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Documento mostra que PF fez "diligências e pesquisas" sobre líder indígena
Documentos que integram o inquérito policial aberto a pedido do presidente da Funai, Marcelo Xavier, sobre a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a principal coalizão do movimento indígena do país, mostram que a Polícia Federal fez "diligências e pesquisas" a respeito da entidade e da líder indígena Sonia Guajajara.
Em ofício, Xavier pediu que a PF abrisse o inquérito e fizesse um "monitoramento" de uma websérie e uma campanha da APIB denominada "Agora é a vez do maracá", que cobrou do governo federal respeito aos direitos indígenas no contexto da pandemia do coronavírus. Xavier, que também é delegado da PF, pediu a investigação sob o argumento de "possível cometimento de calúnia e difusão de fake news e estelionato".
Após o pedido tramitar na direção-geral e na Corregedoria da PF, que autorizaram "devidas providências", o delegado da PF Francisco Vicente Badenes Junior abriu o inquérito e determinou "diligências necessárias para informar o endereço da sede da APIB, bem como os nomes de seus responsáveis, com as devidas qualificações, e respectivas pesquisas, no que tange à [sic] eventuais existências de registros de antecedentes criminais, ou, envolvimento em atividades delituosas (bases institucionais e internet)".
O ofício de Badenes é datado de 10 de março passado. Um mês depois, em 13 de abril, um agente da PF anexou ao inquérito um relatório que traz o endereço da sede da APIB, em Brasília, e a confirmação de que Sonia Guajajara foi alvo das "pesquisas". O resultado foi inútil. "Em pesquisas realizadas nos sistemas disponíveis ao DPF [Departamento de Polícia Federal] e na internet, não se verifica existência de registros de antecedentes criminais ou envolvimento com atividades delituosas de Sonia Bone de Souza Silva Santos", diz a "informação de polícia judiciária" produzida na Delegacia de Defesa Institucional da PF no Distrito Federal.
O documento não explica quais são os "sistemas disponíveis ao DPF".
Em 7 de outubro, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, mandou um ofício ao então diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, para pedir a abertura do inquérito policial. O pedido seguiu para a Corregedoria da PF, que autorizou a tomada de "medidas necessárias".
O inquérito foi aberto por Badenes no dia 19 de março. A PF intimou Sonia Guajajara no último dia 27, por telefone, a fim de prestar depoimento em data ainda a ser marcada.
O despacho de cinco páginas do presidente da Funai enviado à PF para subsidiar a abertura do inquérito é uma coleção de reclamações sobre as denúncias promovidas pela APIB contra o governo Bolsonaro, insinuações e teoria conspiratória. Ele afirma, por exemplo, que o site da APIB é hospedado pela Rede Livre, que seria "associada a Mídia Ninja, Soylocoporti e Fora do Eixo, organizações comunistas que prejudicam o Brasil, ao articular informações para denegrir a imagem para o exterior. Assim, mais uma vez fica demonstrado [sic] a articulação para captação de recurso internacional".
Xavier também levanta suspeitas, sem apresentar provas, sobre uma campanha virtual de arrecadação de recursos feita pela APIB para apoiar indígenas durante a estratégia do distanciamento social na pandemia. Ele diz que a meta inicial da vaquinha era de R$ 200 mil, depois passou para R$ 500 mil e depois para R$ 1 milhão, tendo arrecadado até 5 de outubro o valor de R$ 758 mil com 4,9 mil contribuintes.
O presidente da Funai passa a insinuar irregularidades sem apresentar qualquer evidência. "O site da APIB divulga a narrativa de que o dinheiro arrecadado será utilizado para compra de alimentos, remédios e material de higiene para as aldeias, não divulgando, porém, quais aldeias nem de que povos, já que a APIB engloba associações em todo Brasil, não tendo divulgado quais ações efetivas realizou em benefício dos indígenas. No site da APIB, essa campanha foi traduzida para os idiomas inglês e espanhol. Cabe ressaltar que há campanhas de indígenas, principalmente da região do Maranhão, criticando e cobrando onde a APIB aplicou todo esse dinheiro arrecadado."
Xavier conclui sua acusação dizendo que "é possível através de 'fake news' difundir conteúdos para levar vítimas a eventuais prejuízos financeiros. A depender da conduta, pode ser enquadrada no crime de estelionato (art. 171, CP), posto que busca vantagem ilícita em prejuízo alheio".
Em despacho, a Corregedoria da PF disse que "segundo decisão do STF, no Inquérito 800/RJ, a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de difamação, não porém, de injúria ou calúnia. Dessa forma, a Funai, fundação pública, pode figurar, em tese, como sujeito passivo de difamação, o que atrairia a atribuição investigativa desta Polícia Federal".
APIB diz que governo "persegue e tenta calar" entidade e líder
Em nota divulgada na tarde desta sexta-feira, a APIB afirmou que o governo federal "persegue e tenta calar a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e Sonia Guajajara". A nota, na íntegra:
"O Governo Federal mais uma vez tenta criminalizar o movimento indígena, intimidar a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a nossa rede de organizações de base e uma das coordenadoras executivas da Apib, a liderança Sonia Guajajara, em um ato de perseguição política e racista.
Durante o mês da maior mobilização indígena do Brasil e na semana seguinte da reunião da 'Cúpula do Clima', a Polícia Federal intimou Sonia, no dia 26 de abril para depor em um inquérito provocado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão cuja missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos do Brasil acusa a Apib de difamar o Governo Federal com a web-série "Maracá" (http://bit.ly/SerieMaraca), que denuncia violações de direitos cometidas contra os povos indígenas no contexto da pandemia da Covid-19. Denúncias essas que já foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) através da ADPF 709.
Os discursos carregados de racismo e ódio do Governo Federal estimulam violações contra nossas comunidades e paralisa as ações do Estado que deveriam promover assistência, proteção e garantias de direitos. E agora, o Governo busca intimidar os povos indígenas em uma nítida tentativa de cercear nossa liberdade de expressão, que é a ferramenta mais importante para denunciar as violações de direitos humanos. Atualmente mais da metade dos povos indígenas foram diretamente atingidos pela Covid-19, com mais de 53 mil casos confirmados e 1059 mortos.
Não irão prender nossos corpos e jamais calarão nossas vozes. Seguiremos lutando pela defesa dos direitos fundamentais dos povos indígenas e pela vida!
Acompanhe hoje, 30 de abril, às 15h (horário de Brasília) o encerramento do Acampamento Terra Livre com o posicionamento da Apib e suas organizações indígenas regionais sobre o caso, que será transmitido em apiboficial.org/atl2021
Sangue indígena, nenhuma gota a mais!"
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