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Thaís Oyama

A vez da Aeronáutica: o manifesto do Clube e o seu significado

General Heleno: apoio dos três clube militares à nota sobre as "consequências imprevisíveis" - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
General Heleno: apoio dos três clube militares à nota sobre as "consequências imprevisíveis" Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

29/05/2020 10h48

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O Clube da Aeronáutica — equivalente da força aérea ao Clube Militar, do Exército, e ao Clube Naval, da Marinha—divulgou nesta manhã um "manifesto" em que diz considerar "inconcebível e inadmissível" a interferência de um Poder da União sobre outro.

Na terça-feira, o Clube Naval da Marinha já havia manifestado apoio "integral" à nota em que o general Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, dizia que a eventual apreensão pela Justiça do telefone celular do presidente Bolsonaro poderia gerar "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".

Ao contrário do texto divulgado pelo Clube Naval, o manifesto do Clube da Aeronáutica não faz menção direta à mensagem de Heleno. Mas deixa claro que fala do mesmo assunto.

"Não há como nos alinharmos com aqueles que extrapolam ao descumprir princípios constitucionais, violando a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de pessoas (principalmente as que ocupam os mais altos cargos da República), gerando uma instabilidade institucional".

A Aeronáutica é, dentre as três Forças Armadas, a que mais resiste à ideia da "politização" dos militares. Essa postura chegou a causar um atrito aberto com o Exército em 2018, quando o então comandante da instituição, o general Eduardo Villas Bôas, divulgou um tuíte às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula afirmando repudiar "a impunidade". O tuíte gerou forte reação de ministros do Supremo Tribunal Federal, como Celso de Mello, que interpretaram a mensagem como uma tentativa de intimidação do Exército à Corte.

No dia da divulgação do texto, o então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Nivaldo Luiz Rossato, estava fora do Brasil. Ele havia acabado de pousar no Chile, para a abertura da Feira da Aeronáutica, quando soube do tuíte de Villas Bôas.

O comandante ficou tão contrariado que voltou no dia seguinte ao Brasil. Expressou sua insatisfação em boletim interno feito sob medida para ser vazado à imprensa. O boletim dizia, em alusão ao julgamento do HC de Lula, que o Brasil vivia um dos momentos mais importantes da sua história, e que, por isso, seria "muito importante que todos nós, militares da ativa ou da reserva, integrantes das Forças Armadas, sigamos fielmente à Constituição, sem nos empolgarmos a ponto de colocar nossas convicções pessoais acima daquelas das instituições."

Era uma clara repreensão ao comandante do Exército.

O Clube da Aeronáutica, como os demais clubes militares, é um reduto de oficiais da reserva. Mas guarda em relação aos seus similares algumas diferenças fundamentais.

Um militar com passagem pelo gabinete de comando afirma que, dada a distância regulamentar que a Aeronáutica mantém da política, dificilmente seu clube militar divulgaria o texto sem a ciência do comando da Força.

Um detalhe dirime qualquer dúvida sobre o fundamento dessa tese: o presidente do Clube da Aeronáutica, major-brigadeiro Marco Antonio Carballo Perez, é amigo da mesma turma de formação do atual comandante da Aeronáutica, tenente-Brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez. A cultura militar não permitiria que Perez assinasse um texto desse teor sem ao menos comunicar Bermudez.

Desta vez, portanto, ao contrário do que ocorreu em 2018, Aeronáutica e Exército podem estar falando a mesma língua.