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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Mais um líder indígena é alvo da Polícia Federal a pedido da Funai

O líder indígena Almir Suruí - Kanindé Associação/internet
O líder indígena Almir Suruí Imagem: Kanindé Associação/internet

Colunista do UOL

01/05/2021 13h50Atualizada em 03/05/2021 19h36

A pedido da Funai (Fundação Nacional do Índio) de Brasília, a Polícia Federal em Rondônia abriu um inquérito e fez perguntas por telefone a líderes do povo indígena Suruí de duas associações relacionadas a um dos principais líderes indígenas do país, Almir Narayamoga Suruí. Ele também foi procurado e indagado por telefone por um policial nesta sexta-feira (30).

Em janeiro deste ano, Almir Suruí subscreveu, junto com o cacique kayapó Raoni, um pedido de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro no TPI (Tribunal Penal Internacional) por aumento da destruição na Amazônia e ataques aos direitos indígenas.

A Polícia Federal informou à coluna, em nota, que a investigação em Rondônia foi aberta a partir de uma representação da Funai que pediu providências sobre suposta "difamação" contida numa campanha virtual aberta pelos Suruí em setembro do ano passado para arrecadar recursos a fim de ajudar os indígenas a enfrentarem a estratégia de distanciamento social no combate à pandemia do novo coronavírus.

Almir Suruí disse à coluna que foi procurado por telefone nesta sexta-feira por um homem que se dizia delegado da PF de Ji-Paraná (RO). Ele afirmou que a polícia estava investigando, a pedido da Funai, a campanha denominada "Povos da floresta contra Covid-19".

"A gente sempre está falando que o governo não tem atendido de forma respeitosa a questão indígena. Não tem essa conduta quando fala da política indígena e da gestão do território. Mas isso não é difamação, isso é o que o governo faz. Isso [inquérito] é uma ameaça do governo, mas sei que vamos ter que enfrentar", disse Almir.

"Eles estão dando medo para a gente recuar, mas acima de tudo isso é uma desrespeito porque nós estamos tentando fazer um direito do nosso povo. Eles querem que a gente pare de lutar. Não é isso que vai deixar a gente parar de lutar. A gente vai continuar a luta. Sei que isso é perigoso. Aqui na região do Estado onde estamos é 70% bolsonarista. Então isso é perigosíssimo para nós", afirmou o líder Suruí.

Cacique do povo Paiter Suruí, que ao longo do século passado quase foi dizimado após inúmeros surtos de doenças, invasões de território e roubo de madeira e caça ilegal, Almir Suruí é um dos mais reconhecidos indígenas do país. Em 2013, ele ganhou das Nações Unidas o título de "Herói da Floresta", pelo trabalho de conservação da Terra Indígena Sete de Setembro, na divisa entre Rondônia e Mato Grosso.

Almir discursou em diversos encontros promovidos por organismos internacionais, como a ONU, e foi premiado em 2008 pela Sociedade Internacional de Direitos Humanos, mesma honraria antes concedida ao Dalai Lama.

Além de Almir, a PF de Ji-Paraná também telefonou e fez várias perguntas ao sobrinho do líder indígena, Rubens Suruí, diretor licenciado da Associação Metareilá. "Fui pego de surpresa. Ele se informou como agente policial e mandou mensagem primeiro, perguntando se eu era Rubens Suruí e que queria fazer algumas perguntas. Ele falou que, caso eu quisesse permanecer em silêncio, não precisava responder. Eu disse que 'não tenho por que ficar calado e não estou correndo da polícia. Pode perguntar'. Ele disse que 'na verdade estou fazendo essas perguntas porque a Funai pediu que a Polícia Federal fizesse essas perguntas para vocês porque a Funai alegou que vocês fizeram uma difamação contra a Funai'", disse Rubens.

O policial também indagou sobre a campanha "Povos da floresta contra Covid-19". "Essa ação foi para o povo Paiter Suruí arrecadar algum recurso financeiro ou qualquer tipo de apoio para que os indígenas permanecessem nas suas aldeias durante a pandemia, para que não viessem para a cidade se contaminar. Então para evitar isso, nós que estávamos à frente, resolvemos lançar essa campanha com outras pessoas não indígenas que fizeram parte de forma voluntária", disse Rubens.

"Foi a Funai que provocou a polícia para vir para cima da gente, foi isso que entendi. Essa campanha foi para poder comprar produtos de limpeza, cestas básicas", afirmou o suruí.

O advogado Ramires Andrade, que defende o povo Paiter Suruí, disse que a forma pela qual a PF entrou em contato e "interrogou" os líderes indígenas é "totalmente fora do padrão".

"É uma situação sem precedentes, inusitada. A Policia Federal adotar uma medida tão frágil de comunicação, via Whatsapp, isso realmente é uma inovação. A Polícia Federal tem atribuição de investigar o que quer que seja. Evidente que havendo ali interesse jurídico em investigar algum suposto ilícito, é natural que a Polícia Federal, ou a Polícia Civil, investiguem. Mas o que é estranho é estarem 'interrogando' com esse suposto argumento e aí ingressarem no mérito de campanha de arrecadação absolutamente privada, não houve um centavo de dinheiro público. O estranho é investigarem uma campanha de socorro e usarem isso para dizer que, ao pedir socorro, os indígenas estariam difamando o governo. Denota que não é interesse de interesse jurídico, mas de interesse político. Ou seja, para pressionar indígenas, pressionar as lideranças", disse o defensor dos indígenas.

O advogado busca, desde sexta-feira, acesso à investigação. A PF de Ji-Paraná lhe disse por telefone que ele poderia peticionar na segunda-feira (3).

Nesta sexta-feira (30), veio a público a informação de que, no dia 27, a líder Sonia Guajajara, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) também foi intimada pela PF em outro inquérito, que tramita em Brasília, igualmente a pedido do presidente da Funai, o delegado da PF Marcelo Xavier.

PF diz que Funai pediu para apurar suposto "crime de difamação"

Em nota, a comunicação social da Polícia Federal de Rondônia disse que o órgão foi acionado pela Funai:

"Trata-se inquérito instaurado em função de notícia crime enviada pela Funai.

Os fatos narrados noticiam possível existência de crime de difamação em campanha na internet, supostamente, praticado em desfavor da Funai por integrantes do Instituto Wãwã Ixoth e Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí.

A campanha de arrecadação de valores para compra de cestas básicas e itens de limpeza, denominada 'Povos da floresta contra Covid-19', divulgou dados, em tese, inverídicos com relação ao enfrentamento da pandemia, levando a população a crer que os citados indígenas estão desassistidos e sem condições mínimas de subsistência frente à pandemia.

Inquérito Policial foi instaurado para apurar os fatos noticiados.

Quanto ao detalhamento das diligências, por tratar-se de investigação em andamento, nossa política de comunicação não permite [detalhar]."

Funai diz que não comenta inquérito

Em nota, a Funai em Brasília disse que não comentaria o inquérito aberto em Rondônia.

"A Fundação Nacional do Índio (Funai) esclarece que não comenta fatos que estão sob apuração em âmbito policial, o que poderia prejudicar o andamento dos trabalhos.

Cumpre destacar que a Funai, enquanto instituição pública do Estado brasileiro, deve estrita obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, não compactuando com qualquer postura supostamente ilícita, uma vez que sua função é defender o interesse público.

Por fim, a fundação ressalta que a apuração de fatos supostamente ilícitos reafirma o seu compromisso com a indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que todos os cidadãos, indígenas e não indígenas, estão submetidos à observância da lei brasileira."