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Rubens Valente

Oposição pede arquivamento de projeto que pretende ampliar lei anti-terror

14.fev.2019 - Major Vitor Hugo foi ao Alvorada para falar com o presidente Jair Bolsonaro  - Reprodução/Twitter
14.fev.2019 - Major Vitor Hugo foi ao Alvorada para falar com o presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

18/06/2020 18h58

A oposição ao governo de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados reage à proposta do líder do governo, Vitor Hugo (PSL-GO), que pretende incluir "razões políticas" nos atos tipificados como terrorismo na lei em vigor no país desde 2016. O projeto de lei foi protocolado na última terça-feira (16) na Mesa da Câmara e deverá receber forte oposição na Casa.

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) disse que a proposta "tem que ir para o arquivo, para o lixo" porque está "eivada de inconstitucionalidade".

"É uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais, dos movimentos políticos que se contrapõem ao governo de Jair Bolsonaro. Isso vem como uma reação do governo a partir do momento que se articulou a luta antirracista e antifascista e que o governo viu que não teria condições de fechar a rua. Estão tentando fazer um enquadramento legal completamente indevido, que não tem o menor cabimento", disse o parlamentar.

Braga disse que não é a primeira vez que o governo tenta alargar as hipóteses previstas na lei anti-terrorismo, mas agora "faz uma escalada, tendo em vista os movimentos de rua" contrários ao governo.

A iniciativa de Vitor Hugo ocorre apenas duas semanas depois de protestos de grupos anti-fascistas terem ocorrido em diversas partes do país contra o governo Bolsonaro. No dia 3 de junho, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro chamou os manifestantes de marginais e terroristas. "Começou aqui com os antifas em campo. O motivo, no meu entender, político, diferente [dos protestos dos EUA]. São marginais, no meu entender, terroristas", disse o presidente.

No projeto, o líder do governo, que é major da reserva do Exército, também pede que seja revogado o artigo da lei que isenta "conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei".

A lei foi sancionada em 2016 pela então presidente, Dilma Rousseff, que regulamentou inciso da Constituição ao disciplinar o crime de terrorismo e alterou duas leis anteriores, de 1989 e de 2013.

A redação em vigor diz que o crime de terrorismo, com pena prevista de 12 a 30 anos de prisão, "consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos" por "razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública".

O líder do governo quer incluir a expressão "por razões políticas" ao lado da xenofobia e das outras motivações.

'Atos preparatórios'

O juiz de Direito e escritor Marcelo Semer, mestre em Direito Penal e doutor em Criminologia pela USP (Universidade de São Paulo), membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, disse à coluna que "faz tempo que os políticos mais conservadores têm tentado dois movimentos muito próximos: inserir razões políticas (ou ideológicas) na definição do tipo de terrorismo e, ainda mais relevante, excluir a salvaguarda aos movimentos sociais, constante do art. 2º, parágrafo 2º, da Lei 13.260/16".

"O objetivo sempre foi claro: vigiar e punir movimentos sociais. Antes, miravam no MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]; agora, provavelmente, nos movimentos antifascistas. Esses movimentos sociais sempre são tidos como violentos, também porque costumam ser os mais reprimidos pelos órgãos de segurança."

Semer chama a atenção para outro aspecto, a permissão que a lei dá para a punição de atos preparatórios, o que foi incluído na Lei Anti-Terrorismo "de forma excepcional".

"Isso significa dizer que movimentos sociais/políticos não vão ser apenas vigiados e tutelados caso depredem, explodam ou destruam qualquer bem - basta um certo exercício de previsão para que prisões possam ser decretadas, com base na punibilidade excepcional do ato preparatório. Ou seja, o movimento social passa a ser ameaçado de ação penal não apenas por praticar condutas que podem incidir nas previsões amplas e vagas da lei; mas também quando se entender que pretenda fazer algo do gênero, mesmo que nem se tenha iniciado a execução", disse o magistrado.

'Tomada de poder'

Procurado pela coluna, Vitor Hugo não deu retorno a um pedido de entrevista. Na justificativa do projeto, o deputado escreveu que "o fenômeno terrorista é extremamente complexo" e que "está cada vez mais visível no país e isso não se resume à realização de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016".

O deputado disse que houve "ameaças terroristas" quando da posse de Bolsonaro, em 2019, e que depois houve mais ameaças "contra o presidente da República, seus familiares e membros do primeiro escalão do governo". O parlamentar procurou criminalizar os grupos denominados "antifas", ou anti-fascistas, sob o argumento de que eles e "grupos similares pedem a luta armada para a tomada do poder", sem apresentar nenhuma prova dessa afirmação.

"Lamentavelmente, o país tem sido palco de sucessivas manifestações motivadas pelo extremismo e até pelo ódio, onde se tem verificado mortes e onde o vandalismo e as agressões têm sido a tônica", argumentou o parlamentar.