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Rubens Valente

Covid: indígenas pedem socorro na região com mais grupos isolados do mundo

Indígenas da etnia korubo contatados em operação da Funai no primeiro semestre de 2019 no Vale do Javari, no Amazonas - Ascom/Funai
Indígenas da etnia korubo contatados em operação da Funai no primeiro semestre de 2019 no Vale do Javari, no Amazonas Imagem: Ascom/Funai

Colunista do UOL

07/06/2020 21h13

Indígenas que vivem na região com o maior número de grupos isolados e de recente contato do mundo, o Vale do Javari, no Amazonas, fizeram um pedido de socorro às autoridades neste domingo (7), depois que foram confirmados pelo menos quatro casos entre profissionais de saúde e sete entre indígenas. Os números do governo federal conflitam com os da prefeitura de Atalaia do Norte (AM), que já fala em 12 casos confirmados entre indígenas na sua jurisdição.

Segundo os indígenas, faltam testes para a Covid-19 em todas as aldeias, meios de remoção rápida dos doentes, quarentena mais rígida entre os profissionais da saúde e uma barreira sanitária nas principais entradas da terra indígena.

As denúncias já foram confirmadas por um analista pericial em antropologia do Ministério Público Federal, Walter Coutinho Jr., que emitiu uma informação nesta sexta-feira (5) para a 6ª Câmara da PGR (Procuradoria Geral da República), em Brasília, a fim de alertar sobre "a aproximação de uma grave crise sanitária no Distrito Sanitário Vale do Javari em decorrência da possível contaminação das comunidades indígenas pelo novo coronavírus". Ele também apontou a "pouca transparência" sobre os números reais da pandemia na região.

Na tarde deste domingo (7), os procuradores da República em Tabatinga (AM) Aline Morais Martinez dos Santos e Leonardo Gomes Lins Pastl enviaram uma recomendação de 30 páginas a ser observada num prazo de cinco dias em caráter de urgência à Sesai, a secretaria especial de saúde indígena do Ministério da Saúde, à Funai, ao governo do Amazonas e à prefeitura de Tabatinga.

Os procuradores advertiram sobre "o contínuo desaparelhamento da Funai, inclusive da CR/Vale do Javari [Coordenação Regional], com estrutura física e de pessoal deficiente" e avisaram que "há risco de propagação exponencial da doença" na região.

Santuário ecológico na fronteira com o Peru, com um território equivalente aos da Suíça e da Dinamarca somados, com distâncias imensas entre aldeias só vencidas por helicóptero ou muitos dias de barco, a Terra Indígena Vale do Javari abriga seis povos indígenas e o registro de pelo menos 16 grupos isolados, com dez confirmações, uma das regiões de maior diversidade étnica do mundo.

A partir do início deste mês os piores temores dos indígenas e indigenistas começaram a se confirmar na região, com a chegada do novo coronavírus e o medo de contaminações em massa entre mayorunas, matís, kanamaris, kulinas, korubos e tsohom-djapás, além uma sombra que se projeta sobre os grupos que ainda vivem sem contato no meio da floresta amazônica.

Os indígenas também alertam que um grupo de 128 indígenas korubos de recente contato pode ser contaminado a qualquer momento - uma criança korubo que estava em Manaus (AM) já testou positivo para a doença - , o que poderia gerar uma tragédia com essa etnia cujos primeiros integrantes só foram contatados nos anos 90 e outro grupo foi contatado há pouco mais de um ano.

Invasões constantes

Em "nota à sociedade brasileira e à comunidade internacional" deste domingo, a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) denuncia que, além dos casos confirmados na região, as lideranças nas aldeias já relataram que há 15 indígenas e cinco famílias na aldeia São Luís, no rio Javari, com sintomas parecidos com os da Covid-19. Na aldeia vivem aproximadamente 244 pessoas e os testes disponíveis são apenas 60. Além disso, diz a nota, a mesma aldeia "sofre com um surto de malária que está afetando grande parte dessa comunidade".

Segundo a Univaja, as autoridades investigam a hipótese de a doença ter chegado à região a partir das equipes de profissionais de saúde da Sesai, mas também tem ocorrido invasões frequentes de pescadores, madeireiros e caçadores ilegais. A Univaja "tem alertado e informado de forma constante à Funai sobre a presença de invasores em toda a região".

A Univaja pede explicou que as lideranças das aldeias já tinham informado ao Distrito Sanitário da Sesai no Vale do Javari sobre a necessidade de evitar a rotatividade de equipes de saúde na região, o que poderia reduzir o risco de contaminação. "Mesmo assim e com o perigo iminente, [as equipes] adentraram teimosamente nossas aldeias. Embora a Univaja tenha denunciado e alertado essas situações, os órgãos oficiais esperaram acontecer o avanço do Covid-19 nas aldeias para tomar as providências necessárias."

Segundo a Univaja, a Funai "alegava falta de equipe e de recursos para a vigilância e monitoramento do território", enquanto a Sesai "insistia no isolamento dos profissionais na cidade, o que evidentemente não foi eficaz".

"Cabe destacar que a estrutura do Distrito Sanitário Vale do Javari para remoção dos pacientes das aldeias é completamente insuficiente para atender a dimensão desse caos sanitário que se instala em nossa terra."

"Com o enfraquecimento e o descaso dos órgãos públicos motivados por uma política anti-indígena do governo atual, as ações relacionadas a vigilância e saúde se tornam insuficientes para a complexidade do território. As epidemias em nosso território como o caso da malária, coqueluche e hepatites, levaram a óbitos vários indígenas por causa de uma lenta e ineficaz resposta das autoridades. Após uma longa história de dizimação, nós povos indígenas resistimos e nossa população aumentou. Atualmente, corremos o risco novamente de ser reduzidos por uma doença dos não indígenas", alerta a carta da Univaja.

Na informação enviada à PGR em Brasília, o perito Walter Coutinho Jr. sugere a proibição de qualquer pessoa dentro da terra indígena Vale do Javari que não consiga comprovar que cumpriu a quarentena de 14 dias, a prorrogação das equipes de profissionais de saúde no campo, de modo a reduzir a rotatividade, o rastreamento e a testagem imediatos da população indígena de todas as aldeias que tiveram contato com as equipes contaminadas e a instalação imediata de barreiras sanitárias em pontos estratégicos de acesso a todos os pólos-base do Vale do Javari, entre outras medidas.

Ministério da Saúde

A coluna procurou a Sesai no dia 20 de maio para saber que medidas estavam sendo tomadas a fim de garantir o transporte de pacientes acometidos de Covid-19 tanto no Vale do Javari quanto na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, duas áreas com grandes distâncias entre as aldeias e centros de atendimento hospitalar.

A Sesai respondeu que os dois Distritos Sanitários "possuem serviço de transporte aéreo para remoção de pacientes em situação de urgência e emergência e à disposição do DSEI caso haja a identificação de casos com sintomas respiratórios que necessitem de assistência hospitalar".

A coluna indagou para onde serão levados os pacientes em estado grave para receberem o suporte medico necessário para enfrentar a infecção da Covid-19. A Sesai respondeu o seguinte: "Cada um dos dois DSEI elaborou o Plano de Contingência Distrital para Infecção Humana pelo novo Coronavírus, que orienta as equipes multidisciplinares de saúde indígena sobre o trabalho de busca ativa domiciliar de casos de Síndrome Gripal (SG) e Síndrome Respiratória Aguda Grave, realizando a triagem dos casos, evitando-se, assim, a circulação de pessoas com sintomas respiratórios e descreve o fluxo de encaminhamento dos casos, incluindo a rede de referência hospitalar para atendimento especializado aos casos que necessitarem de assistência hospitalar. No caso do Vale do Javari, a referência é o hospital de Guarnição de Tabatinga. Enquanto no DSEI Yanomami, a referência é a Área de Proteção de Cuidado da Operação Acolhida. Um avião da Força Aérea Brasileira levou 11 profissionais de saúde e duas toneladas de equipamentos de proteção individual, insumos como álcool em gel e equipamentos para os hospitais de São Gabriel da Cachoeira e de Tabatinga, no Amazonas. Ampliando a capacidade das unidades que também atendem indígenas da região".

A coluna lembrou que o sistema de atendimento em Manaus já havia entrado em colapso. A esse respeito, a Sesai respondeu: "Para prevenir a necessidade de remoção de casos graves para Manaus, no início desta semana [20 de maio], a Sesai junto ao Ministério da Defesa levou para Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira, insumos hospitalares incluindo respiradores, testes rápidos, EPIs [equipamentos de proteção individual] e profissionais para ampliar a capacidade assistencial dos hospitais de guarnição do exército das respectivas cidades, o que pode colaborar para a garantia de assistência hospitalar de indígenas que venham a ter complicações pela Covid-19. Porém, deve-se ressaltar que a prioridade, por lei, na Saúde Indígena é a prevenção e atenção primária para evitar a disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas".