Reinaldo Azevedo

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Opinião

PEC da segurança, propostas alopradas e taxas real e maquiada de homicídios

O Brasil não vive o momento mais violento de sua história. Mas assim parece a muitos. Consultem, por exemplo, o Atlas de Violência, de 2024, com dados entre 2012 e 2022, e verão que os anos com as respectivas taxas mais baixas de homicídio por 100 mil habitantes no país foram 2022 e 2019: 21,7. Todas as outras foram mais altas. O pico, nesse período, se deu em 2017 (31,8). E aí começa a cair. Em 2020, há um recrudescimento (23,6), mas recomeça a trajetória de queda. E daí que o país já tenha experimentado dias mais violentos? A percepção é de piora. De resto, o país é mesmo notavelmente violento. A média global é de 5,8, e a da Europa, de 2,2 — com vários países abaixo de 1. Se as coisas por aqui já foram piores, é fato que bem não estão.

O presidente Lula fez a coisa certa e convocou uma reunião com governadores para discutir um plano nacional de segurança pública. O governo apresentou para discussão uma primeira versão da PEC que ainda será discutida com os governadores antes de ser enviada ao Congresso Nacional. Não vou aqui entrar em minudências porque tudo é ainda embrionário. Em linhas gerais, como informa a Agência Brasil, "a proposta do governo tem como tripé aumentar as atribuições da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado por lei ordinária em 2018 (Lei 13.675) e também levar para a Constituição Federal as normas do Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária, unificando os atuais Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário."

Há uma preocupação de origem, que consiste em não ferir a autonomia dos Estados. Já deu para perceber que o trabalho não será simples. Vociferar é sempre mais fácil.

O governador Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, propôs o oposto da unificação de esforços. Reivindicou que os Estados tenham autonomia plena para cuidar de suas respectivas políticas de segurança pública: "Faça a PEC, transfira a cada governador a prerrogativa de legislar sobre aquilo que é legislação penal e penitenciária. Vocês vão ver. Na hora que eu botei regra na penitenciária de Goiás, o crime acabou", disse Caiado.

Acabou?

Não. Goiás está longe de ser o Estado menos violento do Brasil. A taxa de homicídios de 2022 no Estado foi de 23,1 por 100 mil habitantes, superior à média nacional (21,7) e à do Rio (21,4). Não preciso esconder números e faço justiça à sua gestão. Assumiu o governo em 2019. A taxa de 2018 tinha sido de 38,6. Houve, portanto, uma queda sensível. Mas acabar com o crime é coisa bem distinta.

Ademais, o país tem um número imenso de "homicídios ocultos" — sem causa definida —, que não são computados na taxa oficial. Por esse critério, os mortos por 100 mil habitantes de Brasil, Goiás e Rio são: 24,5; 24,4 e 26,2. Observem que a do Rio sobe bastante.

Merece nota o caso de São Paulo, que tem a menor taxa de homicídios registrados: 6,8. Quando se consideram os "homicídios ocultos", o número salta para 12: crescimento de 76,8%. Segundo esse critério, as respectivas taxas do Distrito Federal e de Santa Catarina são menores: 11,7 e 9,7. O que isso significa? O Estado registrou 3.212 homicídios com causa conhecida em 2022, mas o número real foi de 5.622. Vale dizer: Brasil afora, há uma verdadeira maquiagem dos dados. No país, houve 46.409 homicídios registrados, mas foram efetivamente assassinadas 52.391 pessoas. São Paulo forneceu a maior cota de "cadáveres sem causa": 2.410 pessoas — 40,28% das 5.982 mortes que desapareceram dos registros oficiais.

A exemplo de Caiado, Cláudio Castro (PL), do Rio, também sugeriu que os Estados tenham autonomia para cuidar de suas respectivas legislações penais. A tese é uma aberração e vai na contramão do que se deseja: haver uma coordenação entre os vários entes federativos. Ainda que os números da violência já tenham sido mais alarmantes, é consenso que o crime organizado cresce no país e se imiscui, no melhor estilo da máfia, em negócios legais. Pior: há evidências de que já se infiltrou nos assuntos de Estado e nos Poderes da República.

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Castro foi mais longe e sugeriu que os gastos com segurança fiquem fora dos mecanismos de limite de gastos e restrições de natureza fiscal, o que, convenham, não faz nenhum sentido. Na prática, o governador está a pedir que os Estados declarem a sua autonomia para legislar em matéria penal, mas sejam socorridos pelo fundo sem fundo da Federação quando precisarem de recursos. Seria um apelo à desordem.

Antes que alguns apressados imaginem que o governo federal pretende interferir na autonomia dos Estados — aquela que lhes confere a Constituição —, essa primeira versão da PEC deixa claro que compete à União "estabelecer a política nacional de segurança pública e defesa social, que compreenderá o sistema penitenciário, instituindo o plano correspondente, cujas diretrizes serão de observância obrigatória por parte dos entes federados, ouvido o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, integrado por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma da lei".

Vamos ver. Tenho, sim, um temor. Quando se legisla sobre segurança, a grande tentação de parte considerável dos políticos consiste em substituir trabalho de inteligência e coordenação por punitivismo tosco, o que sempre redunda em fortalecimento do crime organizado. Que seja diferente desta vez.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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