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Thiago Herdy

REPORTAGEM

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Governo quer canal direto com plataformas para pedir retirada de conteúdo

Por meio da AGU, governo Lula quer canal direto com plataformas para pedir retirada de conteúdo - Agência Brasil
Por meio da AGU, governo Lula quer canal direto com plataformas para pedir retirada de conteúdo Imagem: Agência Brasil

Colunista do UOL

09/02/2023 04h00

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Por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), o governo Lula quer criar um canal direto com plataformas de internet e redes sociais para solicitar extrajudicialmente a retirada de conteúdo que considere prejudicial a um agente público ou a uma política pública.

O mecanismo é inspirado no canal estabelecido durante as eleições pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com as mesmas plataformas, para agilizar a retirada de textos, postagens, fotos ou vídeos que desequilibravam a disputa eleitoral ou era considerado desinformação, no entendimento do Judiciário.

Pela lei, a AGU tem mandato para atuar na defesa dos interesses de agente público ou do próprio governo federal em processos judiciais.

No primeiro dia da gestão Lula, o órgão instituiu uma Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), criada para atuar em sintonia com outros órgãos de governo - inclusive a Polícia Federal - e levar casos que envolvam desinformação, entre outros temas, ao Judiciário.

Nas últimas semanas, grupos de trabalho temáticos estão sendo formados com representantes de entidades da sociedade civil, plataformas e governo, para discutir uma minuta de regulamentação da nova procuradoria. O plano do governo é ter o texto concluído ainda neste primeiro semestre.

Uma das expectativas é conseguir estabelecer ritos de uma instância extrajudicial conciliatória com as plataformas, anterior à fase processual.

"Ainda não sabemos se isso vai ser possível. Qualquer medida neste sentido depende da adesão voluntária das plataformas", disse à coluna Flávio José Roman, adjunto do advogado-geral da União, Jorge Messias.

Ele entende que a criação de um ambiente propício à conciliação pode ser benéfico a ambas as partes - inclusive do ponto de vista econômico.

Canal semelhante estabelecido com o TSE previa a retirada de conteúdo que questionasse a legitimidade das eleições no Brasil e funcionou no segundo semestre do ano passado.

De um lado, técnicos do TSE pediam às plataformas a retirada de informação falsa que comprometesse a integridade do processo eleitoral. Do outro, representantes das plataformas avaliavam se os conteúdos encaminhados violavam suas políticas de uso.

Diante de análises divergentes em diversos casos, o TSE passou a determinar a retirada imediata de alguns conteúdos, na condição de órgão jurisdicional.

É diferente do caso da AGU - em caso de divergência, o segundo passo seria o debate na Justiça, onde a AGU atuaria apenas como uma das partes de um processo.

Definição de desinformação

A definição de critérios para um pedido de retirada de conteúdo no âmbito de um governo, em geral, é tema controverso. Em artigo em defesa da criação da nova procuradoria, Roman citou definição de desinformação mencionada em textos da União Europeia que buscam promover o debate sobre o tema.

Ali, desinformação "é conteúdo falso ou enganador, disseminado com a intenção de enganar ou de obter um benefício econômico ou político e que poderá causar danos públicos".

No entendimento de Roman, não haveria risco de se confundir crítica ácida, ou mesmo informação incorreta, mas transmitida de boa-fé, com desinformação.

No entanto, não estão claros os critérios para identificar a intencionalidade de quem transmite um texto. Nem os mecanismos a serem adotados para evitar o risco de tal estrutura ser utilizada como ferramenta de perseguição a adversários políticos ou censura a narrativas divergentes daquela que o governo considera correta.

Narrativas divergentes

Diretora do InternetLab, centro de pesquisas em direito e tecnologia, Heloisa Massaro defende que o impacto da atuação de um órgão governamental na livre circulação de informações seja objeto de debate amplificado, diante dos riscos de censura e de atentado à liberdade de expressão.

"É preciso entender que tipo de política seria aplicada. A plataforma aplicaria sua própria moderação de conteúdo? Qual seria o poder da AGU neste processo? Qual pode ser o impacto de uma pressão vinda de um governo sobre a plataforma?". questiona Massaro.

Ela lembra que, em geral, o olhar de um órgão como a AGU será sempre enviesado, a favor do governo. "Difícil que ela atue de forma neutra para avaliar o que é e o que não é desinformação. Isso coloca uma questão sobre se de fato um conteúdo sinalizado pela AGU é mais potencialmente violador, ou não", diz.

Massaro defende a intensificação do debate sobre a regulação das plataformas e critérios para a moderação, "tarefa logística imensa", em sua definição.

"Há pressão sobre as plataformas, criticadas tanto por removerem conteúdos demais ou de menos. Um arranjo desses enxuga gelo? Ou consegue de fato olhar para todo o sistema, descobrindo onde melhorar?", ela pergunta.

Lula e Bolsonaro

Ter a AGU como defensora de seus interesses é um direito de todo funcionário público, mas essa atuação é considerada polêmica quando colide com o direito de crítica a agente público.

Nos anos Bolsonaro, por exemplo, o órgão atuou em casos como os de chargistas que reproduziram uma imagem do presidente como um palhaço sendo empalado por um lápis ou o associaram ao nazismo.

Já no governo Lula, o órgão passou a mirar o outro campo: em representação encaminhada a entidades esportivas, a AGU pediu o banimento do esporte de um jogador de vôlei que sugeriu que o presidente levasse um tiro. O atleta apagou o post e pediu desculpas.