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Rosa acerta e libera emendas do relator; tema segue no STF; mérito só em 22
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A ministra Rosa Weber liberou, ad referendum do pleno, a execução das emendas do relator relativas ao Orçamento deste ano, que ela mesma havia suspendido no dia 5 de novembro, o que contou com a concordância de sete outros ministros, em julgamento concluído no dia 10 daquele mês. Só Gilmar Mendes e Nunes Marques se mostraram contrários à suspensão. Mendes, diga-se, endossou as exigências de transparência feitas pela ministra. Marques se opôs também a elas. Atenção! Não se trata de julgamento de mérito. Rosa considera que ainda não dispõe das informações necessárias para tanto. Vamos ver.
Defendi em artigo publicado aqui no dia 26 de novembro que o Supremo Tribunal Federal liberasse os desembolsos das emendas do relator. E ponderei o que me parecia óbvio: retê-las seria punir os pobres sob o pretexto de protegê-los. A título de combater o malfeito, não se pode produzir uma consequência ainda pior do que o dito-cujo.
E era precisamente o que se dava com a suspensão das tais emendas. Ainda que, com efeito, pecassem e pequem pela falta de transparência — e eis uma questão a ser corrigida —, o fato é que não se pode simplesmente paralisar ações que estão em curso, parte considerável delas na área da Saúde.
No dia 25 de novembro, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado, entraram com uma petição no tribunal para reverter parcialmente a decisão da Corte. Pediam justamente a liberação do dinheiro, lembrando que o que não for destinado até o fim do ano vai servir à amortização da dívida pública. Afirmaram:
"A destinação (ou "desperdício") dos recursos públicos não empenhados até o término do exercício financeiro, os quais serão devolvidos à Conta do Tesouro Nacional e acabarão sendo destinados para amortizar os juros da dívida pública, em lugar de serem destinados às políticas públicas de utilidade direta para os cidadãos".
Naquele mesmo dia, um ato conjunto do Senado e da Câmara se comprometia a cumprir o que determinou o tribunal para as emendas vindouras. Projeto de Resolução aprovado no dia 2 estabeleceu as regras de transparência, consideradas ainda insuficientes por parlamentares de oposição. O Supremo não as avaliou.
Na petição que Lira e Pacheco enviaram a Rosa, lembravam os prejuízos objetivos decorrentes da suspensão. Transcreveram parte das informações contidas no Ato Conjunto. A medida tomada pelo Supremo afetava a destinação de R$ 7,510 bilhões à Saúde; de R$ 5,740 bilhões ao Desenvolvimento Regional; de mais de 781 milhões à Educação; de R$ 1,262 bilhão à Agricultura, Pecuária e Abastecimento; de mais de R$ 795 milhões à Cidadania; de R$ 350 milhões à Defesa; de outros R$ 350 milhões à Economia e de R$ 75 milhões à Ciência e Tecnologia.
Cumpre lembrar que, quando a suspensão foi decidida, Mendes, que foi voto vencido, apontou:
"O congelamento das fases de execução dessas despesas se afigura dramático principalmente em setores essenciais à população, como saúde e educação. Ainda conforme as informações prestadas na Nota Técnica da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, dos R$ 9,3 bilhões já empenhados este ano, R$ 4,6 bilhões foram destinados ao Ministério da Saúde. São recursos destinados à construção de hospitais, à ampliação de postos de atendimento ou a quaisquer outras finalidades de despesa primária que podem ser destinados a todas as unidades federativas nacionais e que terão sua execução simplesmente paralisada até o julgamento de mérito desta ADPF. A manutenção da medida cautelar deferida nesses termos seria mais prejudicial aos bens jurídicos tutelados do que o próprio estado de inconstitucionalidade subjacente ao manuseio das emendas do relator."
VOLTEMOS A ROSA
A ministra reconhece, como fez Mendes em seu voto, que a suspensão da execução das emendas do relator provoca prejuízos efetivos à população. Lembra que jurisprudência do próprio Supremo permite a liberação de recursos considerados essenciais mesmo a entes federados (Estados e municípios) que constem do cadastro de inadimplentes. Escreve a ministra:
"O que se mostra juridicamente relevante, no momento, para os fins a que se propõe esta decisão, é a posição ocupada, no complexo deontológico e político consubstanciado na Constituição, pela garantia de continuidade dos serviços públicos, na medida em que assume, no regime previsto na Carta de 1988, instrumento particularmente relevante de distribuição de direitos materiais subjetivos, notadamente os de natureza prestacional.
A necessidade de proteger a continuidade dos serviços públicos prestados à comunidade em geral -- como via permanente de acesso das pessoas aos seus direitos básicos e às condições de existência digna -- tem orientado a jurisprudência desta Suprema Corte, especialmente em situações em que a intervenção judicial em disponibilidades financeiras de entidades da Administração Pública, direta ou indireta, mostre-se suscetível de ocasionar a suspensão ou a interrupção de atividades públicas essenciais à população.
É por isso que o Supremo Tribunal Federal tem garantido a liberação e repasse de verbas federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios quando a inscrição do ente federado no cadastro de inadimplentes gerido pela União inviabilizar o acesso aos recursos financeiros necessários à continuidade da prestação de serviços essenciais e da execução de políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades básicas da população."
A ministra expõe ainda outro motivo para destravar os recursos:
Os dados fornecidos pelo Congresso Nacional, contudo, revelam que, em 2021, as despesas de RP 9 beneficiaram 96,30% dos Estados-membros e 86,89% dos Municípios, evidenciando equilíbrio na distribuição das verbas federais entre todas as regiões do território nacional.
A destinação dos recursos contempla amplo espectro de programas e serviços vinculados aos Ministérios da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Regional, entre outros setores essenciais. As informações prestadas pelo Congresso Nacional apontam o destino final dos recursos orçamentários e, por isso mesmo, autorizam seja dada continuidade aos programas estatais em questão.
O PRAZO
Rosa havia dado 30 dias para que se definissem todos os dados, incluindo a identidade do parlamentar solicitante, referentes às emendas do relator. Na petição que apresentam ao tribunal, Lira e Pacheco apontam a impossibilidade de cumprir esse prazo, pedindo que fosse estendido para 180 dias.
A magistrada decidiu ficar no meio do caminho e estabeleceu o limite de 90 dias a partir da data de conclusão da primeira liminar pelo pleno: 10 de novembro. O que eu tenho a dizer?
Desde que se cumpram as determinações, parece-me que a ministra deveria confiar no tempo pedido pelos respectivos presidentes das Casas congressuais, uma vez que o alargamento do período por ela mesma determinado — de 30 dias para 90; de "x" para "3x" — pode indicar que não tem critérios objetivos para avaliar o que está sendo pedido.
O MÉRITO
Note-se que a ministra está modulando o conteúdo de sua liminar -- com a liberação dos recursos e a mudança do prazo --, mas ainda não propôs a votação de mérito. A questão continuará pendente. E por quê? Ela explica:
"Mostra-se prematuro aferir, neste momento, a idoneidade das medidas adotadas para satisfazerem os comandos emanados da decisão cautelar proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Sequer esgotado o prazo para todos os órgãos estatais incumbidos da execução das providências determinadas por esta Corte apresentarem as ações adotadas nas suas respectivas esferas de competência.
Ainda não foram prestadas informações pela Presidência da República, pela Casa Civil da Presidência da República e pelo Ministério da Economia quanto ao cumprimento da decisão proferida por esta Corte, até mesmo porque o prazo para a execução de tais medidas ainda está em curso."
O prazo originalmente dado pela ministra se esgotaria na sexta próxima, dia 10, Agora, estende-se para 10 de fevereiro. Antes disso, o mérito da questão não será julgado. E a questão da transparência das emendas do relator segue judicializada.
A ministra, cumpre notar no encerramento, tomou a decisão acertada. Como certa é a exigência de transparência. A suspensão da execução sempre me pareceu um exagero. E cumpre notar que os impetrantes de três ADPFs que motivaram a decisão original de Rosa não a haviam pedido.