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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moro desiste, mas não muito. Ainda sonha com o processo político a seus pés

Sergio Moro, que desistiu, "neste momento", da disputa pela Presidência da República. Mas ele ainda quer... - Lula Marques/Agência PT
Sergio Moro, que desistiu, "neste momento", da disputa pela Presidência da República. Mas ele ainda quer... Imagem: Lula Marques/Agência PT

Colunista do UOL

01/04/2022 05h08

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É claro que Sergio Moro ainda não perdeu as esperanças de disputar a Presidência da República. Ocorre que sua ruindade política é assombrosa. A ideia era que sua postulação inicial pelo Podemos ganharia adesões de outras legendas e lideranças, de modo que ele se tornaria o fator irresistível nessa coisa pastosa chamada "terceira via". Mas Moro murchou em vez de crescer. E ficou estacionado ali nos 7%, 8%. Outros estão, é verdade, em situação ainda pior — exceção feita a Ciro Gomes (PDT), no mesmo patamar. Ocorre que os demais postulantes estão em estruturas partidárias com mais recursos e mais estrutura do que o Podemos. Os candidatos do partido o viam como um sorvedouro inútil de recursos.

Mas não é só isso. O Podemos não conseguiu fechar aliança com ninguém. Em vez de criar facilidades para os palanques regionais, por exemplo, Moro só criou dificuldades. O notório caçador de oportunidades dos tempos em que envergava a toga nos ombros não se mostrou nem na sua melancólica passagem pelo Executivo nem nos cinco meses em que tentou se mostrar um candidato viável. Em vez disso, o monumento moral da Lava Jato foi revelando, à luz do sol, o que as trevas da operação impediam que se visse: uma figura bisonha, desajeitada, com pouco a dizer e sem nenhuma destreza no trato da coisa pública. Afinal, fez carreira destruindo políticos e a política.

Sem a autocontenção ditada pela moral e pela ética, um juiz pode se transformar num déspota nas dependências em que reina de modo quase absoluto. Os mecanismos formais para estabelecer limites costumam esbarrar em garantias que são, de fato, necessárias caso não se queira uma Justiça sequestrada pelo poder político e econômico ou por máfias. Mas isso não confere a ninguém o direito de se comportar como tirano do solipsismo judicial. Todo juiz deveria ser um leitor de São Paulo: "Posso (quase) tudo. Mas nem tudo me convém".

Moro fez carreira ultrapassando a linha da legalidade sob o aplauso cúmplice de amplas maiorias, inclusive da imprensa. Como me disse certa feita um juiz brilhante, já aposentado: "Quem adquire o direito de usar a toga não pode ter a ambição de reformar o mundo à sua imagem e semelhança". E Moro fez fama e, depois, fortuna apelando a heterodoxias que conspurcaram o devido processo legal no Brasil. Pré-candidato à Presidência, nunca conseguiu levar a sua postulação além da prosa punitivista. A sua atuação política tem servido para iluminar, ainda que retroativamente, o seu desempenho como juiz. A propósito: a dinheirama que recebeu da Alvarez & Marsal ajudou a liquidar a sua candidatura.

O doutor deixou as fileiras do Podemos e filiou ao União Brasil. Publicou uma nota nas redes sociais:
"O Brasil precisa de uma alternativa que livre o país dos extremos, da instabilidade e da radicalização. Por isso, aceitei o convite do presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, para me filiar ao partido e, assim, facilitar as negociações das forças políticas de centro democrático em busca de uma candidatura presidencial única. A troca de legenda foi comunicada à direção do Podemos, a quem agradeço todo o apoio. Para ingressar no novo partido, abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor."

Destaque-se, por óbvio, o adjunto adverbial de tempo. Diz estar abrindo mão da candidatura "nesse momento". Não fica muito claro por que o seu ingresso no União Brasil "facilita as negociações", a não ser pela esperança que o ex-juiz incompetente e suspeito alimenta de que pode ser ele o nome da pretendida coligação "União Brasil-MDB-PSDB", coisa na qual não aposto. Ainda na terça-feira, disparou:
"Não posso renunciar à minha candidatura para alguém que tem 1% ou 2% nas pesquisas, quando a gente tem 10%, 9%, 8%, a depender das pesquisas. Não tenho essa vaidade, mas tenho o sonho de mudar o país".

Como ninguém deu bola pra ele nas negociações da tal "terceira via", foi pedir socorro a Luciano Bivar. Antes de Moro divulgar a sua nota, caciques do UB também se manifestaram:
"Deixamos claro que o seu [de Moro] eventual ingresso ao União Brasil não pode se dar na condição de pré-candidato à Presidência da República. Caso seja do interesse de Moro construir uma candidatura em São Paulo pela legenda, o ex-ministro será muito bem-vindo. Mas, neste momento, não há hipótese de concordarmos com sua pré-candidatura presidencial pelo partido".

Assinam o texto, entre outros, ex-prefeito de Salvador ACM Neto; o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e o senador Davi Alcolumbre (AP), todos oriundos do extinto DEM. Notem, no entanto, que o texto traz o mesmo adjunto adverbial da nota assinada por Moro: "neste momento". E se nome despontar como viável? E se Moro, por qualquer razão, disparasse nas pesquisas. O político de Pernambuco Ricardo Fiúza, que morreu em 2005, dizia que nada nada é mais importante e útil em política do que o "fato novo". Quando e se alguém quer mudar de posição ou opinião sem um motivo conhecido, basta alegar a existência de um "fato novo".

Acho pouco provável que a legenda, sozinha ou unida a outras, embarque na aventura. Até porque Moro, um fato velho, demonstra incrível ruindade na operação da política, além de pouca disposição para ser reverente aos que sabem mais do que ele — pecado que também demonstrava quando juiz.

Releio a sua nota. Diz querer livrar o país dos "extremos da radicalização..." Vejam quem fala! Eis o homem que preparou o terreno para a ascensão de Bolsonaro; que foi servi-lo, depois, como ministro da Justiça; que, no poder, tentou aprovar um pacote anticrime que institucionalizava, ainda que não quisesse, a violência contra pretos e pobres e que, adicionalmente, silenciou diante da estupidez armamentista.

De fato, o Brasil precisa ficar longe dos extremos. E dos extremistas.