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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

STJ - Suspensão de show de Gusttavo Lima se ampara em lei e na Constituição

Teolândia ainda se encontra em emergência em razão das chuvas, que causaram grave prejuízo à cidade no fim do ano passado (foto) e começo deste ano. E precisou de socorro federal. Para o povo, não para Gusttavo Lima - Reprodução
Teolândia ainda se encontra em emergência em razão das chuvas, que causaram grave prejuízo à cidade no fim do ano passado (foto) e começo deste ano. E precisou de socorro federal. Para o povo, não para Gusttavo Lima Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

06/06/2022 07h32

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Neste domingo, o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu a decisão de um juiz plantonista do Tribunal de Justiça da Bahia, que havia liberado a realização dos shows da "Festa da Banana" de Teolândia. Gusttavo Lima iria se apresentar. Valor da contratação: R$ 704 mil. Voltou a valer a suspensão determinada pelo Juízo da Vara Cível de Wenceslau Guimarães, atendendo a um pedido do Ministério Público da Bahia. O MP acionou a Justiça após suspeitas de irregularidades nos gastos com a organização do evento, sobretudo com relação ao cachê pago ao cantor.

"Ah, olhem aí, o Judiciário se mete em tudo..." Será mesmo?
Peço que leiam este trecho da decisão do ministro (íntegra aqui):

"Da análise minuciosa de todos os documentos acostados verifico que, de fato, o Município de Teolândia encontra-se em Situação de Emergência declarada pelo Decreto 148, de 26 de dezembro de 2021, por período de 180 dias, vigente, portanto, na data da prolação desta decisão. A Situação de Emergência é declarada quando o ente vivencia uma realidade anormal a exemplo de um desastre natural, e excede a capacidade de resposta do Município, implicando na necessidade de auxílio direto e imediato, de outros entes para que se proceda à recuperação da infraestrutura dos espaços públicos, e se assegure que a população tenha meios para o retorno de seus afazeres cotidianos. É fato público e notório, que a catástrofe climática na região castigou a população que perdeu parentes, amigos, vizinhos. Para além das perdas irreparáveis, a vida, anote-se que os prejuízos financeiros ainda não foram sequer recompostos, já que muitos ainda se encontram em situação de recomeço. A devastação fez com que o Governo Federal direcionasse ao

A devastação fez com que o Governo Federal direcionasse ao Município valores a viabilizar não apenas a reconstrução das áreas atingidas, mas também o abastecimento da população prejudicada com itens indispensáveis a sobrevivência. Analisando os documentos anexados no corpo na petição inicial, verifico que, apenas nos meses de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, o Município réu foi agraciado com cerca um milhão e meio de reais oriundos do Governo Federal para atuação emergencial em socorro à população afetada.

Não obstante esta situação dramática, segundo verifico dos documentos anexados, no mês de maio de 2022, foram publicados no Diário Oficial a contratação de artistas e prestadores de serviços para a realização do evento conhecido na região como Festa da Banana que, este ano, estaria em sua XVI edição.

Apenas em um olhar superficial sobre as publicações colacionadas a estes autos, os custos se aproximam dos dois milhões de reais, excluídos desta aritmética os diversos contratos de impossível análise em razão da dificuldade de localização da imprensa oficial. Com isso, a probabilidade do direito está, em sede de cognição sumária, devidamente demonstrada. Importante esclarecer, inicialmente, que os atos administrativos submetem-se ao controle jurisdicional, justificado, inclusive, pelo sistema de freios e contrapesos estabelecido na Constituição Federal que viabiliza o controle das atividades de poder por cada um deles respectivamente, de forma a evitar abusos no exercício de qualquer esfera.

A atuação da Administração Pública, no que se refere à alocação de recursos para as diversas necessidades e demandas da população conta, sim, com margem de discricionariedade, de forma a permitir que o gestor público, em contato direto com as circunstâncias experimentadas, possa identificar a conveniência e oportunidade dos gastos. Contudo, é inegável que a sua atuação se submete às normas consagradas no ordenamento jurídico. Sendo assim, a doutrina administrativista mais moderna esclarece a subsunção dos atos administrativos à juridicidade, para inserir a atuação estatal ao Direito como um todo, abarcando não apenas as leis, como também princípios norteadores da administração pública e os direitos fundamentais dos munícipes resguardados no texto constitucional.

Assim, tem-se que mesmo atos discricionários, como a alocação de receitas do ente federativo nas diversas necessidades experimentadas pela comunidade, demandam obediência a parâmetros mínimos a respaldar a sua vinculação aos princípios reinantes no ordenamento jurídico pátrio.

RETOMO
Vocês entenderam direito: a cidade está ainda em situação emergencial em razão da destruição causada pelas chuvas. E recebeu recursos federais para minorar o sofrimento dos que foram mais afetados. A prefeita da cidade, Rosa Baitinga (PP), contratou Gusttavo Lima por essa fortuna porque disse que sempre teve o sonho de conhecê-lo... Sei. Que pague o custo do seu desejo com o seu dinheiro.

Ela, creiam, lamentou a decisão judicial nas redes sociais, afirmando que fez de tudo para garantir a apresentação do cantor... É do balacobaco!

Inexiste ato não sindicável na administração -- isto é, que esteja livre do controle jurisdicional. É claro que a Prefeitura pode eleger suas prioridades, e não será a Justiça a elencá-las. Mas existem os princípios que regem a vida pública, definidos na Constituição:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."

E há ainda a Lei 9.784, que rege a administração pública. Reza o caput do Artigo 2º:
"A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência."

Vejam ali uma outra palavra fundamental: PROPORCIONALIDADE.

Escreveu o ministro Martins:
"Não há, de fato, proporcionalidade entre a condição financeira do município, suas prioridades em termos de serviços públicos e o gasto despendido com o evento, ainda que se considere muito relevante a realização de eventos culturais pelo País."

Dados os valores do cachê de Gusttavo Lima — de resto, cambiantes — e de outros e a penúria da população dos municípios contratantes, com serviços públicos sempre precários, indaga-se: ONDE É QUE ESTÁ A PROPORCIONALIDADE?

Investigação já!