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Reinaldo: Delação de Lessa pode esbarrar em falta de provas em tema central

O colunista Reinaldo Azevedo disse no Olha Aqui! desta segunda (27) que, sem provas, a delação do ex-PM Ronnie Lessa pode não servir para condenar os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes. Nas declarações à Polícia Federal, ele afirma ter aceitado matar a parlamentar e seu funcionário em troca de uma proposta milionária, que envolvia um loteamento clandestino na zona Oeste do Rio de Janeiro e o comando de uma milícia. O vídeo foi exibido pelo Fantástico, da TV Globo.

Eu achei muita fraca a delação dele. Se você ler a Lei 12850 e se ela for cumprida, não vai acontecer nada com os Brazão [irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, apontados na delação como os mandantes do crime]. Tudo muito grave o que ele disse? Tudo muito grave. (...) Diz a PF: não foi possível achar evidências de que essa história do terreno é verdadeira. Além da fala dele, não existe nada. Também se fala: não há evidência de que ele se encontrou com os irmãos Brazão. Também a fala dele, só. Também se informa: não há evidência de envolvimento do delegado Rivaldo [Barbosa], além das declarações de Ronnie Lessa. E também se afirma: não há evidência de que foi aquela a trajetória da arma, além da delação de Ronnie Lessa. Está dizendo que não foi o Brazão? Eu lá sei... Eu só chamo atenção pro fato de que a Lei 12850, das delações de organizações criminosas, diz que delação é meio pra obter prova, não é prova. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

E o que se viu ali... é claro que é chocante ver o sujeito dizer: 'Fui eu que matei, eu matei sim, porque me ofereceram um terreno, uma sociedade num troço de R$ 100 milhões'. Também me pareceu um pouco... e aí quando você vai buscar as provas, as provas não estão ali. Eu fiquei com a sensação... não, não estou dizendo que ele não matou, ele tá dizendo que matou, ele disse que matou, matou. Agora, a história me pareceu... conversei com outras pessoas que são da área, a história pareceu muito frágil. Marielle morreu, foi assassinada, o Anderson também (...), agora essa história que está construída aí, o que ficou evidente é que não tem nenhuma prova que não seja ele falando. Chamo atenção pra isso, pra que no futuro, depois, ou não se aceita denúncia ou se acaba absolvendo, achei a história muito pouco consistente. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo disse que a história contada por Lessa parece "arranjada".

Nem mesmo fica claro como é que a Marielle poderia obstar um projeto de 100 milhões. E quando você vai ver o projeto de R$ 100 milhões, nunca esse projeto teve um andamento qualquer. O que ela fazia era organizar pessoas da zona Oeste pra resistir à coisa dos milicianos ali, ocupação dos territórios. Pra quem conhece a investigação e como é que são essas coisas, o discurso me pareceu uma história um pouco arranjada e sem nenhuma outra prova, em relação aos outros, que não seja a fala dele. E aí diz assim: 'Ele procurou o nome dela na internet'. Não, não dá pra chamar isso de prova. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

O Chiquinho Brazão tinha dois elementos infiltrados no Psol. Tá. Poderia também ser o [Marcelo] Freixo [ex-deputado e atual presidente da Embratur], acabou sendo ela. Olha a diferença que haveria entre o Freixo e a Marielle, à época. Porque, à época, a Marielle não era a Marielle. A história está malcontada. Ele é assassino, aliás não só dela, é um miliciano, um criminoso fanático, fala que matou assim com uma desfaçatez... Agora, tem algo estranho aí. Por exemplo, em relação ao Rivaldo não tem nada que não seja a acusação. Em relação ao outro delegado, a mesma coisa, e foi o delegado que prendeu o Ronnie Lessa, que é o tal do Geniton. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Para Reinaldo, para condenar os irmãos Brazão será preciso "caprichar" na produção de provas.

Eu estava mais pacificado quanto aos acontecimentos antes dessa entrevista. Depois dela, passados os elementos obviamente chocantes e aterrorizantes, do sujeito chegar lá e falar 'Matei, é isso aí, eu tava afim da grana, me chamaram pra ser sócio', eu não duvido que seja ele a matar, que ele seja um assassino. Agora, quanto às causas e as motivações, aí eu acho que é... para todos nós que nos ligamos a detalhes e exigimos coisas lógicas e tal.. E, atenção, e é muito importante que uma delação não seja prova, porque no dia em que delação for prova todos estaremos ferrados, vai ser complicado. Até onde se chegou vai ser muito complicado condenar os Brazão e condenar o delegado. É o Lessa falando, só. Se tem alguma outra coisa, não apareceu. E aí falo isso pra quê? Pra livrar o Brazão? Não. Quero que os Brazão se danem, já vi coisas que são do arco da velha da turma, em outros casos. É preciso correr o risco só de não deixar solto o verdadeiro mandante eventualmente. Se houver o verdadeiro mandante. E é preciso que eu se capriche na produção de prova. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Quem autorizou a prisão foi a Justiça, a polícia pediu, o Ministério Público. Se foi isso, se a delação é isso, é complicado você prender alguém, porque um matador diz que o outro mandou, e não ter mais nada. Não tem nem prova de que eles se encontraram. Não tem prova do contato do Rivaldo com eles. Quanto ao outro delegado, a prova que tem é no outro sentido: ele prendeu o Lessa. É muito complicado. Eu quero saber o que é que se tem, além da fala do Lessa? E se essa história for muito mais complicada do que parece? Eu estou dizendo o seguinte: pode envolver gente até mais graúda, pode envolver coisas de outra natureza, não tenho nem hipótese. Eu não sei. Agora, eu sei ver uma história malcontada. Com a devida vênea, está malcontada. Eu noto que o próprio Freixo, quando foi ouvido na reportagem do Fantástico, ele se voltou contra o Ronnie Lessa, que diz 'Eu matei'. Ele é um assassino, ele é um assassino profissional. E a prior coisa que pode acontecer também é não se chegar à real causa desse assassinato. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

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Guerra de gangues

Reinaldo Azevedo chamou atenção para a moeda de troca que Ronnie Lessa quer da delação.

É complicado. Tem algo estranho aí. A gente não pode deixar a inteligência da gente ser paralisada pela 'sem cerimônia' que um cara diz 'fui lá mesmo e matei', na linha 'matei mesmo', porque ele diz assim, quase querendo a nossa solidariedade 'também, R$ 100 milhões' (...). É claro que isso choca, é claro que é um espanto, mas a gente tem que ouvir o que ele disse vis-à-vis do que diz a lei. E no pacote anticrime votado em 2019, está lá na Lei 12850 que delação é meio de prova, não é prova. Ah, tem coisa que não veio à luz. Aí eu não posso falar pelo que não veio à luz, que venha então. Como está, não está bem. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

O que a gente tem é um assassino confesso. E assassinos confessos, bandidos confessos, eles sabem que a delação alivia a situação deles. Entre outras coisas, no acordo dele, ele pediu pra ir pra um presídio estadual, e não ficar num presídio federal. Eu acho, por exemplo, uma negociação como essa já indecente. Por que um bandido como o Ronnie Lessa quer ficar em presídio estadual? Sendo que ele era da polícia estadual do Rio de Janeiro? E considerando a infiltração da milícia em tudo enquanto é área do Rio de Janeiro, presídio e tudo mais? Se concordaram com isso já fizeram mal em concordar, [deveriam] dizer 'não senhor, é presídio federal'. Não está bom esse negócio, está muito estranho, está esquisito. (...) a gente não pode cair numa guerra de gangue achando que está fazendo justiça. É preciso prestar atenção, pelo menos isso. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo diz que, como está, a história pode levar a absolvição dos irmãos Brazão

Não é porque os Brazões são pessoas detestáveis que vou falar, 'então está bom'. E se está escondendo gente mais detestável que os Brazões ainda? E também não estou dizendo que não foram eles. Estou dizendo que a história, como está, está fraca e pode levar à absolvição dos Brazões. E, eventualmente, eles podem ser os assassinos. Acho difícil haver uma condenação apenas com base na fala do delator. Uma boa maneira de produzir impunidade é fazer uma investigação não sólida. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

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Uma coisa não tenho dúvida: o Ronnie Lessa é um matador junto com o tal do Hélcio Queiroz. Quê mais que se tem, além essa delação? Porque não dá para condenar pessoas com base apenas em delação. Delação costuma ser oferecida com alguma frequência a bandido, a gente que cometeu crime. E gente que cometeu crime quer se livrar e pra se livrar pode fazer qualquer coisa. (...) Essa história não é uma história só sobre milícias, é sobre um assassinato muito grave e a gente é informado o tempo inteiro de que as coisas absolutamente graves que ele falou não tem prova, a não ser a fala dele, inclusive o terreno. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

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