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Rubens Valente

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A 'CPI dos governistas' produz uma enxurrada de informações vazias

Senador Eduardo Girão - Agência Diário
Senador Eduardo Girão Imagem: Agência Diário

Colunista do UOL

26/05/2021 12h11

No começo da sessão desta terça-feira 25), o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), falou aos colegas no microfone: "Esta tem sido a CPI do Senado Federal que, em menos de um mês, mais tem recebido documentos. Até agora foram autuados, pela Secretaria da Comissão, aproximadamente 300 gigabytes de documentos, sendo 100 gigabytes de documentos sigilosos. Para que se tenha uma melhor dimensão, a CPMI da Fake News, uma CPI expressiva, conta atualmente com cerca de 5 gigabytes de documentos recebidos".

Os números só crescem hora a hora, minuto a minuto. Quando Aziz falou na sessão da CPI na terça-feira, havia 410 conjuntos de documentos protocolados na secretaria da comissão. No final da manhã desta quarta-feira (26), já eram 514 conjuntos. O tamanho de cada conjunto varia de poucas páginas a milhares.

A enxurrada de informações é o resultado da linha de ação adotada pela bancada governista na CPI da Covid, desde o começo contrária à investigação nos moldes propostos pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que pretendia focar no papel do governo federal. A bancada governista, com destaque para os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Ciro Nogueira (PP-PI), apresentou requerimentos para cobrar informações de dezenas de prefeituras e de todos os governos estaduais.

Os pedidos são uma metralhadora giratória, sem um ponto específico de dúvida. É como uma pescaria em alto- mar. Joga-se a rede para ver o que acontece. Eles pedem que prefeituras, secretarias de saúde e governos apresentem explicações de uma miríade de assuntos, dos gastos feitos durante a pandemia a apurações em andamento em lugares tão díspares quanto delegacias de polícia e tribunais de contas.

Um dos pedidos de Girão já aprovados pela CPI envolve, por exemplo, oito tipos de informação acerca das folhas de pagamento dos governos de todas as capitais e unidades da Federação, incluindo evolução de valores, séries históricas e transferências de valores. Outro pedido de Girão é para que as secretarias de saúde de todas as capitais e de todos os governos estaduais enviem "a quantidade de leitos das respectivas Unidades de Tratamento Intensivo dos hospitais públicos estaduais, municipais e conveniados nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, bem como o percentual de ocupação".

Na semana passada as respostas começaram a chegar ao Senado e o resultado é uma hecatombe de informação. É tanta coisa junta e misturada que não significa coisa nenhuma. Até agora há respostas de pelo menos 86 prefeituras, como Cachoeiro de Itapemirim (ES), Confresa (MT), Embu das Artes (SP), Gravataí (RS). O número só vai aumentar, pois há pedidos que se estendem a todos os municípios com mais de 200 mil habitantes do país (são 155).

Muitas das respostas demandariam semanas e semanas de investigação para alguém chegar a alguma conclusão. O que a CPI pode fazer, por exemplo, com a resposta do governo de Rondônia? O conjunto de informações solicitado é tão gigantesco que o governo encaminhou à CPI o link do sistema de acompanhamento de gastos do governo inteiro. O governo estadual explicou que basta à CPI enviar a identificação de uma pessoa para que ela seja cadastrada e autorizada a navegar no sistema. Será o senador Girão? Boa sorte a ele.

O governo de Rondônia explicou: "Isso significa que o Estado abrirá integralmente todos os autos processuais relativos ao enfrentamento da pandemia de Covid-19, em uma comunhão de esforços para dar a maior transparência possível à análise dos fatos perseguidos pela comissão parlamentar de inquérito".

E tudo é pedido para ontem, normalmente com 5 dias de prazo, que aliás já foram prorrogados para 10 dias por decisão da própria CPI. Ainda é pouco. A prefeitura de São José do Rio Preto (SP), igualmente demandada pela CPI sobre gastos na pandemia, desabafou num ofício à CPI: "Ocorre que torna-se humanamente impossível cumprir as obrigações impostas pelo Ofício n. 167/2021-CPIPANDEMIA no prazo de 5 dias úteis, tendo em vista que, diante das circunstâncias impostas pela pandemia, o volume das rotinas diárias de trabalho, notadamente da Secretaria Municipal de Saúde, encontra-se elevado; bem como o volume das informações solicitadas mostra-se expressivo".

No começo da CPI, quando a bancada governista pressionou o comando do Senado e conseguiu ampliar o escopo da Comissão para governos e prefeituras, técnicos do Senado com experiência em Comissões Parlamentares de Inquérito temiam a reedição de uma "CPI do Fim do Mundo", como ficou apelidada a dos Bingos, de 2005, que começou a investigar as relações de um então assessor do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, e acabou apurando até supostos dólares enviados por Cuba. O resultado foi um enorme fiasco, pois uma CPI sem um foco determinado acaba, pelo exíguo espaço de tempo e pela escassez de expertise investigativa entre os senadores, chegando a lugar nenhum.

A CPI da Covid tem apenas 90 dias para consolidar todos esses dados (cada um é enviado num formato), analisar e chegar a uma conclusão - além de ouvir as testemunhas nas sessões. O prazo é contado a partir da instalação, em 27 de abril. Ela deve acabar em 9 de agosto, caso não seja renovada. Ou seja, restam pouco mais de dois meses em dias corridos.

As dezenas de requerimentos da bancada governista na CPI também dificilmente terão uma consequência palpável que já não esteja sendo alcançada pelas inúmeras investigações em andamento no país todo pelas polícias, pelo Ministério Público e por outros órgãos de controle. Vários dos pedidos são de acesso a cópias de investigações. Caberá em primeiro lugar ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), decidir o que fazer com tanta papelada de significado até agora vazio e inútil.