Thiago Herdy

Thiago Herdy

Reportagem

Assessores de Pacheco e Silveira atuam em loteamento registrado por laranja

Dois dos principais assessores do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), assumiram a gestão de uma empresa que é dona de 240 lotes no empreendimento Parques do Vale, em Caratinga (MG), e controlada por uma firma que foi registrada em nome de um laranja. Os lotes valem pelo menos R$ 114 milhões.

De acordo com documentos da Junta Comercial, a empresa Genesys Participações S/A, que é dona do empreendimento, tem como único sócio o técnico em segurança Humberto Silva Teixeira, de 45 anos, que vive em casa na viela do bairro de classe média Parque das Águas, em Ipatinga (MG).

O UOL apurou que ele não tem experiência no ramo imobiliário ou qualquer patrimônio que justifique sua participação no negócio.

A reportagem esteve no endereço de Humberto no último dia 15 de agosto, mas encontrou apenas sua esposa, a costureira Sheily de Almeida, de 46 anos. Perguntou se era possível o marido ser dono de um empreendimento como o Parques do Vale.

"Eu entendo (sua pergunta), é muito valor", disse ela.

A reportagem perguntou, então, por que o marido teria emprestado o nome ao empreendimento.

"Eu não sei te informar", ela afirmou, sugerindo que a reportagem procurasse Humberto.

Endereço em Ipatinga (MG) onde vive Humberto Silva Teixeira, dono de empreendimento avaliado em R$ 114 milhões
Endereço em Ipatinga (MG) onde vive Humberto Silva Teixeira, dono de empreendimento avaliado em R$ 114 milhões Imagem: André Porto/UOL

O Parques do Vale é dividido em áreas comerciais, residenciais e industriais. Corretores imobiliários no local oferecem lotes cujo valor do metro quadrado varia entre R$ 353 e R$ 577.

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De acordo com o cartório de imóveis de Caratinga, a Ibiporã é dona de 323,8 mil metros quadrados no empreendimento. Em estimativa pessimista, que considera o menor valor de metro quadrado praticado na região, um patrimônio avaliado em R$ 114 milhões. Se considerado o valor de metro quadrado mais caro, R$ 190 milhões.

A maior parte dos lotes à venda está registrada em nome da empresa Ibiporã Negócios Imobiliários, que é controlada pela Genesys, empresa de Humberto.

Dupla função

Desde abril deste ano a Ibiporã é administrada por Bruna Godinho, braço direito do senador por Minas Gerais e presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e lotada em seu escritório de apoio na capital mineira.

Apesar de cuidar da gestão administrativa do loteamento há pelo menos quatro meses, ela nunca recebeu salário da Ibiporã, apenas o rendimento como assessora do presidente do Senado.

A reportagem perguntou em 17 de agosto a Godinho, em Belo Horizonte, se ela era funcionária do Senado ou da Ibiporã. A funcionária informou que se manifestaria por e-mail.

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No mesmo dia, ela foi exonerada do cargo no gabinete de Pacheco. O ato foi publicado no dia seguinte, sexta-feira (18), no Diário Oficial.

Por escrito, ela informou não ter sido remunerada na Ibiporã por considerar estar em uma fase de "transição profissional".

Ao UOL, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que desconhecia o que classificou como "atividade privada" de sua assessora.

"O gabinete identificará se houve algum período em que a atividade privada coincidiu com a função pública e se o caso é de incompatibilidade e consequente obrigação de restituição de remuneração", informou, por meio de nota.

A trajetória de Godinho se alterna entre serviços prestados a Pacheco na vida pública do político e também na vida privada. Ela foi sua assessora parlamentar nos dois primeiros anos de mandato como deputado federal, entre 2015 e 2016.

Nos dois anos seguintes, passou a despachar como gerente financeira do escritório de advocacia de Pacheco, em Belo Horizonte.

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Em 2019, ela voltaria à atividade parlamentar, como assessora no Senado, com salário de R$ 9,5 mil e um adicional de R$ 1,3 mil a título de auxílio- alimentação. A família de Godinho é de Passos (MG), berço político de Pacheco.

A reportagem perguntou a ela quem a convidou para trabalhar na Ibiporã. Por e-mail, Godinho respondeu que foi o advogado José Júlio Costa Neto, braço direito e sócio do ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira.

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia Imagem: Pedro Gontijo/Agência Senado e Gabriela Biló/Folhapress

Advogado do ministro

Após ser contactado pela reportagem, Costa Neto disse que assumirá o lugar de Humberto como acionista principal da Genesys, por meio de uma empresa em seu nome, com 75% das ações. Outros 25% ficam em nome de um grupo de advogados.

A mudança no controle societário da Ibiporã dependia, segundo Costa Neto, da finalização de "providências formais na Junta Comercial". Ele não quis compartilhar os documentos que registram a mudança, alegando se tratar de "sociedades anônimas". Nem informar porque Humberto figurou até este mês de agosto como único sócio da empresa.

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Costa Neto é o principal assessor jurídico do ministro Silveira. Até o fim do ano passado, era sócio do político na empresa Alternativa Para Todos Participações e Empreendimentos, que tem como objeto compra e venda de imóveis próprios, entre outros.

Nos anos 2010, ele foi assessor parlamentar de Silveira na Câmara dos Deputados e vice-diretor geral da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, na época em que o político era secretário responsável pela área, no governo mineiro.

Quando Silveira e uma de suas empresas foram processados por improbidade administrativa, Costa Neto foi o responsável pela defesa jurídica da empresa.

Todos os contratos da candidatura do político a senador nas eleições de 2022 foram assinados por Costa Neto, na função de administrador financeiro da campanha.

Quando o UOL solicitou ao ministro esclarecimentos sobre seu patrimônio, no início deste ano, foi o advogado quem encaminhou as respostas por escrito, em um envelope entregue na redação do portal, em São Paulo.

Costa Neto e o dono da Genesys, Humberto, se conhecem há longa data. "Humberto trabalhava numa agência de carros aqui no lote atrás da nossa casa", contou o pai de Costa Neto, José Júlio Costa Filho.

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Ele diz sempre ouvir do filho que o segredo do sucesso é "ouvir muito e falar pouco".

"Ele é dessas pessoas que segura as ondas", define Costa Filho.

Por e-mail, Costa Neto disse à reportagem que Humberto é pessoa de sua "confiança". "Está ao meu lado no dia a dia da gestão do negócio", afirmou. Ele negou que Pacheco ou Silveira tenham participação no negócio.

Silveira também disse desconhecer os detalhes do negócio. Afirma ter sabido do assunto por meio de Costa Neto, "um amigo que no passado trabalhou pra mim", minimizou o ministro.

Sala onde fica a sede da empresa Ibiporã Negócios Imobiliários, em Belo Horizonte (MG)
Sala onde fica a sede da empresa Ibiporã Negócios Imobiliários, em Belo Horizonte (MG) Imagem: André Porto/UOL

A Ibiporã funciona na mesma dupla de salas em um prédio comercial na Pampulha, em Belo Horizonte, onde funcionava a construtora Oliveira Fortes, que pertence ao ministro Silveira. Não há placa de identificação na porta.

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A Ibiporã está localizada a um quarteirão da sede das outras empresas do ministro.

Alexandria

O projeto original do Parques do Vale ocupa uma área de 2,5 milhões de metros quadrados entre Caratinga e Ipatinga, no Vale do Aço, reduto político de Silveira. O empreendimento ficou conhecido na região no início dos anos 2010 por outro nome, graças à atuação do político a seu favor: Alexandria.

Silveira defendia o empreendimento em entrevistas e admitiu ter intermediado os primeiros encontros entre proprietários —os sócios da construtora Egesa — e políticos responsáveis por destravar as obras — entre eles, o então governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), segundo noticiou a imprensa na época.

Empreendimento Parques do Vale, em Caratinga (MG), avaliado em mais de R$ 114 milhões
Empreendimento Parques do Vale, em Caratinga (MG), avaliado em mais de R$ 114 milhões Imagem: André Porto/UOL

Por meio de uma empresa que detém em sociedade com a família de um tio — a Construtora Ambientalmente Sustentável (CAS)—, Silveira recebeu 40 lotes da construtora em 2013, na época avaliados em R$ 9,6 milhões, como pagamento por serviços prestados à Egesa.

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Atolada em dívidas, nos anos seguintes a Egesa cedeu a fundos de investimentos controlados pelo Bradesco, Santander e Banco Votorantim suas ações no empreendimento e, com isso, também a sua carteira de crédito de vendas de lotes. Em troca, quitou dívidas bancárias.

Em 3 de fevereiro deste ano, os fundos transferiram a totalidade de suas ações na Ibiporã à Genesys, a empresa de Humberto Silva Teixeira. Antes, retiraram R$ 14,2 milhões do caixa da empresa, metade do que havia disponível, de acordo com informações oficiais de balanço.

Sem ter que pagar qualquer quantia adicional, a Genesys assumiu o patrimônio milionário de lotes da Ibiporã, além de receber a empresa com R$ 14 milhões que haviam sobrado em caixa.

Por outro lado, assumiu o passivo judicial de compradores que processam o empreendimento pelo atraso na entrega de obras de infraestrutura.

Dona de lotes no local, a empresa do ministro é uma das que processava os bancos por esta razão, na época em que estavam à frente do negócio.

Quatro dias depois da entrada da Geneys, os advogados de Silveira peticionaram no Judiciário a renúncia dos direitos da ação. Com isso, o processo foi extinto.

Reportagem

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