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'Ibama está paralisado', desabafa coronel do Exército exonerado por Salles
Resumo da notícia
- Superintendente do órgão de fiscalização ambiental no Mato Grosso do Sul disse que autos de infração estão parados sem julgamento em todo o país
- Coronel da reserva do Exército, Luiz Marchetti critica "política de compadrio" na escolha de policiais militares de São Paulo para cargos no Ibama
Exonerado do cargo nesta terça-feira (23) pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), o ex-superintendente do Ibama em Mato Grosso do Sul, coronel da reserva do Exército Luiz Carlos Marchetti, disse à coluna que o órgão "está paralisado" e que o meio ambiente "está muito mal" no país.
O coronel disse, em entrevista nesta terça-feira (23) divulgada pelo site de notícias Campograndenews, que é "sórdido o que está acontecendo" e que o ministro "mobiliou todo o Ibama". Segundo ele, mobiliar é um termo usado por militares para designar a ocupação de cargos. Ao UOL, Marchetti confirmou as declarações e deu mais detalhes.
De acordo com Marchetti, todos os autos de infração emitidos pelo Ibama no Estado desde outubro de 2019 estão parados, sem passar pelas audiências de conciliação - um sistema criado por Salles em 2019. Com isso, as multas não são pagas. Ele disse que o mesmo tem ocorrido em todo o país e são "milhões e milhões de reais". "Temos autos recentes de R$ 2,5 milhões, de R$ 3,5 milhões. Esses não estão nem processados, não foram para audiência de conciliação. Não tivemos nenhuma audiência de conciliação."
Segundo o ex-superintendente, o sistema está "travado" e a solução depende de Brasília. Marchetti, que estava no cargo desde junho de 2019, criticou a política de Salles de colocar policiais militares de São Paulo em diversos cargos de confiança no órgão. Ele disse que seu substituto também será um PM paulista.
"O contexto [da exoneração] é o seguinte: o ministro Ricardo Salles organizou o Ibama, o ICMbio e o próprio ministério com base nos coronéis da PM de São Paulo. Tenho profundo respeito pela corporação, são pessoas, não é porque é PM não... Mas sei o seguinte, está equivocada essa política, está mal administrada. O Ibama está paralisado. O meio ambiente está mal", disse o ex-superintendente.
Marchetti afirmou que foi nomeado no Ibama, em 2019, por indicação de um general do Exército "com o aval do presidente da República", Jair Bolsonaro. Segundo o coronel, ele e o presidente "estudaram juntos" na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) nos anos 70 e também já foram vizinhos no Rio. Marchetti disse que o ministro da Casa Civil, o general Braga Netto, ao saber que sua exoneração era iminente, tentou intervir no final de semana para impedi-la, mas a decisão de Salles prevaleceu.
O coronel disse que não procurou Bolsonaro para falar sobre o assunto porque se trata "de um cargo de terceiro escalão" e não queria importunar o presidente. Marchetti foi assessor parlamentar do CMO (Comando Militar d'Oeste), sediado em Campo Grande (MS), e disse que nessa função também tinha "um bom relacionamento" com Bolsonaro, então deputado federal.
De acordo com Marchetti, depois de ler a sua entrevista ao site de Campo Grande (MS), o ministro Salles enviou uma mensagem por telefone para discordar e dizer que irá processá-lo.
Procurados pelo UOL na noite da terça-feira, o MMA (Ministério do Meio Ambiente) e o Ibama não haviam se manifestado até o fechamento deste texto.
Marchetti criticou a paralisação dos processos de conciliação abertos a partir dos autos de infração lavrados desde outubro de 2019. Ao entrar no ministério, em janeiro de 2019, Ricardo Salles criou um sistema de "conciliação" de multas, pelo qual a pessoa ou a empresa autuadas têm direito a uma audiência antes de pagar ou não a multa. Porém, as audiências não estão acontecendo no Brasil todo, segundo o superintendente, ocasionando "um represamento" das autuações. Essa mesma denúncia tem sido feita desde 2019 por organizações não governamentais, como o Observatório do Clima e a Human Rights Watch.
O coronel detalhou a situação ao UOL. "Para se ter uma ideia, hoje nós temos paralisados, desde outubro de 2019, todos os autos de apreensão. Pelo menos os meus aqui têm que ser processados para fazer a audiência de conciliação. Desde outubro de 2019. Imagina o represamento de autos de infração. E desde janeiro de 2020 paralisou os julgamentos dos processos já instruídos", disse o ex-superintendente.
"Vamos deixar claro. O recurso para fazer a fiscalização está razoável. Temos cumprido as metas de fiscalização. O que não está dando andamento é exatamente isso [conciliações]. É você instruir o processo de auto de infração para fazer a conciliação. Porque isso é feito em Brasília, é tudo centralizado em Brasília. E todas essas funções-chave, as coordenadorias, as diretorias, são dirigidas pelos amigos da PM paulista. Então isso aí tem causado uma insatisfação muito grande por parte dos servidores. Não sou de ficar chutando o balde. [Mas] há uma certa revolta aqui", disse Marchetti.
Segundo o coronel, a demora na definição dos autos de infração motiva reclamações das próprias pessoas e empresas autuadas. Para Marchetti, a paralisia atinge a imagem do Ibama.
"Se você faz uma ação de fiscalização, ela tem que surtir o efeito. O efeito pedagógico, de arrecadação, para barrar o dano ambiental. Senão você faz a fiscalização e fica paralisado, dois, três anos. E fica tudo parado ali, represado. Eu percebi junto ao contribuinte autuado, que nos procurava, eles reclamavam muito, demais, da morosidade do funcionamento do Ibama."
O ex-superintendente poupa das críticas o presidente do Ibama, Eduardo Bim ("é um cara muito bacana, está do meu lado"). Segundo ele, sua exoneração ocorreu "à revelia" do presidente do órgão, que teria ficado "indignado" quando soube que a exoneração iria ocorrer, mas não conseguiu revertê-la. O coronel atribui sua saída às "caneladas", ou críticas, que vinha fazendo internamente sobre um outro alto servidor em cargo de comando no Ibama em Brasília e o "mobiliamento" do órgão por policiais militares paulistas.
Marchetti disse que há dificuldade para um PM de São Paulo se adaptar à realidade de Mato Grosso do Sul, onde se encontra um dos principais biomas em risco no país, o Pantanal, que no ano passado foi varrido por vários grandes incêndios que destruíram mais de 23% da área total. "Botar um cara de São Paulo aqui? Eu pensei, pô."
"Estou aqui há muitos anos, mais de 30 anos. Eu servi em quase todas as unidades de fronteira. Eu tenho o reconhecimento aqui da sociedade muito grande. No combate ao incêndio, consegui mobilizar muita gente de fora, fiz uma gestão para aquisição de material, hoje mesmo recebi mais de 700 mil reais de equipamentos. Eu procurei realmente me dedicar à missão. Missão é missão."
Para o ex-superintendente, "tem que mudar muita coisa" na área ambiental. "Eu estou sendo pretensioso? Talvez. Mas tem que mudar demais. Muito. Primeira coisa é organizar o Ibama, botar as pessoas certas nos lugares certos. Parar com essa política de compadrio. [...] Ele já tirou um coronel do Exército no Pará e colocou também um PM de São Paulo lá. Agora eu aqui, o outro lá. Ficar mobiliando não só o órgão em Brasília como nos Estados, com policiais militares de São Paulo? Eu acho muito estranho, não posso falar que isso aí está correto, não posso achar que está correto."
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