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Receita retém dados de empresas e impede fiscalização do Ibama
A Receita Federal tem se recusado a repassar ao Ibama dados sobre comércio exterior de empresas que trabalham com vários materiais potencialmente poluidores do meio ambiente, como pneus, lâmpadas, pilhas e baterias. Segundo ofícios enviados pelo Ibama à Receita, a vedação impede a fiscalização do órgão ambiental sobre as empresas infratoras.
Os dados eram compartilhados até outubro de 2020 pelo Ministério da Economia, mas o fluxo foi interrompido porque expirou o convênio assinado entre os dois órgãos. O Ibama então apresentou uma sugestão de renovação do acordo, que ficou sem resposta.
O ministério sugeriu que o entendimento passasse a ser "articulado" com a Receita, onde as negociações empacaram pelo menos desde o fim do ano passado. O Ibama ficou sem as informações relativas aos anos de 2021 e 2022.
Em 17 de fevereiro último, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, teve que mandar um ofício ao secretário da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, para pedir uma solução sobre o impasse. Bim informou que "o Ibama encontra-se impossibilitado de realizar ações de fiscalização que complementam o controle ambiental estabelecido em Leis, Decretos, Resolução Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente] e outras normativas infralegais".
Reiterou que "o Ibama encontra-se impedido de realizar o controle ambiental relativo a pneumáticos, lâmpadas, resíduos, pilhas e baterias, em função do não repasse das informações por parte da Receita Federal do Brasil".
Receita diz que há "sigilo fiscal"
O impacto na fiscalização decorre da ausência dos dados declarados pelas próprias empresas. Há metas anuais de destinação dos resíduos sólidos previstas em lei e acordos setoriais que as empresas produtoras ou importadoras precisam cumprir. Se o Ibama não tem os dados da Receita, não consegue identificar quem não cumpriu a meta e, assim, deixa de realizar a notificação dos possíveis infratores.
Procurada pela coluna, a Receita Federal informou "os dados da declaração de importação estão protegidos por sigilo fiscal, pois tratam-se de informações sobre os negócios das empresas, assim como determinado pela Constituição da República Federativa do Brasil" (leia, ao final do texto, a íntegra da manifestação).
Na troca de mensagens sobre o assunto, o Ibama argumentou que o repasse dos dados era frequente e normal até 2020 e que há uma "legislação recente", um decreto de 2019, de nº 10.046, que prevê a "dispensa de celebração de convênio, acordo de cooperação técnica ou instrumentos congêneres para a efetivação do compartilhamento de dados entre órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e os demais Poderes da União".
Ibama teve acesso apenas a dados "agregados"
Os dados solicitados pelo Ibama constam das declarações feitas pelos próprios importadores e exportadores brasileiros "para fins de controle, fiscalização e cobrança da TCFA (Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental)", prevista em lei de 2000 e regulamentada por instrução normativa do Ibama em 2011.
Na carta ao secretário da Receita em fevereiro, o presidente do Ibama apresentou uma cronologia dos "esforços engendrados no sentido de obtenção dos dados". Até 2018, os dados eram obtidos por meio de acesso ao sistema Aliceweb, "que disponibilizava informações por CNPJ de quantitativo e peso de produtos e resíduos importados, subsidiando a elaboração de relatórios e apuração de descumprimento de obrigações ambientais por importadores de NCMs [Nomenclaturas Comuns de Mercosul] de controladas".
O sistema Aliceweb, porém, foi "descontinuado" em 2018, o que levou o Ibama a fazer o convênio com o Ministério da Economia. O acordo vigorou até outubro de 2020 e seu resultado foi "avaliado positivamente" pelo Ibama. O órgão ambiental tentou uma renovação do convênio, que não chegou a ser assinado.
O ministério informou sobre uma "nova modalidade de acesso às informações" sobre o comércio exterior, denominado Data Warehouse. O detalhamento dos dados, contudo, ficou abaixo das necessidades do Ibama. O presidente do órgão informou à Receita que a informação relativa à importação dos itens controlados para os anos de 2020 e 2021 "apresenta-se de forma agregada, sem individualização destas operações".
Dados não permitem identificar infratores, diz Ibama
Na prática, disse o Ibama, "com tais dados só é possível averiguar o cumprimento da meta total de destinação [dos resíduos], sem identificar CNPJs de descumpridores, com consequentes obstáculos para a responsabilização destes danos e do controle ambiental em anos posteriores".
Em julho de 2021, foi organizada uma reunião virtual entre representantes do Ibama e da Receita Federal. Na ocasião, os servidores da Receita disseram, segundo o órgão ambiental, que o compartilhamento dos dados "seria possível mediante a publicação de um ato do Ibama". Em dezembro de 2021, o Ibama publicou uma instrução normativa.
Mas em seguida o órgão disse ter sido informado que a nova norma "não era suficiente para acesso aos dados desagregados". O Ibama solicitou então acesso aos dados de importação e exportação de pneus para os anos 2020 e 2021, mas a mensagem "permanece sem resposta até o momento [fevereiro de 2022]".
Na carta à Receita, o Ibama também informou que "o Conama foi oficiado quanto à situação relatada, bem como a Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro), responsável pela verificação e lavratura de autos de infrações ambientais eventualmente identificadas pela Diqua relativas a pneumáticos".
Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior da coalizão de organizações não governamentais OC (Observatório do Clima), "não faz sentido nenhum o governo criar obstáculos para dados que ele mesmo já repassava - dados do governo, e o Ibama é governo - sobre uma taxa obrigada por lei".
"A TCFA é uma taxa criada em 2000 cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. [...] O STF reconheceu a constitucionalidade da TCFA há muito tempo. Impedir o acesso do Ibama às informações necessárias à cobrança do TCFA é omissão inaceitável."
Pedido do Ibama é "genérico", diz Receita
Em nota enviada à coluna, a Receita disse que, além de haver "sigilo fiscal" sobre os dados, o "pedido de informações" do Ibama foi "genérico". A nota, na íntegra, afirmou:
"Em resposta aos esclarecimentos solicitados, a Subsecretaria de Administração Aduaneira da Receita Federal informa ter enviado ao Ibama Nota datada de 18 de março de 2022, que destaca que os dados da declaração de importação estão protegidos por sigilo fiscal, pois tratam-se de informações sobre os negócios das empresas, assim como determinado pela Constituição da República Federativa do Brasil.
"Ademais, o Código Tributário Nacional condiciona em seus artigos 198 e 199 o atendimento da solicitação aos seguintes requisitos obrigatórios: deve ser formalizada por autoridade administrativa e no interesse da administração pública, estar comprovada a instauração regular de processo administrativo no órgão ou na entidade solicitante, ter como objetivo investigar o sujeito passivo a que se refere a informação solicitada, e ter por finalidade investigar prática de infração administrativa pelo sujeito passivo.
"Tendo em vista que a demanda trata de pedido genérico de informações sobre importadores de determinadas mercadorias, sem indicação de instauração regular de processo administrativo com as características requeridas pela legislação, a solicitação não pode ser atendida, pois não possui respaldo legal."
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