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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Transmissão de eventos militares com Bolsonaro custou R$ 604 mil em 2 meses

Imagem da transmissão da TV Brasil sobre a participação do presidente Jair Bolsonaro em formatura militar em novembro de 2021 - Reprodução/Youtube/TV Brasil
Imagem da transmissão da TV Brasil sobre a participação do presidente Jair Bolsonaro em formatura militar em novembro de 2021 Imagem: Reprodução/Youtube/TV Brasil

Colunista do UOL

02/03/2022 04h00

A participação do presidente Jair Bolsonaro em formaturas de militares e policiais levou o governo federal a gastar R$ 604 mil apenas em dois meses do final do ano passado com transmissões pela estatal pública TV Brasil, de acordo com documentos obtidos pela coluna. No valor não estão incluídas passagens aéreas e diárias dos servidores públicos que acompanharam Bolsonaro nas viagens.

Os gastos ocorreram dentro de um contrato assinado entre a Secom (Secretaria Especial de Comunicação), que tem o poder de indicar à TV a necessidade da cobertura dos eventos, e a estatal EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que controla a TV Brasil. A transmissão ao vivo desse tipo de evento ocupou mais de sete horas da programação da TV Brasil apenas de novembro a dezembro últimos.

Outros documentos mostram que o governo gastou R$ 11,1 mil na cobertura do "culto em ação de graças pela posse do novo ministro do STF, André Mendonça", realizado em dezembro último numa igreja evangélica de Brasília. O culto foi coberto por um transmissor portátil, conhecido como mochilink.

Os gastos sobre as formaturas e festas militares e policiais se referem apenas a oito eventos ocorridos nos meses de novembro e dezembro. De dezembro de 2020 a julho de 2021, conforme outros documentos obtidos pela coluna, o governo já havia desembolsado R$ 850 mil na cobertura desse mesmo tipo de evento. De julho a novembro de 2020, o governo gastou R$ 162 mil. Tudo somado, a conta passa de R$ 1,6 milhão.

A EBC e a Secom foram procuradas pela coluna no último dia 16, mas não se manifestaram até o fechamento deste texto.

O maior gasto em dezembro ocorreu com a "solenidade de declaração de novos aspirantes da Aeronáutica, turma Mihos", que custou aos cofres públicos R$ 77 mil, pela cobertura via satélite, e mais R$ 12 mil pela inclusão na programação da TV Brasil, vinculada à EBC.

Além dessa ocasião festiva, em dezembro Bolsonaro participou da "formatura do curso de formação e graduação de sargentos de 2021 da Escola de Sargentos de Logística", da "cerimônia de declaração de guardas-marinha" e do "encerramento do curso de formação profissional de agente da Polícia Federal".

Em novembro, Bolsonaro esteve na "cerimônia militar dos aspirantes da 23ª turma do curso de formação de oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal", em um "curso de formação de sargentos" do Exército, da "solenidade de jubileu da brigada de infantaria paraquedista" e na "entrega de espadas aos novos aspirantes".

Eventos militares ocuparam 48 horas de TV em 7 meses, diz relatório

Além dos custos financeiros, a transmissão ao vivo da participação de Bolsonaro em eventos públicos, incluindo os de cunho militar, altera e descaracteriza toda a grade de programação da TV Brasil.

Um levantamento realizado no ano passado pela Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública indicou que as interrupções da programação da TV Brasil para a transmissão ao vivo de 97 eventos com Bolsonaro somaram 78 horas e 37 minutos apenas nos sete primeiros meses de 2021. Em 2020, um total de 157 eventos ocupou 109 horas e 17 minutos da programação da TV Brasil.

Segundo o levantamento, foram transmitidas 47 solenidades e cerimônias militares de abril de 2019 a julho de 2021. Elas ocuparam ao todo 48 horas e 17 minutos na programação.

Para a Frente, formada por jornalistas da EBC e entidades da sociedade civil ligadas à comunicação, as transmissões ocorrem sem previsão constitucional. De acordo com a entidade, eventos do gênero começaram a ser transmitidos em abril de 2019, depois que uma portaria da EBC, de número 216, unificou as grades da TV Brasil e da TV NBR, também estatal e operada pela EBC. Até então, as transmissões oficiais ocorriam pela NBR, não pela TV Brasil.

Segundo a Frente, a portaria - que fala em preservar "o princípio da complementaridade dos sistemas público e estatal", previsto no artigo 223 da Constituição - significou, na prática, "exatamente o contrário", pois "extingue a separação que existia entre o canal público e o canal estatal".

A Frente menciona que "entidades de defesa da liberdade de expressão e da democratização da mídia denunciaram a inconstitucionalidade da medida, como o Conselho Curador Cassado e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação".