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Rubens Valente

Oposição quer convocar ministro da Justiça sobre ação contra antifascistas

André Mendonça, ministro da Justiça - Pedro Ladeira;Folhapress
André Mendonça, ministro da Justiça Imagem: Pedro Ladeira;Folhapress

Colunista do UOL

24/07/2020 21h26

A bancada do PSB na Câmara dos Deputados pediu à Mesa da Casa a convocação do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, para que explique a confecção de um dossiê com nomes de 579 agentes da área de segurança pública e quatro acadêmicos considerados "formadores de opinião" do movimento dos policiais antifascistas.

Além da medida tomada pelo PSB, o PT também está consultando partidos de oposição (PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB e Rede) para uma ação conjunta que envolve apresentar queixa-crime e pedir providências ao STF (Supremo Tribunal Federal), à PGR (Procuradoria Geral da República) e ao TCU (Tribunal de Contas da União), além da convocação do ministro.

Se aprovada pelo plenário da Câmara, uma convocação de ministro de Estado não pode ser recusada.

O levantamento feito pelo Ministério da Justiça, revelado pelo UOL nesta sexta-feira (24), foi realizado em junho a partir de uma unidade do órgão pouco conhecida chamada Seopi (Secretaria de Operações Integradas), que tem uma diretoria e uma coordenadoria de inteligência. O trabalhou foi disseminado para inúmeros órgãos públicos em Brasília, como a Casa Civil da Presidência, o CIE (Centro de Inteligência do Exército) e a Polícia Federal.

Além de pedir a convocação, a bancada do PSB solicitou acesso a todos documentos e informações que tratam do assunto dentro do ministério. A convocação tem que ser aprovada pelo plenário da Câmara. Em declaração divulgada pela sua assessoria, o líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), disse que "não bastasse tudo o que Bolsonaro já disse e fez, agora tomamos conhecimento da montagem um aparato paralelo no Ministério da Justiça para vigiar e perseguir seus opositores". "Este é mais um ataque à democracia e à Constituição, que merece o mais duro repúdio das nossas instituições", afirmou Molon.

No pedido de informações ao MJSP, Molon apontou que a ação desencadeada pela Seopi e revelada pelo UOL "tem o condão de violar gravemente direito constitucional à liberdade de expressão, preconizado no inciso IV, do art. 5º da Constituição Federal, em clara afronta ao direito da intimidade e da privacidade, ao passo em que se ordena uma varredura na vida privada de servidores públicos com o objetivo de monitoramento de opinião política".

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), membro da Comissão Especial sobre Competência Legal para Investigação Policial, afirmou que a convocação de Mendonça será aprovada "porque nenhum partido vai se opor a esclarecer uma questão como essa". "Na minha opinião isso se chama espionagem política. O 'gabinete de ódio' está se aproveitando do Estado para fazer a perseguição política, via Ministério da Justiça. É um gravíssimo atentado ao estado democrático de direito", disse o parlamentar.

Entidades não governamentais

Em nota, a Comissão Arns de direitos humanos, que teve um de seus membros incluído no dossiê, o professor universitário Paulo Sérgio Pinheiro, manifestou "mais veemente repúdio" contra a ação secreta do ministério. "Essa lista de pessoas monitoradas lembra em tudo, e por tudo, inclusive em número, a lista de pessoas 'indesejáveis' divulgada dias após a eleição de 2018 por eleitores do candidato vitorioso, em nítido tom de ameaça, pelo fato de proclamarem em pronunciamentos e subscrição de manifestos suas convicções democráticas."

"O que não se poderia imaginar, nem admitir, se confirmadas as notícias hoje divulgadas, era que o próprio ministro da Justiça, sem nenhum pudor, patrocinasse ação de vigilância e de intimidação, com dossiês, fotografias e tudo mais, com dinheiro público, contra servidores do Estado e professores como Paulo Sérgio Pinheiro, Luiz Eduardo Soares e Ricardo Balestreri, a pretexto de serem antifascistas", diz a nota.

"O professor Paulo Sérgio Pinheiro é, para nosso orgulho, membro fundador e primeiro presidente da Comissão Arns, primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, ex-secretário Nacional de Direitos Humanos, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade, ex-comissionado da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, relator da ONU para a situação de Direitos Humanos na Síria, entre outras credenciais nacionais e internacionais que o colocam entre os grandes nomes da história dos Direitos Humanos."

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública considerou a denúncia "gravíssima". "Trata-se de uma medida arbitrária, que remete aos tempos da ditadura militar, e cujo intuito claro é o de intimidar e constranger servidores públicos da área de segurança que se posicionam contra as incontáveis ações e declarações beligerantes e radicais do atual presidente da República", diz a nota.

"A integração dos órgãos de segurança pública, missão primeira da Seopi, não pode ser aparelhada por uso político-ideológico do governo. É inaceitável, depois de décadas de redemocratização, que o Brasil tenha de enfrentar arbitrariedades de cerceamento do livre pensamento de cidadãos por meio de dossiês intimidatórios, gestados nos porões da administração pública federal, que só encontram paralelo em regimes autoritários. Torna-se imprescindível que o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União e que os Poderes Legislativo e Judiciário tomem providências imediatas e urgentes para esclarecer a denúncia e dar transparência a todos os nomes que atualmente são monitorados pelo governo federal, sem nenhum outro motivo que não sua posição ideológica."

Posição do Ministério da Justiça

O ministério, procurado pela coluna na noite desta quinta-feira (23), divulgou a seguinte nota, na íntegra:

"O Sistema Brasileiro de Inteligência (instituído pela Lei nº 9.883/1999) é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo. A atividade de Inteligência de Segurança Pública é realizada por meio do exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças potenciais ou reais. O objetivo é subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio. Como agência central do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Decreto 3695/2000), cabe à Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como atividade de rotina, obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública e compartilhar informações com os demais órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência."