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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Código Eleitoral: quarentena é boa; limite a pesquisa, ilegal. Fala, Senado

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

16/09/2021 03h58

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A Câmara concluiu a votação do novo Código Eleitoral, que agora segue para o Senado. Os senadores mal terão tempo de ler, prestem atenção!, os 898 artigos, distribuídos ao longo de quase 400 páginas. Há coisas ali com as quais concordo; há outras de que discordo radicalmente. Nem mesmo se pode dizer que existe um princípio organizador no troço. Trata-se de um projeto de lei que começou a tramitar na Câmara. Assim, eventuais alterações feitas pelo Senado podem ser rejeitadas pelos deputados, que têm competência para restaurar o texto originalmente aprovado.

Há duas questões relevantíssimas no texto relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI). Voltou a quarentena para juízes, procuradores, militares e policiais que queiram disputar eleições. Inicialmente, pensava-se num prazo de cinco anos, válido já para a eleição de 2022. Só não defendo exatamente isso porque eu imporia uma quarentena de oito.

A questão foi retirada do texto-base, aprovado na semana passada, e virou um destaque, impondo a quarentena de cinco anos a partir de 2026. Vale dizer: quem exerce essas carreiras pensando em se candidatar daqui a cinco anos teria se desincompatibilizar já. Eram necessários 257 votos (maioria absoluta) para aprovar o dito-cujo. Faltaram apenas três: houve 254.

Numa manobra regimental, a questão da quarentena foi submetida de novo a voto: foi incluída numa emenda aglutinativa, com uma quarentena de quatro anos em vez de cinco. Caso o texto venha a ser aprovado pelo Senado, juízes, procuradores, policiais e militares têm até o ano que vem, pois, para decidir se desistem de suas respectivas carreiras para ingressar na política.

OS MILITARES
É evidente que sou favorável à tese -- e, notem, entendo que deveria valer já para o ano que vem. Nem preciso me estender sobre militares e policiais. A política entra nos quarteis pela porta da frente, e a disciplina sai pela porta dos fundos. Gente armada pelo Estado não pode se entregar a clivagens partidárias. A aberração é tal que a Constituição proíbe essas categorias de se filiar a partidos, mas a filiação é uma exigência também da Carta para a candidatura. E há, então, a exceção: para concorrer, basta aos militares que tenham seus respectivos nomes referendados por convenções partidárias até junho. Faz sentido? Claro que não!

Quanto a procuradores e juízes, dizer o quê? Gozam dos benefícios da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos salários. Tudo porque se entende que sua independência deve ser preservada. Respondem, respectivamente, pela mobilização do aparelho repressivo do Estado em defesa das leis e pela aplicação das ditas-cujas. São carreiras de Estado. Um juiz ou procurador com ambições político-eleitorais certamente exercerá mal o seu trabalho. Em prejuízo de indivíduos e da sociedade. Os fundamentos estão certos.

Sim, houve uma manobra para reinserir um tema já rejeitado, mas ainda dentro das regras. Com a quarentena de quatro anos, válida a partir de 2026, a emenda aglutinativa foi aprovada por 273 votos a 211.

CENSURA A PESQUISAS ELEITORAIS
Há uma coisa detestável no texto e, entendo, inconstitucional. Caso aprovado pelo Congresso, é certo que a questão vai bater no Supremo: censura às pesquisas eleitorais. Elas não poderiam ser publicadas na véspera e no dia da eleição.

Há uma outra exigência: os institutos seriam obrigados a informar o percentual de acerto em levantamentos nas cinco eleições anteriores. MP, partidos e coligações poderiam pedir à Justiça acesso ao sistema interno de controle das pesquisas para cotejar com os números publicados. O instituto poderia ainda ter de franquear o acesso à sede ou filial da empresa "para exame aleatório das planilhas, mapas ou equivalentes".

É do balacobaco! Elegemos senadores e deputados. E, por certo, não há mecanismo de transparência que permita ao eleitor entrar nos gabinetes dos parlamentares ou da administração das respectivas Casas para avaliar se tudo caminha como este acha que deveria. E seria mesmo inviável. Embora sejam instituições públicas, é claro que as restrições de acesso garantem a funcionalidade. O texto, como foi aprovado, transforma empresas privadas em áreas expropriadas, ao gosto daqueles eventualmente inconformados com os números.

De resto, há um cerceamento evidente à liberdade de informação. Estimulam-se tanto as "fake news" como as pesquisas picaretas. Institutos profissionais, submetidos ao crivo da opinião pública e ao escrutínio de profissionais da imprensa, seriam tratados como bandidos. E, por óbvio, os únicos beneficiários seriam os verdadeiramente criminosos. Há vigaristas nessa área? Há, sim. Como em todas. Mas a melhor maneira de combatê-los é garantindo a liberdade para o trabalho de profissionais da área, que têm compromisso com a verdade e com a ciência.

Importante: será que alguns potentados do dinheiro não contratariam levantamentos para seu consumo apenas, de olho em seus interesses? A restrição beneficiaria alguns poucos com informação privilegiada e prejudicaria milhões, que ficariam sujeitos às "fake news" espalhadas por bandidos.

"Ah, institutos também erram!" Fato. Seria como proibir a medicina porque um médico errou no diagnóstico, deixando, então, os doentes à mercê de feiticeiros e curandeiros. Que coisa! Destaque do Cidadania que buscava suprimir a proibição foi derrotado por amplíssima margem: 355 a 92.

OUTRAS DISPOSIÇÕES
Há muitas outras questões que pedem um debate atento:
- prestação de contas de partidos seria feita por meio do sistema da Receita Federal, não pelo modelo da Justiça Eleitoral;
- partidos poderiam contratar empresas privadas para auditar suas contas;
- decisões do TSE sobre aplicação do Código Eleitoral poderiam ser derrubadas pelo Congresso;
- descriminalização do transporte irregular de eleitores;
- anistia a partidos que não cumpriram a cota de sexo e de raça em eleições antes da promulgação da lei...

E vai por aí. Deixei de listar 891 outros artigos.

Reitero: há um aspecto nessa lei que considero fundamental: a quarentena. Por mim, valeria já para 2022, com período de oito anos. Apesar disso, não hesito em afirmar que o Senado deveria rejeitar o texto. E nem me preocupa tanto o limite às pesquisas e o risco de invasão organizada aos institutos porque isso tudo me parece flagrantemente inconstitucional, o que tenderia a ser barrado pelo Supremo.

Meu ponto é outro: não faz sentido aprovar, a toque de caixa, um código com 898 artigos que, certamente, não serão suficientemente debatidos pelos senadores. O procedimento não é bom, ainda que a quarentena seja desejável.