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Tales Faria

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Relatório só revela que chefia militar deve pedir perdão pelos últimos anos

Colunista do UOL

11/11/2022 09h19

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A primeira impressão minha e de boa parte da mídia e dos políticos, incluindo esquerdistas, direitistas e até a turma do centrão, foi de que o relatório das Forças Armadas não chegou a resultado algum sobre a auditoria que os militares fizeram nas urnas eletrônicas durante as eleições de 2022.

Mas não é bem assim. O relatório revelou algo: que os comandantes militares passaram o governo inteiro de Jair Bolsonaro alimentando, por atos e omissões, as expectativas golpistas de bolsonaristas desavisados e até mesmo do presidente da República.

Na quinta-feira, 10, depois de divulgado o relatório de auditoria das urnas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, corroborou essa impressão com uma nova nota.

O surpreendente texto afirma:

"Na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022."

Evidentemente trata-se de um texto sob encomenda para tentar aplacar a fúria de Bolsonaro e dos bolsonaristas com o fato de os militares terem simplesmente confirmado que não se comprovou fraude nas urnas eletrônicas. O presidente da República insistiu na existência de fraude durante todo o seu governo.

Após o primeiro turno, um encontro entre o ministro e o Bolsonaro levantou suspeitas de que Paulo Sérgio Nogueira teria repassado ao chefe resultados da fiscalização nas urnas apontando que não foram detectados problemas.

Não teria sido divulgado o documento por causa da insatisfação do mandatário do Planalto com o relatório que contrariava suas afirmações. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, decidiu, então, cobrar os documentos sob o seguinte argumento:

"As notícias de realização de auditoria das urnas pelas Forças Armadas, mediante entrega de relatório ao candidato à reeleição, parecem demonstrar a intenção de satisfazer a vontade eleitoral manifestada pelo chefe do Executivo, podendo caracterizar, em tese, desvio de finalidade e abuso de poder."

Diante das cobranças, o Ministério da Defesa acabou dizendo que divulgaria o resultado do que chama de "fiscalização" só depois do segundo turno.

O silêncio alimentou especulações de que poderia vir um resultado bombástico. As redes bolsonaristas e os aliados do presidente se encheram de gás. O próprio presidente do PL, Valdemar Costa Neto, declarou que só reconheceria o resultado da eleição depois de divulgado o relatório das Forças Armadas.

Afinal, segundo ele, se nada havia sido ainda divulgado, é porque tinha "alguma coisa".

A estratégia do suspense, junto com o sumiço do presidente, manteve por algum tempo nas estradas os caminhoneiros pagos por empresários bolsonaristas e manteve, por mais tempo, manifestantes incautos nas ruas de algumas cidades.

O silêncio dos militares também permitiu a alimentou a choradeira nos portões e nos muros dos quarteis pedindo "intervenção federal" (sic) contra o resultado das urnas.

Mas, ao final, o relatório teve que vir a público. E, como não poderia ser diferente, a montanha pariu um rato. Ou melhor: pariu essa última nota do Ministério da Defesa dizendo que nada concluiu.

O problema é que, por atos e omissões, os generais nomeados pelo presidente para ocupar os principais cargos da caserna — e até cargos da área civil — passaram o governo inteiro alimentando as expectativas golpistas de Bolsonaro e seus seguidores.

Com isso, jogaram no lixo a boa imagem conquistada nos anos de estabilidade democrática, civil, depois que desistiram da ditadura militar. Bolsonaro, que um dia foi acusado de tentar explodir áreas militares, agora explodiu de verdade a imagem das Forças.

O presidente transformou os comandantes da caserna numa espécie de centrão, capaz de baixar a cabeça e fazer qualquer coisa em troca das benesses do poder.

Foi por isso que, em seu discurso para parlamentares no auditório do Centro Cultural do Banco do Brasil, na quinta-feira, 10, Lula declarou que o presidente deve desculpas aos militares: por tê-los feito passar toda essa vergonha.

Lula tem razão. Mas não é só Bolsonaro quem deve desculpas. Os militares também precisam pedir perdão à nação por terem aceitado fazer o jogo de Bolsonaro durante todo este tempo.