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Chefes militares receberam 28 políticos, todos da base governista
Desde que tomaram posse nos seus cargos, em abril, os três comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, Braga Netto, receberam em audiência, nos seus gabinetes em Brasília, 28 políticos. Todos integram a base aliada do presidente Jair Bolsonaro no Congresso ou nos Estados.
As agendas divulgadas de abril até aqui - com exceção das que cobrem duas semanas de julho e os primeiros dias de agosto divulgadas pelo Comando do Exército - contrariam a Resolução nº 11 da CEP (Comissão de Ética Pública) da Presidência da República, que regulou o tema da divulgação das agendas das autoridades no Executivo. A resolução obriga, em seu artigo, que a agenda divulgada ao público na internet inclua "a descrição do assunto tratado" na reunião.
A coluna pediu aos órgãos que explicassem o assunto de cada reunião. O Ministério da Defesa argumentou que as reuniões "trataram de temas institucionais afetos à Defesa". Indagado sobre quais teriam sido esses "temas institucionais", não houve resposta.
O Exército passou, em meados de julho, a inserir na agenda o campo "finalidade". A explicação é genérica, como "visita de cortesia", mas já é um avanço em relação ao que vinha sendo feito pelos comandantes antecessores. O comandante anterior, Edson Pujol, omitia até o nome do parlamentar. Nesta quinta-feira (5), três dias após a coluna pedir explicações sobre a agenda, o Comando do Exército passou a inserir os nomes de todos os participantes da reunião e a ser mais específico sobre o tema da reunião.
O advogado Mauro Menezes, que presidia a CEP quando a resolução foi aprovada em 2017, explicou que a agenda "não é apenas um planejamento, ela é a memória das atividades da autoridade".
"Quando aprovamos a resolução, tivemos isso claro. É possível que posteriormente à realização do compromisso a agenda seja complementada, corrigida [com o assunto discutido na reunião]. A agenda existe como alguma forma de controle e de prestação de contas da autoridade. A agenda é para saber o que a autoridade fez. Por isso é preciso descrever aquilo que foi tratado na reunião. As hipóteses de dispensa desse campo são excepcionais e devem ser justificadas", disse Menezes.
De acordo com as agendas de abril para cá, nenhum parlamentar de esquerda ou centro-esquerda foi recebido pelos militares em seus gabinetes em Brasília. Não é possível saber se audiências chegaram a ser solicitadas por parlamentares de esquerda. Indagados sobre esse ponto, os órgãos não explicaram.
Agendas indicam a falta de interlocução com oposição, diz consultor
O consultor político Antônio Augusto de Queiroz, diretor licenciado de Documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), disse que a análise das agendas mostra que as Forças Armadas, por meio do seu ministro da Defesa, Braga Netto, "estão sem interlocução com a oposição no Parlamento brasileiro".
"Historicamente sempre houve um diálogo dos militares com a esquerda. Não havia veto por razão de ideologia e se dialogava com todo mundo. Agora há uma resistência de diálogo do governo com a oposição em geral e com a esquerda em particular. Por outro lado, até por isso, entre os parlamentares de oposição não há por que procurar o ministro que está apoiando atos que na prática negam a institucionalidade. No contexto dos ataques de Bolsonaro à institucionalidade, um comandante militar vai receber alguém de esquerda? E o que alguém de esquerda iria fazer lá? Esse é o problema."
"Os atuais comandantes das Forças Armadas estão claramente limitados, mesmo se tivessem essa vontade - mas não tem, de receber a oposição - estão limitados pela orientação do presidente. Ele mesmo disse que parlamentar de esquerda não entra no Palácio do Planalto. O papel preocupante que as Forças Armadas estão nesse momento assumindo é o de endossar medidas que historicamente não endossavam."
O índice de governismo dos parlamentares recebidos pelos chefes militares - segundo os critérios do acompanhamento feito pelo Radar do Congresso, do site Congresso em foco -, oscila de 86% (no caso do deputado Marcel Van Hattem, do Novo do Rio Grande do Sul) a 99% (como os deputados Nelson Barbudo e Coronel Armando, do PSL de Mato Grosso e de Santa Catarina, respectivamente).
De acordo com o Radar do Congresso, o índice de governismo é calculado "a partir das votações do parlamentar que seguiram ou não a orientação do líder do governo". "Votos iguais à orientação (sim ou não) aumentam o índice; qualquer opção diferente da orientação (seja sim, não, abstenção ou falta), diminuem o índice de governismo. Não aparecem no gráfico os parlamentares que não atingiram o nível mínimo de votações para o cálculo do índice."
Alguns dos parlamentares divulgaram o conteúdo das audiências em suas redes sociais nos dias em que ocorreram. O deputado federal Nelson Barbudo (PSL-MT), por exemplo, escreveu que esteve com Braga Netto em 14 de julho último para convidá-lo a "conhecer in loco a fronteira oeste de Mato Grosso, a divisa com a Bolívia".
Outros informaram a reunião mas não o conteúdo. Como o deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da "PEC do voto impresso" na Câmara. Em 16 de junho, ele postou uma foto ao lado de Braga Netto e disse apenas que foi uma "excelente reunião".
O deputado federal Augusto Coutinho (SD-PE), cuja taxa de governismo na Câmara é de 90%, escreveu que esteve com "a nossa bancada no Congresso" em audiência com o comandante do Exército "e com o comandante Militar do Nordeste, general Freire Gomes", para tratar da "transferência da Escola de Sargentos das Armas (ESA), de Três Corações, em Minas, para a cidade de Abreu e Lima, em Pernambuco. Outros estados estão na disputa, como Paraná e Rio Grande do Sul".
O assunto "Projeto Nova ESA" também aparece na agenda do comandante do Exército no campo destinado a explicar a finalidade da reunião mantida com senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), membro da CPI da Covid, nesta quinta-feira.
"Nosso mandato está empenhado nessa pauta, que pode representar mais oportunidades para nossos jovens e cidades do entorno, como Paudalho, Tracunhaém, Araçoiaba, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Igarassu. Para vocês terem ideia do projeto, são previstos investimentos na ordem de R$ 1 bilhão, com oportunidades para 2,4 mil alunos, em regime de internato, e mais de 2 mil profissionais envolvidos em suas formações", escreveu o deputado Augusto Coutinho em rede social.
O levantamento feito pela coluna cobriu todas as agendas do ministro da Defesa, Braga Netto, do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, do comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, e do comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior. Todas as agendas de Garnier Santos desde o último dia 22 estavam fora do ar quando foram consultadas no domingo. Indagada, a Marinha não explicou o motivo do problema nem enviou cópias das agendas.
O general Oliveira recebeu nove políticos: os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Luiz Antonio Corrêa (PL-RJ), Ricardo Barros (PP-PR), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Augusto Coutinho (PSD-RJ) e Filipe Barros (PSL-PR), os senadores Álvaro Dias (Podemos-PR) e Rodrigo Pacheco (DEM-RO), presidente do Senado, e o deputado estadual "Tenente Coronel" Zucco (PSL-RS).
O senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) esteve com o comandante da Marinha em 11 de maio.
Nove, dos 27 políticos, pertencem ao PSL, partido pelo qual Bolsonaro foi eleito. Dois políticos do PSDB foram recebidos em audiência. A interlocução do deputado Aécio Neves (PSDB-MG) com os militares se explica pela função que desempenha na Câmara, a de presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. O outro integrante do partido, o senador Roberto Rocha, do Maranhão, tem um altíssimo índice de governismo, 95%. Rocha é defensor de Bolsonaro e do seu governo e indica servidores na máquina estatal, como uma diretoria da Codevasf, estatal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional.
Segundo o levantamento feito pela coluna nas agendas divulgadas diária ou semanalmente, foram 17 audiências concedidas a deputados federais e nove concedidas a senadores. Além disso, foram recebidos o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD-PR), e o deputado estadual Zucco, ambos aliados de Bolsonaro nos seus Estados.
Os números reais dos parlamentares presentes às audiências, porém, podem ser maiores. A coluna localizou, por meio de fotografias divulgadas em redes sociais, que pelo menos uma audiência realizada em 14 de julho no gabinete do comandante do Exército teve a participação de vários deputados do Paraná, e não apenas de Filipe Barros (PSL-PR), ao contrário do que aparece na agenda divulgada ao público na internet.
Defesa diz que está "aberta ao diálogo com todos os segmentos"
Em nota à coluna, o Ministério da Defesa disse que "se mantém permanentemente aberto ao diálogo com todos os segmentos representativos da sociedade brasileira para a discussão e a construção de ações que busquem o progresso e o desenvolvimento do País, dentro dos limites constitucionais de atuação da pasta".
"As agendas públicas do Ministro com os parlamentares citados pela reportagem trataram de temas institucionais afetos à Defesa. Além desses compromissos, o Ministro Braga Netto participou, recentemente, de audiência pública no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, onde discutiu assuntos intrínsecos à Defesa. A participação do Ministro se deu a partir de convite de parlamentares de partidos políticos favoráveis e contrários ao Governo Federal."
O Comando da Aeronáutica informou que "são rotineiras as reuniões institucionais com outras autoridades de todas as esferas do poder público". "Esses encontros possuem caráter oficial e objetivam o estreitamento das relações e o fortalecimento do diálogo entre as instituições", diz a nota.
"A agenda do Comandante da Aeronáutica é pública e pode ser acessada por meio do link https://www.fab.mil.br/comandante#agenda. Quanto aos compromissos citados, estes constam da relação de eventos publicados no site."
Os Comandos do Exército e da Marinha não se manifestaram em nota até o fechamento deste texto. A assessoria do Exército informou, por telefone, que está reformulando as agendas públicas à luz da Resolução número 11 da Comissão de Ética Pública da Presidência.
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