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Rubens Valente

'Se pegar em aldeia, a chance de uma tragédia é grande', disse secretário

O agente indígena de saúde Wyrasingi Kaiabi atende recém-nascido no improvisado posto de saúde da aldeia Sobradinho - Avener Prado/Repórter Brasil
O agente indígena de saúde Wyrasingi Kaiabi atende recém-nascido no improvisado posto de saúde da aldeia Sobradinho Imagem: Avener Prado/Repórter Brasil

Colunista do UOL

08/04/2020 17h24

No último dia 27 de março, o secretário especial de saúde indígena, Robson Silva, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, participou de uma videoconferência com integrantes da Frente Parlamentar Indígena no Congresso Nacional, líderes indígenas, indigenistas e ONGs sobre a crise do novo coronavírus. Recomendando uma quarentena em todas as aldeias por tempo indeterminado, Silva reconheceu o risco de uma tragédia em terras indígenas.

"Eu sei bem a responsabilidade que eu tenho aqui. Se pegar em uma aldeia, a chance de uma tragédia é grande. Se hoje me perguntarem: 'O senhor fez o quê?' Eu respondo: 'Eu fiz tudo isso'. E não só papel. A gente tem uma busca ativa, cotidiana. Nós temos um grupo só de coordenadores. [...] Tô com a minha consciência tranquila de que o que estamos fazendo e a minha equipe está adequado."

O alerta de Silva do final de março ganha agora outra dimensão com a confirmação, do final de semana para cá, de cinco casos de indígenas com a Covid-19, incluindo três no Amazonas, da etnia kokama, e um em Roraima, um adolescente yanomami. Os números da organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental) são ainda maiores, com duas mortes e sete casos da doença - há diferença nos números porque a Sesai disse que não vai contabilizar casos e óbitos ocorridos fora das aldeias.

Nesta quarta-feira (8), em entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, disse que há "extrema preocupação" com a evolução da doença entre os indígenas.

Ao mesmo tempo, a quarentena atinge a segurança alimentar principalmente dos indígenas do centro-oeste e do sul do país, onde muitas aldeias sobrevivem da venda, em cidades vizinhas, dos produtos cultivados em terras indígenas. "Estamos diante de uma situação iminente de falta de alimentos em nossas comunidades", afirmou, em ofício enviado a várias autoridades, a Ascuri (Associação Cultural de Realizadores Indígenas), formado por cerca de 20 indígenas guaranis, kaiowá, terenas e não indígenas que trabalham com audiovisual sobre a temática indígena.

No Mato Grosso do Sul, Estado com a segunda maior população indígena do país, segundo cálculo da Ascuri feito com pesquisadores da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), pelo menos 68 mil indígenas, que vivem em acampamentos e terras indígenas demarcadas passarão a depender diretamente da distribuição de cestas básicas para sobreviver.

"Com o intuito de conter a propagação do Covid-19 entre os indígenas, tem sido dada orientação de evitar ao máximo o contato com os centros urbanos. Porém, no caso das aldeias em Mato Grosso do Sul, nas quais as áreas de mata e roças são insuficientes para a garantia de nossa autonomia na produção de alimentos, somos dependentes dos comércios de cidades próximas (que hoje se encontram fechados em razão de quarentena determinada pelos poderes públicos) e da entrega de cestas básicas (que não vêm sendo garantidas pelos órgãos competentes)", informou a Ascuri, na nota.

Além das organizações indígenas, o Ministério Público Federal e ONGs não indígenas também têm cobrado das autoridades que garantam a alimentação emergencial dos indígenas. No dia 30 de março, a Comissão Arns de direitos humanos emitiu uma nota de alerta. "Para garantir a subsistência em situações de quarentena, impõe-se o fornecimento de cestas básicas e o redirecionamento da merenda escolar para a partilha na comunidade, além da distribuição de sabão, álcool gel, equipamentos de proteção individual para pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde, além de acesso a água de qualidade. Água, hoje em dia, está frequentemente poluída por mercúrio em vários rios da Amazônia."

Na videoconferência do dia 23, o secretário da Sesai reconheceu que é preocupação da secretaria encontrar formas de garantir que os indígenas permaneçam em suas terras durante a pandemia.

Silva disse que "a Sesai faz vigilância alimentar, não faz segurança alimentar, mas é uma preocupação". "Não são todos os indígenas que precisam de cestas básicas. Há indígenas que são produtores rurais. Existem muitas comunidades que têm o seu sustento. Outras, particularmente, as mais vulneráveis, que vivem em áreas urbanas, como por exemplo, no sul [do país], onde os indígenas vendiam artesanato na praia e agora estão impedidos porque não têm clientes pra comprar as mercadorias deles. Então, nós estamos atentos."

O secretário calculou que seriam necessárias 203 mil cestas básicas para os indígenas do país todo, sem especificar o tempo de distribuição.

"Nós aqui da Sesai permanecemos com a indicação da quarentena. É para permanecer nas aldeias. É pra tomar todas as medidas [de contenção]. Essa é nossa recomendação enquanto órgão de saúde. Nós não fazemos política, nós fazemos saúde", disse Silva.

A Sesai está distribuída no país em 34 DSEIs (Distritos Sanitários Indígenas). Silva disse que o sistema está em alerta para detectar e agir após um caso do novo coronavírus. "Todos os dias, às 17h, nós ligamos para cada coordenador pra pegar uma posição específica de cada distrito, passando então [a informação] para o comitê de crise que se reúne todo dia às 17h30. Todo dia há essa coleta, que é validada pelo DAS e sua equipe."