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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Governo diz não ter recursos e aceita reduzir 50% de multa ambiental

23.abr.2020 - Vista do céu com nuvens na região central de São Paulo, visto a partir do bairro de Santa Cecília, na manhã do dia 23 de abril de 2020. A diminuição da circulação de automóveis na cidade, por causa do isolamento social imposto pela prefeitura e governo do estado durante a pandemia de coronavírus, melhorou a qualidade do ar e diminuiu visivelmente a poluição - Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo
23.abr.2020 - Vista do céu com nuvens na região central de São Paulo, visto a partir do bairro de Santa Cecília, na manhã do dia 23 de abril de 2020. A diminuição da circulação de automóveis na cidade, por causa do isolamento social imposto pela prefeitura e governo do estado durante a pandemia de coronavírus, melhorou a qualidade do ar e diminuiu visivelmente a poluição Imagem: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

17/05/2021 04h01

Um parecer do MMA (Ministério do Meio Ambiente) diz que que a pasta não tem recursos para investir em estações de monitoramento de qualidade do ar no país e, por isso, concorda com um acordo que está sendo articulado entre a Volkswagen, o Ibama e o ministério. Pelo acordo, a montadora construiria 17 estações por, no máximo, R$ 50 milhões, valor que representa a metade de R$ 100 milhões em multas ambientais que sofreu em 2015.

A montadora foi autuada pelo Ibama após ter informado a comercialização de 17.057 camionetes a diesel Amarok, anos e modelos 2011 e 2012, com um software, segundo o órgão de fiscalização ambiental, que "otimiza os resultados de óxido de nitrogênio durante os testes laboratoriais". A montadora, que disse ter feito um recall de todas as camionetes em questão, discorda das multas e diz que os veículos obedeciam a legislação.

As conversas entre a Volkswagen e o governo federal para tentar um acordo começaram em 2016 mas só ganharam corpo a partir de dezembro de 2020. Uma minuta do ajuste já está pronta e mostra que o MMA e o Ibama não optaram pela conversão de multas, uma ferramenta prevista na Lei de Crimes Ambientais, de 1998, e aperfeiçoada por decreto em 2017.

Por esse sistema, que foi alterado no início do governo Bolsonaro e depois deixado de lado, a empresa autuada, também com descontos no valor da multa, pode financiar projetos de recuperação e preservação ambientais previamente selecionados por um comitê a partir de editais públicos. Os projetos são desenvolvidos por organizações não governamentais e órgãos públicos com impacto direto no meio ambiente, como grandes projetos de reflorestamento.

O tipo de ajuste usado agora pelo governo federal é um "acordo substitutivo de multa ambiental" com "fundamento no artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (decreto-lei 4657/42)". O artigo foi incluído por lei em 2018, já no governo Michel Temer (2016-2018). Em 2020, esse tipo de acordo já foi usado para o caso das multas aplicadas à Vale pela responsabilidade no rompimento da barragem da Mina do Feijão em Brumadinho (MG). Tal acordo não seria possível pela ferramenta da conversão, que é vedada para os casos em que os crimes ambientais provocaram mortes.

Uma mensagem do MMA obtida pela coluna revela que dez outras grandes empresas estão sendo procuradas ou serão procurados pelo ministério para tentativas de acordo do gênero. São uma cadeia de supermercados, três empresas de logística, duas do agronegócio, duas de produtos químicos, uma de navegação e outra de combustíveis.

A coluna apurou que a busca ativa do governo por acordos do gênero tem o aval do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Além do caso de Brumadinho, outros dois acordos ou minutas de acordo do gênero já são conhecidos: um pelo qual a Petrobras repassaria R$ 23,3 milhões para a Força Nacional, com desconto de 60% sobre uma multa aplicada pelo Ibama, e outro pelo qual a empresa Log-in Logística enviará R$ 19 milhões para a Polícia Militar de São Paulo, R$ 1,3 milhão para o MMA e R$ 1,9 milhão para o Ibama. O segundo acordo é contestado na Justiça pela bancada do PSOL no Congresso Nacional.

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da coalizão OC (Observatório do Clima) vê com muita reserva o modelo de acordo que vem sendo usado pelo governo. "Entendo que é ilegal fazer esse tipo de negociação usando a Lindb, porque a norma específica [lei de crimes ambientais] prevalece sobre a regra geral. A conversão de multas é o caminho possível no caso de multas ambientais. Acordos desse tipo também levarão a decisões políticas, que tomarão o lugar das regras do processo decisório técnico previsto na conversão de multas", disse Suely.

'Não há recursos', diz parecer de março do Ministério do Meio Ambiente

Sobre o acordo com a Vokswagen, a Secretaria de Qualidade Ambiental do MMA afirmou, no parecer favorável datado de 26 de março último, que são necessárias "aquisição e operação assistida de estações de monitoramento para as 17 Unidades Federativas que não contam com monitoramento automático", com a finalidade de implantar uma "Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar".

"Importa ressaltar que o MMA não dispõe de recursos orçamentários e financeiros para viabilizar a referida aquisição. Além de adquirir as estações, é necessário prever a instalação e operação das 17 estações de monitoramento da qualidade do ar, com transferência de conhecimento técnico, nas Unidades Federativas brasileiras, com vistas à gestão da qualidade do ar e ao controle das emissões de poluentes atmosféricos", diz o parecer.

Segundo a minuta do acordo, subscrita pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, a montadora deverá gastar R$ 50 milhões para montar as estações num prazo máximo de 15 meses. A empresa ficaria responsável pela manutenção das estações por cinco anos. Os locais de instalação das estações em 17 unidades da Federação serão indicados pelo MMA.

"O acordo em tela se mostra conveniente e oportuno, além de convergente com as competências do Ministério do Meio Ambiente e com os interesses da Administração Pública, ao viabilizar a aquisição, a implantação e a operação assistida de estações de monitoramento da qualidade do ar, o que não seria possível caso se dependesse apenas da parcela de Orçamento Geral da União alocada no Programa Qualidade Ambiental Urbana", referendou o parecer do MMA.

Ministério e Ibama silenciam sobre acordo

O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama foram procurados pela coluna sobre o acordo com a Volkswagen, mas não se manifestaram até o fechamento deste texto. Os órgãos foram acionados no dia 22 de abril e, depois, no dia 28 de abril, mas não houve qualquer resposta.

A Volkswagen do Brasil disse que trabalha no acordo com o Ibama para evitar a judicialização do tema. Na íntegra, a nota foi a seguinte:

"A Volkswagen do Brasil esclarece que, com relação às unidades da picape Amarok comercializadas no mercado brasileiro, a empresa tem tratado diretamente com as autoridades envolvidas buscando comprovar tecnicamente e de forma embasada a ausência de quaisquer prejuízos à sociedade e ao meio ambiente. No Brasil, a situação é muito particular uma vez que o software não otimiza os níveis de emissões de NOx das picapes Amarok comercializadas no País com o objetivo de atender os limites legais. Portanto, os carros envolvidos atendem a legislação brasileira mesmo antes dos softwares serem removidos destas unidades.

A Volkswagen esclarece que em 2017 convocou os modelos Amarok para a substituição do software da unidade de comando eletrônico do motor, num recall que envolve um total de 17.057 veículos.

Desde 2016, a empresa mantém negociações com o Ministério do Meio Ambiente e com o IBAMA no sentido de firmarem um acordo conjunto buscando evitar a judicialização da questão e transformá-la em um benefício para a sociedade e para o meio ambiente. Tão logo esse acordo esteja aprovado por todas as partes envolvidas, a empresa se pronunciará a respeito."