Reinaldo Azevedo

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Opinião

Taxa Selic - Composição do Copom, aberração lógica e a fantasia autoritária

Vamos lá detalhar os passos de uma nova "polarização", esta criada pela forma como se faz jornalismo econômico no país, quase exclusivamente pautado por agentes do mercado. Os acadêmicos que não trabalham para instituições financeiras, corretores e congêneres quase nunca têm vez. "E você, que não entende nada de economia, vai se meter?" Vou, sim! Tenho aqui anotadas as previsões dos "expertos" (com "x") influentes para, deixem-me ver, crescimento, inflação e juros. Erraram praticamente tudo. Os meus eventuais erros certamente são mais baratos.... E é certo que não vou enriquecer com eles. Mas o ponto nem é esse. Quero chamar a atenção para uma aberração lógica, que traz consigo uma aberração política de viés até mesmo golpista. E, para apontá-las, não é preciso ser especialista em economia. Explicarei tudo. Antes, algumas considerações.

O Banco Central diminuiu de 0,5 para 0,25 o corte na Taxa Selic, que agora está em 10,5%. Parece besteira? Como a redução de cada ponto percentual representa R$ 44 bilhões em juros da dívida pública, deixa-se de poupar R$ 11 bilhões: quase R$ 2 bilhões a mais do que a perda com a desoneração da folha de pagamento dos tais 17 setores, que renda tanta dor de cabeça ao governo no Congresso e na imprensa.

Reduziu o ritmo do corte por quê? A inflação está baixa, o crescimento é modesto, o mercado de trabalho não pressiona os preços. "Ah, mas é que houve mudança na meta fiscal, e o cenário externo etc, etc, etc." Pode-se escolher esta ou aquela explicação. A "duzmercáduz", nós sabemos, é compatível com a decisão que joga para esfriar ainda mais a economia. Sigamos.

O Copom ignorou o tal "forward guidance" (orientação futura), que previa a manutenção do ritmo de queda da taxa em 0,5 ponto. Na verdade, Roberto Campos Neto, presidente do BC, já havia antecipado a decisão em seminário da XP Investimentos, em Washington, em 17 de abril, dois dias depois da alteração da meta fiscal — que, note-se, não é nenhuma heresia porque contemplada no próprio arcabouço.

Só para lembrar: o que se tinha como certo, até então, era que o BC operaria um novo corte de 0,5 ponto. Mas Campos Neto aventou que poderia ser de apenas 0,25 ou até nada. Ora, o mercado entendeu o óbvio: se dependesse do presidente da autoridade monetária, a queda não seria de 0,5 ponto nem com reza braba. A manutenção da taxa seria ofensa demais à inteligência, dados os indicadores da economia — logo, redução de 0,25 apenas. Bingo!

Magistrados a fazer seminários no exterior parece coisa ofensiva e errada a muita gente. Já o chefão do "BC independente" a cantar, no exterior, com 22 dias antecedência, a taxa de juros parece soar como coisa normal. Vamos agora a outras aberrações.

COPOM DIVIDIDO
Cinco diretores, incluindo Campos Neto, optaram por apenas 0,25 ponto. Os outros quatro, incluindo Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do banco, votaram por 0,5 ponto.

E não tardou, então, para a que a imprensa registrasse: os cinco diretores egressos do governo Bolsonaro fizeram a escolha que alguns valentes consideram "mais severa"; já os quatro indicados por Lula escolheram, VEJAM QUE ESCÂNDALO!, AQUILO QUE O BC HAVIA PROMETIDO FAZER.

"Ah, Reinaldo, mas há justificativas técnicas para as duas coisas..."

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Ok. Não vou reabrir esse ponto. Ocorre que algumas análises que andam por aí — e as há de boa-fé e de má-fé — estão a sugerir que, a partir desta quinta-feira, o mercado poderá ficar ressabiado porque haverá a inferência de que os quatro que optaram pelo corte maior, CONFORME O TAL "forward guidance, serão vistos como "paus-mandados" de Lula. Santo Deus!

Que tipo de juízo é esse?

O BC não é autônomo? Os diretores não têm um mandato, só podendo ser defenestrados pelo Senado — e não é tarefa simples? Então se parte do princípio de que as autonomias da autoridade monetária e dos diretores só se manifestam de verdade e se provam para valer se atuarem contra aquele que se sabe ser o desejo do presidente? Venham cá: que chefe do Poder Executivo, podendo optar, escolheria o juro mais alto ao mais baixo?

Se os quatro que escolheram o corte maior, como havia sinalizado o próprio BC, atuaram desse modo porque guiados ou manipulados pelo governo, deve-se inferir que os outros cinco, que vêm da gestão anterior, estão a serviço da oposição?

Desse modo, a tarefa principal do BC seria contrariar o governo, não zelar pela política monetária? Inventou-se, agora, a "polarização do Copom"? Mais: fazendo parte das regras do jogo a divulgação dos votos, o quarteto vencido deveria ter mudado a sua posição para, sei lá, não passar uma má impressão?

Que diabo de raciocínio é esse?

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EM 25, GOLPE NO BC?
Estão, por acaso, a sugerir que os diretores indicados por Lula têm alguma mácula de origem ou padecem de déficit de credibilidade? No começo de 2025, sete dos nove terão sido indicados pelo atual presidente; no começo de 2026, todos. Se bastam quatro para assustar "uzmercáduz", havendo nove, alguém vai se lembrar de sugerir, sei lá, um golpe no BC? Ou será que essa futura diretoria terá de deixar de lado a sua tarefa e administrar os humores da especulação?

Pergunto: tais considerações são compatíveis com a ordem democrática e com a própria autonomia do BC? É inaceitável a ilação de que os que escolheram o corte anteriormente previsto não o fazem por livre convencimento, mas porque estão sendo pressionados.

Ah, sim: também se dá como certo que o PT e Lula protestarão, o que é considerado pelos idiotas um crime de lesa economia. Muitos desses valentes acham que a "liberdade de expressão" compreende até a pregação de golpe de estado, mas não a crítica ao Banco Central.

ENCERRO
É evidente que me alinho com aqueles que votaram pelo corte de 0,5 ponto. Mas isso é o de menos. O que demonstro neste texto é a facilidade com que o pensamento autoritário, fantasiado de debate técnico, pede passagem quando o assunto é economia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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