Topo

Rubens Valente

CGU adverte servidores a não levarem críticas internas às redes sociais

Publicação da CGU distribuída entre servidores da União sobre uso das redes sociais no governo Bolsonaro - CGU/Campanha "Ética Viva"
Publicação da CGU distribuída entre servidores da União sobre uso das redes sociais no governo Bolsonaro Imagem: CGU/Campanha "Ética Viva"

Colunista do UOL

16/06/2020 22h12

Em uma publicação que circulou na Esplanada dos Ministérios nesta semana, a CGU (Controladoria Geral da União) adverte seus servidores a não tornarem pública, em redes sociais, a discordância sobre "posicionamentos" do órgão. O aviso foi impresso e afixado em elevadores de prédios públicos.

O texto propõe o seguinte problema: "Redes sociais. A CGU tem um posicionamento sobre determinado assunto, que Mévio discorda. O que Mévio deve fazer?" A CGU apresenta como saída "levar a sugestão aos superiores ou utilizar o [canal] Fala.BR para fazer sua sugestão", em referência a uma plataforma da ouvidoria do órgão. O texto afirma ainda que "não é legal nem ético fazer postagens inapropriadas em redes sociais que atinjam a credibilidade do órgão".

A campanha adverte que o servidor deve ficar "atento" e que "condutas impróprias são passíveis de apuração disciplinar".

A advertência integra uma campanha que está em uma página do site da CGU desde fevereiro. Intitulada "Ética Viva", a campanha "foi elaborada pela CGU com base em situações que podem ocorrer no serviço público e tem a intenção de orientar os servidores a terem uma conduta ética", segundo o texto de divulgação do órgão na internet.

A campanha trata de diferentes questões éticas, como conflito de interesses, uso indevido de informações e o recebimento de encomendas pessoais no local de trabalho.

Um comunicado semelhante sobre redes sociais partiu do Ministério da Saúde, comandado pelo ministro interino e general Eduardo Pazuello, e foi divulgado nesta terça-feira (16) pelo "Correio Braziliense" na coluna do jornalista Vicente Nunes.

A publicação que circulou entre os servidores da Saúde diz que "quem vê seu perfil ou posts nas redes sociais, seja no Whatsapp, Facebook, Twitter e outras, está vendo também os comentários, fotos e informações de um agente público. As redes sociais são ferramentas muito úteis e práticas, mas devem ser usadas com cuidado".

As duas advertências geraram estranhamento entre os servidores. "Estou no setor público há mais 20 anos e nunca tinha recebido propaganda desse tipo. Até porque esse tipo de regulamentação de conduta está prevista no código de ética do serviço público há muito tempo, desde a lei dos anos 90. E é uma novidade ruim porque na verdade é um tipo de assédio institucional na medida em que, por atrás de uma recomendação de conduta, se esconde na verdade uma ameaça, e nem tão velada assim", disse José Celso Cardoso Jr., doutor em economia pela Unicamp, presidente da associação dos servidores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e membro da coalizão Arca (Articulação Nacional das Carreiras Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), que reúne entidades representativas de cerca de 100 mil servidores da União.

Para Cardoso Jr., o governo passa a considerar inapropriada uma conduta em ambiente que não é o do trabalho e por isso os servidores "já começam a se auto-censurar". Cardoso Jr. vê contradição na advertência do governo, uma vez que as contas oficiais dos órgãos públicos, como as da Secom (Secretaria Especial de Comunicação) da Presidência, "divulgam diuturnamente fake news, fatos não verificáveis, por exemplo em torno da Covid-19 ou do Enem". "Os servidores inclusive costumam receber as notificações da Secom replicando esse tipo de conteúdo."

No Ministério da Saúde, a advertência foi relacionada às últimas tentativas do ministro interior, Pazuello, de alterar a divulgação dos números da pandemia no país. "O que nós vemos é que o governo vem se direcionando para um caminho contrário a um dos princípios fundamentais da administração pública, que é a transparência. Essa medida [sobre as redes sociais] visa coibir a livre expressão dos servidores, no contexto em que o Brasil está há um mês sem ministro da Saúde, com mais de 45 mil mortos e que o interino militar cumpre ordens sem questionar, vindas da Presidência, e tenta emplacar uma política de terror entre os servidores", disse um representante dos servidores, que pediu para não ser identificado por temer retaliações.

"O ministério, em vez de buscar respostas para a epidemia que o país vive, busca perseguir seus trabalhadores, o que é completamente lamentável", diz o servidor.