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MPF pede arquivamento de inquérito contra indígenas e servidores da Funai
O MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas peticionou nesta quarta-feira (9) pelo arquivamento do inquérito aberto pela Polícia Federal a pedido do presidente do Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier, contra o líder indígena Mário Parwe Atroari, nove servidores da própria Funai e advogados de organizações waimiris-atroaris, da terra indígena localizada na divisa entre Amazonas e Roraima.
Na promoção de arquivamento protocolada pelo procurador da República Igor da Silva Spindola na 4ª Vara Criminal da Justiça Federal do Amazonas, o MPF solicitou que sejam analisadas as hipóteses de denunciação caluniosa e crime de abuso de autoridade na representação subscrita por Xavier, que também é delegado da PF.
"A representação foi realizada, portanto, aparentemente de maneira dolosa a adicionar investigação criminal como componente de pressão política nas negociações do PBA-CI [projeto básico ambiental-componente indígena]", escreveu o procurador. "O que se observa, ainda que em estágio incipiente da investigação mas em nítida profundidade de motivos, é a total ausência de hipótese investigativa, tanto pela falta de tipicidade mínima das condutas apresentadas, quanto pela ausência de indícios de autoria e de materialidade."
Conforme a coluna revelou no último dia 2, o inquérito foi aberto em maio pela PF do Amazonas, que acolheu uma representação de Xavier. Ele acusou indígenas, incluindo o líder Parwe, servidores e advogados de criarem "óbices" no processo de construção da linha de alta tensão de Tucuruí, que atravessará cerca de 120 km dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari, erguerá 250 torres no território e custará mais de R$ 2 bilhões.
A obra é um assunto frequente do presidente Jair Bolsonaro em seus discursos e lives. Ele distorce informações sobre a obra e sugere a culpa de waimiris-atroaris e organizações não governamentais por atrasos no empreendimento. Os waimiris-atroaris e o MPF já tentaram, por meio de ação aberta no Judiciário, um direito de resposta às afirmações do presidente, sem sucesso até agora.
Mário Parwe foi o terceiro líder indígena no país alvo de representações do presidente da Funai que culminaram em inquérito na PF - os outros dois casos, contra Sonia Guajajara e Almir Suruí, também já foram arquivados ou trancados na PF e no Judiciário.
Na manifestação pelo arquivamento, o procurador Spindola, do 5º Ofício de Tefé (AM), ressaltou que "não há pertinência investigativa quanto aos fatos que se imputaram" criminosos, sendo "inaplicável a conclusão lógica alcançada pelas razões expostas" pelo ofício de Marcelo Xavier.
"Isto porque tais razões consubstanciam verdadeiro desvio de finalidade na atuação do órgão máximo da Funai para consecução dos objetivos entabulados em sua legislação de regência, uma vez que a construção discursiva do despacho e da representação formulados se empenha em dar ares de ilegalidade a situações que não só são regulares, como chanceladas por vasto arcabouço jurídico interno (como os que estabelecem quais são as finalidades da Funai, inclusive), internacional e pela própria atuação do Sistema de Justiça na questão (MPF e Justiça Federal)"
O representante do MPF pontuou que "há anos a comunidade indígena Waimiri Atroari busca participar do procedimento de licenciamento ambiental do Linhão de Tucuruí com todos os seus direitos étnicos garantidos, principalmente a garantia de consulta livre, prévia e informada tal qual previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho".
O MPF já ajuizou uma ação civil pública "cuja sentença de procedência não só identificou de maneira pormenorizada o histórico de lesões aos direitos básicos dos Waimiri Atroari, como reconheceu a ocorrência de patentes violações de direitos humanos decorrentes de ação do Estado Brasileiro, a ensejar atenção e atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA)". Na ação, o MPF pleiteia o pagamento de R$ 50 milhões por lesões causadas aos waimiri-atroaris pela ditadura militar (1964-1985). Segundo a Comissão Nacional da Verdade, mais de 2,6 mil indígenas morreram durante o processo de abertura, pela ditadura, da rodovia BR-174.
"É com esse pano de fundo", diz o procurador, "que a atuação da Funai no caso deveria estar se dando ao longo dos últimos anos", a fim de "viabilizar a garantia de direito já pacificamente reconhecido como básico às comunidades indígenas e tradicionais".
Contudo, como demonstraria "o próprio relato" contido no despacho da presidência da Funai, segundo o MPF, o presidente do órgão, Marcelo Xavier, "busca uma construção de discurso que antagoniza a garantia desses direitos com o desenvolvimento e progresso regionais, e aparentemente tenta instrumentalizar a Polícia Federal como elemento de pressão no procedimento".
"O que seria natural do processo de Consulta Livre, Prévia e Informada e todos os consectários que subjazem a ela é tratado pelo presidente da Funai como 'ações, de atores internos e externos, que atrasaram o desenvolvimento das tratativas, visando benefícios pessoais, em oposição ao benefício público do empreendimento.' Não há, sobre isso, a indicação de qualquer ato ilegal ou irregular que caracterize os
crimes apontados pelo representante à autoridade policial como de necessária investigação", pontuou o procurador da República.
"Além do mais, a patente falta de conhecimento ou de utilização de má-fé na tentativa de redesenho da história do povo Waimiri Atroari desrespeita a sua própria memória e construção cultural ao longo das décadas que seguiram o período ditatorial recente brasileiro, além de sobre elas serem estabelecidas premissas falsas que basearam a abertura do IPL [inquérito policial], e que o tornam, portanto, ilegal."
Segundo o procurador, a longa peregrinação dos waimiris-atroaris por reconhecimento do Estado brasileiro pelos danos causados pela ditadura militar "não é novidade nem ao Poder Judiciário Federal Amazonense nem ao Ministério Público Federal e não deveria ser para o presidente da Funai que, não bastasse as credenciais exigidas para ocupar tal posição, já teve a oportunidade de, mais de uma vez, acompanhar in loco a logística de funcionamento dos Waimiri e sua história, em uma oportunidade, inclusive, na companhia do membro signatário da presente peça processual".
"Há a utilização explícita, assim, de informações que sabe serem falsas, a viciar a argumentação sobre a prática de crimes, com a consequente instrumentalização da Polícia Federal como elemento de pressão em um processo que é de mister da Funai defender e proporcionar. Sobre o que fora delineado até aqui não subsiste, portanto, hipótese investigativa, pois não há indicação, nem mesmo indireta, de ações que configurem os crimes apontados na portaria de instauração do IPL, ao contrário, há possível constrangimento a importantes atores sociais através do uso da força policial do Estado e sua instrumentalização em prol de uma agenda que desrespeita direitos constitucionalmente garantidos."
O procurador lembrou ainda que "a Polícia Federal não é instância de fiscalização financeira e econômica, não é tribunal de contas, não presta auditoria contábil, é polícia judiciária. Dizer que há agentes envolvidos com aparente grande patrimônio é partir de um nada jurídico, tendo em vista que não há conexão dessa realidade com todo os outros fatos que se imputam na representação".
O presidente da Funai foi procurado pela coluna para comentar a manifestação do MPF. Em nota nesta quinta-feira (10), o órgão informou, na íntegra: "A Fundação Nacional do Índio (Funai) informa que irá recorrer ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)".
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