rumo.

Vejam aí a miséria a que nos conduziu a destruição da política.

CONCLUO
Sim, há descontentamento no Alto Comando das Três Forças. E daí? Triunfou a vontade do capitão arruaceiro, que foi expelido do Exército para, depois, como presidente da República, macular a sua honra. É o resultado de uma cumplicidade perniciosa que se torna humilhação pública.

E se enganam os militares que acham que Bolsonaro vai parar. Exigirá, a cada dia, novas provas de fidelidade a seu desvario,