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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Festa cívica" uma ova, Aras! Eis o procurador-geral da República de Weimar

Augusto Aras durante seu pronunciamento asqueroso, feito no Supremo, sobre os atos golpistas de Sete de Setembro - Reprodução
Augusto Aras durante seu pronunciamento asqueroso, feito no Supremo, sobre os atos golpistas de Sete de Setembro Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

08/09/2021 17h25

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Se o discurso de Luiz Fux, presidente do Supremo, vai ao ponto da defesa das instituições, do estado de direito e da independência do Supremo, reconhecendo os ataques contra a democracia — que, atenção!, fazem-se presentes ainda agora, neste momento, na Praça dos Três Poderes —, a fala de Augusto Aras, procurador-geral da República, entrará para a história da infâmia.

Doutor Aras houve por bem fazer como não faz o avestruz: enfiou a cabeça no buraco e ignorou os óbvios apelos a um golpe militar que tomaram as ruas. E também fez de conta que o presidente da República não abrigou tal discurso, especialmente quando anunciou, em Brasília, que estava dando um "ultimato" ao presidente do STF.

Em São Paulo, Bolsonaro houve por bem anunciar que não mais seguiria decisões judiciais com as quais não concordasse, conclamando, na prática, seus seguidores a fazer o mesmo.

A íntegra do discurso de Aras segue ao fim deste texto. Começa com a indignidade de chamar de "festa cívica" a patuscada que pedia o fechamento do Congresso e do Supremo; que incitava abertamente à resolução dos conflitos pelas armas; que desrespeitaram abertamente limites impostos pelas forças de segurança. E mais não se fez porque muita conversa de bastidor houve para conter os trogloditas.

Um trecho em particular de sua fala chama atenção:
"O próprio povo brasileiro, em 1988, outorgou-nos a Constituição, chamada de democrática, que é o nosso consenso possível e que todos juramos observar e proteger. Então, como previsto na Constituição Federal de 1988 e no ordenamento jurídico erigido a partir dela, quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções. Eis o primado do devido processo em face do voluntarismo: construir decisões legítimas, respeitáveis, sólidas, ainda que não sejam unânimes."

É consideração de tão amplo espectro que não fica claro se ele está a mandar um recado ao Supremo ou ao presidente Jair Bolsonaro. E isso evidencia a pusilanimidade do seu discurso: iguala quem atua com a Constituição nas mãos àqueles que defendem que ela seja rasgada.

Neste exato momento, mais de 100 caminhões de "manifestantes" bloqueiam um pedaço da Praça dos Três Poderes. Os fascistoides querem invadir o Supremo.

E doutor Aras está lá, a criar falsas equivalências, em nome da paz.

Doutor Aras é o procurador-geral da República de Weimar. Pouco antes do fim.

Ainda bem que a democracia não depende só da sua atuação.

Vergonha histórica.

Segue a íntegra do seu discurso.

Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal, na pessoa de quem saúdo os demais Ministros desta Casa e demais membros do Judiciário brasileiro. Caros colegas do Ministério Público brasileiro, nobres advogados, demais autoridades, servidores, senhoras e senhores.

Acompanhamos ontem uma festa cívica, com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente de forma ordeira pelas vias públicas do Brasil. As manifestações do 7 de setembro foram uma expressão de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático. Após longo período de distanciamento social, a vacinação já possibilita que concidadãos reúnam-se pacificamente para manifestarem-se.

A voz da rua é a voz da liberdade e do povo. Mas não só. A voz das instituições, que funcionam a partir das escolhas legítimas do povo e de seus representantes, também é a voz da liberdade.

Como previsto na Constituição Federal de 1988 e em nosso sistema de leis, discordâncias, sejam políticas ou processuais, hão de ser tratadas com civismo e respeitando o devido processo legal e constitucional. Mencionando a lição do Ministro Marco Aurélio, "o devido processo é a liberdade em seu sentido maior".

O próprio povo brasileiro, em 1988, outorgou-nos a Constituição, chamada de democrática, que é o nosso consenso possível e que todos juramos observar e proteger. Então, como previsto na Constituição Federal de 1988 e no ordenamento jurídico erigido a partir dela, quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções. Eis o primado do devido processo em face do voluntarismo: construir decisões legítimas, respeitáveis, sólidas, ainda que não sejam unânimes.

O Ministério Público brasileiro, como instituição constitucional permanente, segue trabalhando pela sustentação da ordem jurídica e democrática, pois não há estabilidade e legitimidade fora dela. Dentre os alicerces do constitucionalismo moderno está o da divisão, ou separação, das estruturas de exercício do poder estatal.

Esse princípio está nas raízes do constitucionalismo, presente nas experiências históricas que insurgiram contra o absolutismo e culminaram no surgimento do Estado de Direito, diga-se, Estado da segurança jurídica, Estado da verdade e da memória. Aristóteles e John Locke distinguiram as funções estatais, mas coube a Montesquieu, na clássica obra "O Espírito das Leis", publicada em 1748, teorizar o princípio da divisão (ou separação) de poderes, demonstrando a necessidade de fragmentar o exercício do Poder do Estado em diferentes estruturas orgânicas e funcionais, de modo a proteger a liberdade dos cidadãos. O princípio da Separação de Poderes foi acolhido na Constituição Americana de 1787, na Constituição Francesa de 1791, e tornou-se verdadeiro dogma da Ciência Política e do Direito Constitucional, a ponto de se dizer que não há verdadeiramente Estado Constitucional sem a adoção, formal e material, desse princípio.

No Brasil, a separação e a harmonia entre os Poderes foi adotado desde os projetos da Constituição do Império. Integra a nossa história constitucional, sendo um dos marcos estruturantes da nossa República. Tamanha é sua importância, que o Professor Paulo 4 Bonavides, em seu "Curso de Direito Constitucional", coloca o princípio da Separação de Poderes como a "garantia máxima da Constituição democrática, liberal e pluralista".

O saudoso professor, cearense nascido na Paraíba, destaca que esse princípio é um "emblema de resistência a poderes autocráticos e a formas de governo havidas por usurpadoras de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana". A independência entre os Poderes pressupõe harmonia. Sem esta, o equilíbrio transfigura-se em conflito permanente. Essa harmonia, que pregava John Jay, há de ser buscada por todos, e exige institucionalidade nas medidas e recursos próprios, e no devido tempo. Não podemos desprezar os recursos e ferramentas da institucionalidade - o devido processo legal, o devido processo legislativo, o devido processo administrativo. Por meio dessas vias formais do nosso Estado Democrático de Direito, assegura-se que as minorias tenham voz e meios contra os excessos da maioria, e também que os direitos da maioria sejam preservados no processo decisório inerente às democracias representativas ou diretas.

A Democracia é um grande concerto de interesses. É o governo dos contrários, mas também do possível. É, mediante o diálogo — com discordâncias, mas sem discórdias —, um caminho para a paz, por meio do consenso social. Nós amamos a Democracia, pois nela floresce a liberdade, com a qual tantos sonharam, e pela qual tantos se sacrificaram. É na Democracia que mulheres e homens livres realizam-se em sua existência. Reafirmamos que, juntos, trabalhando por uma sociedade livre, justa e solidária, aperfeiçoaremos a nossa democracia.

Afinal, como bem disse o Dr Ulysses Guimarães, na data da promulgação da nossa Constituição de 1988: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca!" O titular do poder constituinte, o povo brasileiro, por meio de seus legítimos representantes, tem sabido, dentro da institucionalidade, superar os desafios e crises que se impuseram ao Brasil desde 1988. 6 O Ministério Público brasileiro atua e atuará para que, com diálogo, independência e harmonia, continuemos a perseverar nesse percurso de engrandecimento do nosso Brasil. Muito obrigado.