Reinaldo Azevedo

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Opinião

Tarcísio defende Bolsonaro: sujeição calculada ou gosto? Não há boa escolha

Escrevi ontem aqui sobre o silêncio do governador Tarcísio de Freitas no caso da Operação Contragolpe. Preferiu falar sobre outros assuntos. Afinal de contas, fazer a defesa de golpistas que chegaram a sair à rua para sequestrar um ministro do Supremo — Alexandre de Moraes —, que seria morto, junto com ninguém menos do que o presidente da República e o vice... Bem, cobrar solidariedade parecia ir um pouco além do razoável mesmo nos insanos territórios da extrema-direita. O governador de São Paulo, no entanto, não resistiu à pressão para se solidarizar com o seu chefe político depois do indiciamento desta quinta. Demorou um pouco, é verdade — o tuíte só foi publicado às 20h26 —, mas se lê esta obra-prima:

"Há uma narrativa disseminada contra o presidente Jair Bolsonaro e que carece de provas. É preciso ser muito responsável sobre acusações graves como essa. O presidente respeitou o resultado da eleição e a posse aconteceu em plena normalidade e respeito à democracia. Que a investigação em andamento seja realizada de modo a trazer à tona a verdade dos fatos."

Há tanto absurdo aí, embora a nota seja de vários modos calculada, que nem errada chega a ser.

A pressão já estava na "rua bolsonarista". Cadê a solidariedade? Já havia gente tentada a chamar o governador de traíra. Veio o tuíte. Ocorre que a tigrada considerou que ela não está dura o bastante. Cadê o ataque ao Supremo, ao Xandão, à PF, ao Lula, às esquerdas, ao comunismo, ao globalismo, ao terraredondismo, sei lá?...

É... A demora parece decorrer de um esforço para produzir uma sandice que defendesse Bolsonaro, mas não fosse ofensiva a entes — STF e PF — e a pessoas. Mas a causa é de tal sorte ruim que mesmo palavras ocas agridem a realidade dos fatos. Esmiucemos.

Também Tarcísio emprega a palavra "narrativa" como se fosse a pocilga das mentiras em que fermenta o bolsonarismo. O que "carece de provas"? A "narrativa disseminada"? Mas o que diz a dita-cuja? Recomenda o "coach" da prudência: "É preciso ser muito responsável sobre acusações graves como essa". Quem estaria sendo irresponsável? A PF?

O governador se inteirou das evidências apresentadas não no relatório, mas na Operação Contragolpe? Leu o que escreveu Mário Fernandes, em conversa com Mauro Cid, sobre o pleno conhecimento que tinha Bolsonaro dos folguedos golpistas, com intenções homicidas, da turma liderada pelo general? Dispenso-me aqui de elencar centenas de declarações e atos de Bolsonaro que evidenciavam e evidenciam desrespeito nada solene à democracia.

Escreve Tarcísio: "O presidente respeitou o resultado da eleição e a posse aconteceu em plena normalidade e respeito à democracia." É mentira! Bolsonaro não reconhece o resultado ainda hoje, seguindo o receituário Trump. Fugiu do país para não ter de passar a faixa, deixando a Presidência com seu vice, Hamilton Mourão, que também se negou a fazê-lo. O regime seguia democrático, sim, porque o então presidente e os golpistas perderam as batalhas das urnas e do golpe.

Então não existiram, Tarcísio, os múltiplos atos contras instituições desde 26 de maio de 2019; as ameaças às instituições em palanques; a reunião de 5 de julho de 2022 com o fito de impedir a realização das eleições; as evidências estarrecedoras da Operação Contragolpe?... Bem, a fala é compatível com alguém que subiu num carro de som para cobrar a anistia para golpistas e o impeachment de Alexandre de Moraes.

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Tarcísio usa um truque retórico para expressar seu suposto amor à objetividade. Desejou que a investigação "seja realizada de modo a trazer à tona a verdade dos fatos". Ora... Ele já deixou claro que nem precisa de investigação para isso. Já sabe a verdade: Bolsonaro seria um democrata, e inexistiriam provas contra ele. Logo, o governador vai considerar falsa qualquer evidência em contrário que a apuração traga à luz. A inversão moral que esses caras praticam decorre desse mecanismo. Chamam os fatos de "narrativas" — como sinônimo de "mentiras" — e as mentiras que contam até para si mesmos, de verdades reveladas: "Conhecereis etc."

CONCLUO
Não havia, obviamente, hipótese de Tarcísio não se solidarizar com Bolsonaro. Se indagado a respeito, dirá que o "capitão" segue sendo o nome da direita para a disputa de 26, mesmo sabendo que não será. Como o terreno está minado, obriga-se a ficar na moita. O jogo acaba por lhe ser confortável. Como já tem o governo de São Paulo e tende a mantê-lo se quiser, o resto vai se definindo sem que precise fazer escolhas agora. Ganha tempo também para observar o que acontece no campo adversário.

Encerro refrescando a memória do governador com trecho da mensagem do general golpista Mário Fernandes a Mauro Cid no dia 8 de dezembro de 2022:
"Cid, boa-noite. Meu amigo, antes de mais nada, me desculpa estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra!, a gente não pode perder a oportunidade. São duas coisas. A primeira, DURANTE A CONVERSA QUE EU TIVE COM O PRESIDENTE, ELE CITOU QUE O DIA 12, PELA DIPLOMAÇÃO DO VAGABUNDO, NÃO SERIA UMA RESTRIÇÃO [PARA DESFECHAR O GOLPE]; QUE ISSO PODE; QUE QUALQUER AÇÃO NOSSA PODE ACONTECER ATÉ 31 DE DEZEMBRO E TUDO. Mas, porra!, aí, na hora, eu disse, 'pô presidente, mas o quanto antes! A gente já perdeu tantas oportunidades!'"

Eis o retrato cuspido e escarrado — sobretudo escarrado — de um democrata.

Sim, sempre me espantará que alguém se disponha a governar o Brasil tendo de demonstrar subserviência a um golpista. Fosse uma concessão, teríamos de perguntar: quem se dispõe a fazê-la haveria de se permitir que outras licenças morais e éticas? Ocorre que pode ser matéria de convicção e de gosto. E isso já põe a personagem fora dos domínios da democracia.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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