Ronilso Pacheco

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Opinião

Carta de Biden está correta quanto ao risco para Democratas e os EUA

Nesta segunda-feira (8), o presidente americano Joe Biden fez a sua maior investida de resposta às pesadas pressões que tem sofrido internamente no Partido Democrata para desistir de sua candidatura à presidência.

Numa longa carta aos seus colegas de partido, Biden pediu união para focar em derrotar Donald Trump e superar as especulações desde sua trágica atuação no debate contra o ex-presidente no dia 27 de junho.

A carta é dura e direta, e eu a considero um documento fundamental em meio a essa pressão. Mesmo que não surta efeito e Biden seja obrigado a desistir, eu considero sua leitura do contexto correta.

Os democratas estão tentando corrigir um erro, e uma rota, que eles sempre tiveram consciência de que poderia acontecer. O partido não descobriu apenas depois do debate que Biden era um candidato ideal para apenas um mandato, um candidato ideal de transição para derrotar Trump e abrir caminho para um novo nome do partido.

Eles simplesmente ignoraram isso, rechaçando inclusive a possibilidade de construir o nome de Kamala Harris para suceder Biden (o próprio Biden resistia a isso). Não era difícil de perceber a convicção de que o trumpismo desgastara o Partido Republicano em tantos níveis, que bastaria uma boa gestão Biden para garantir uma continuidade democrata.

O ataque ao Capitólio no fatídico 6 de janeiro de 2021 encheu os democratas da crença de que, diante das evidências de que Trump estaria implicado direta e/ou indiretamente, o ex-presidente se tornaria um pária na política dos Estados Unidos.

Somam-se a isso as sucessivas acusações que vieram sobre o ex-presidente, que iam desde tentativa de fraude eleitoral, um escândalo político, até usar dinheiro de campanha para subornar uma atriz pornô, um escândalo moral.

Até o final de 2022 (quando o comitê da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos pediu o indiciamento do ex-presidente), o Partido Democrata parecia ter certeza que Trump estaria fora da jogada, e que Biden lidaria com uma disputa eleitoral que teria retornado às suas condições "normais" de jogo.

À medida que Trump foi se afastando de qualquer possibilidade de uma acusação formal de ser o mentor de uma insurreição contra o próprio país, e demonstrar uma hábil capacidade de transformar suas acusações envolvendo suborno, sonegação e adultério em uma narrativa de perseguição política, o pesadelo dos democratas foi se tornando real.

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Além disso, Donald Trump praticamente recuperou (e, na verdade, algumas pesquisas mostram que ele aumentou) o seu apoio entre os evangélicos brancos. Essa base foi fundamental para a sua eleição em 2016. Voltará a ser em 2024. E, claro, enquanto os democratas estão rachados quanto ao apoio à Israel e aos ataques do exército de Netanyahu na Palestina, os Republicanos seguem seguros de seu apoio incondicional, o que mantém a fidelidade dessa mesma base cristã branca.

Portanto, o Partido Democrata sempre esteve ciente das limitações (diga-se de passagem, físicas e de saúde) de Joe Biden. Mesmo que isto não signifique que o partido também não se surpreenderia com o desempenho catastrófico de Biden no debate com Trump, a paranoia na qual o partido entrou e expôs não parece justificável.

É um delírio imaginar que as chances de Kamala Harris são reais. Mesmo as pesquisas vastamente usadas recentemente para dizer que Harris teria mais chances de enfrentar Trump, quando vistas em detalhes, mostram que as diferenças são mínimas com a margem de erro, e em alguns estados indecisos, como Arizona, Pensilvânia e Wisconsin, Biden continua tendo mais chances.

Custo a acreditar que alguém que conheça minimamente a política (e a sociedade) americana possa achar razoável que Michelle Obama tivesse chances reais de vencer Trump e ser eleita presidenta.

Num país de ferida racial profundamente aberta, quando o jogo fosse para valer, Michelle sofreria em dobro do que o seu marido teve de passar em suas duas corridas eleitorais.

Por mais que eu também acredite (e não é de agora) que ele não deveria concorrer a um segundo mandato, os argumentos de Biden em sua carta fazem sentido. Ele está correto em lutar e pedir coerência ao partido quanto à sua permanência.

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Este artigo não é uma profecia. Portanto, eu não estou afirmando que Biden não desistirá de maneira nenhuma. Na verdade, considero muito provável que ele possa fazê-lo, e esta semana será crucial para isso.

Mas, se alguma profecia cabe, eu ousaria dizer que, neste momento, se Biden desistir, nenhum outro candidato, ou candidata, tem chances contra Donald Trump.

E isto não é porque Biden é perfeito ou imbatível. A questão é que esta eleição nos Estados Unidos é mais do que uma corrida eleitoral. Ela é uma verdadeira batalha civilizatória, e pouca gente está a falar sobre isso.

É uma verdadeira batalha sobre "ser americano", uma luta de "reconquista" de um país por aqueles que acham que os Estados Unidos estão deixando de ser "o país deles", isto é, branco, cristão, conservador, excepcional.

O tempo de desmobilização que o Partido Democrata teria para encaixar a candidatura de um novo nome, alguém realmente nacionalmente conhecido e forte, é o tempo suficiente para que Trump cresça como o aglutinador dessa força hostil.

Se a senilidade de Biden é real, eu não sei, mas seu raciocínio aqui está certo. Não há tempo hábil para pinçar um candidato e jogá-lo no meio dessa loucura. A cada dia que passa, esse debate inócuo do Partido Democrata está jogando o país no colo de Donald Trump.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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