Thiago Herdy

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Reportagem

Gestão Nunes ignorou descontos e pagou mais caro por obras emergenciais

A Prefeitura de São Paulo pagou mais caro do que o previsto nos processos de contratação de fornecedores para realizar obras emergenciais na cidade na gestão de Ricardo Nunes (MDB).

Em nove dos 50 contratos mais caros assinados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) entre 2021 e 2023, analisados pelo UOL, técnicos do órgão ignoraram os descontos ofertados pelas empresas convidadas a realizarem as obras e aprovaram pagamentos que levaram o município a gastar mais.

De acordo com o levantamento, o erro nestes contratos expôs a prefeitura a um prejuízo de pelo menos R$ 7.330.937,98.

Para realizar as obras emergenciais, a prefeitura convida três empresas a apresentarem preços e contrata aquela que oferece maior desconto na taxa BDI — termo usado na construção civil para se referir aos custos indiretos de uma obra, aplicados no orçamento final.

No entanto, no momento de fechar alguns destes contratos ou mesmo no processo de medição de obras em curso, o desconto foi ignorado nas planilhas de custo aprovadas com carimbo de fiscais da prefeitura.

Procurada pelo UOL, a administração confirmou o erro nos pagamentos e disse que buscou corrigi-los. Mas não soube explicar como e por que isso ocorreu.

"A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras está tomando as devidas providências para que todos os contratos sejam liquidados de acordo com o que foi contratado, com os respectivos descontos. As empresas foram acionadas, e os processos estão em fase de revisão administrativa", informou a prefeitura.

As obras emergenciais cresceram exponencialmente na gestão Nunes e consumiram quase R$ 5 bilhões entre 2021 e 2023.

Os nove contratos com problemas somam R$ 543,7 milhões e referem-se a obras para contenção de encostas, intervenções em margens de rios, córregos e galerias pluviais, recuperação de passarelas, pontes ou viadutos.

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O prejuízo a que a prefeitura ficou exposta, de R$ 7,3 milhões, equivale à despesa mensal pra manter 8.166 mil crianças em creches da cidade. Ou custear 133.289 refeições mensais em escolas do ensino fundamental.

A administração disse ter corrigido o erro no pagamento de obras que ainda estão em curso, ou seja, ainda têm pagamentos a ser realizados. Nestes casos, os valores a mais foram descontados de forma retroativa, em pagamentos recentes feitos às empresas.

Para obras já finalizadas, a prefeitura diz ter emitido seis guias de pagamento às empresas para devolução de valores pagos indevidamente, que somam R$ 1.120.691,79.

Indícios de combinação

Este não é o primeiro problema detectado nas obras emergenciais. Conforme noticiou o UOL em março deste ano, 223 dos 307 contratos desta modalidade assinados pela prefeitura nos últimos três anos têm indícios de conluio entre empresas. O caso é objeto de investigação na Corregedoria Geral do Município e no Ministério Público de São Paulo.

As revisões nos contratos com pagamentos irregulares só passaram a ocorrer após a publicação de texto apontando problemas nos contratos emergenciais. Na época, o UOL perguntou ao secretário porque alguns contratos haviam sido assinados com valores que desconsideravam o desconto de BDI oferecido pelas empresas.

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"Se não contemplou o BDI, está errado. Se você tiver uma situação dessas e puder informar, eu agradeço", disse o secretário.

Na semana seguinte, a reportagem encaminhou à Siurb uma lista de obras com registros de divergência, mas a administração negou ter havido qualquer erro na hora de pagar às empresas.

"O índice de desconto, para efeito de pagamento, é aplicado sobre os valores presentes nas medições das obras, e não nas planilhas orçamentárias. (...) Todos os processos tiveram os descontos conforme previsto na contratação", informou a prefeitura, na época, em nota.

Como processos de medição de obras têm acesso restrito, o UOL entrou com pedidos baseados na Lei de Acesso à Informação (LAI) para acessar os documentos e conferir se o que a prefeitura havia informado era verdade.

Não era.

Em nove dos 50 contratos mais caros a prefeitura havia pagado mais caro que o previsto no processo de contratação, mesmo após a medição.

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No fim de julho, a prefeitura foi informada sobre a persistência da divergência na aplicação do BDI. Desta vez, a administração admitiu a ocorrência do erro.

A prefeitura informou ter corrigido o pagamento feito em cinco dos nove contratos que ainda estão em curso, por meio de cobranças retroativas, "sem prejuízo aos cofres públicos".

Em dois dos nove contratos, encerrados desde o ano passado, a prefeitura informou que foram emitidas guias de pagamento às empresas, para que pagassem a diferença ocasionada pela não aplicação do BDI.

A construtora Almeida Sapata concordou em devolver R$ 823.507,23 à prefeitura; a empresa G20 Gerenciamento e Obras concordou em devolver R$ 56.504,74.

Outros dois contratos também já finalizados - com as fornecedoras FFL Sinalização, Comércio e Serviços e Arq Soluções em Serviços — tiveram processos de pedido de reembolso à prefeitura abertos somente no último dia 26 de julho, após o contato da reportagem.

De acordo com a prefeitura, nos dois casos as empresas serão notificadas para pagarem a diferença daquilo que foi pago a mais.

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"As empresas responsáveis por todas as contratações emergenciais da Siurb foram acionadas para uma averiguação de eventuais inconsistências na aplicação desses descontos", informou a administração.

Reportagem

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