Wálter Maierovitch

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Opinião

Lula pensa em si e ouve que na PGR é melhor ter o passarinho Aras na mão

Na democrática Constituição de 1988, o MP (Ministério Público) foi colocado no lugar que lhe competia. Foi alçado ao prestigioso capítulo reservado às instituições permanentes e de "funções essenciais à Justiça".

Todos sabem que compete ao MP a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Uma lembrança. No 8 de janeiro transato tivemos a tentativa frustrada de se pôr fim ao Estado de Direito e ao regime democrático.

Havia até minuta de golpe de Estado na residência do ex-ministro da Justiça. Mais ainda, havia na atmosfera acordes desafinados de banda jurídica a invocar o poder moderador do Exército.

Golpismo puro, sem nenhum dos instrumentalistas a enrubescer perante a obra de Benjamin Constant de Rebecque, criador da teoria do poder moderador. Poder que cabe apenas às monarquias constitucionais, conforme ensinou o seu idealizador.

Fim da triste lembrança. De volta à Constituição e ao Ministério Público.

Diante das fundamentais incumbências reservadas pela vigente Constituição ao MP, o cidadão-comum fica embasbacado com a investidura de Augusto Aras. Indicado duas vezes por Bolsonaro e aprovado pelo Senado, agora sonha com o terceiro mandato.

A lembrar Gonzaguinha, o brasileiro fica com "jeito de babaca". E até a se imaginar com "a bunda exposta na janela".

O mortal comum recorda Augusto Aras no governo Jair Bolsonaro (PL), como chefe do Ministério Público Federal, e projeta o que acontecerá caso mantido, agora pela vontade do presidente Lula (PT).

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Quando da leitura da Constituição, afirmava-se existir um quarto poder da República, ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário. Isso, ressalte-se mais uma vez, diante da importância adquirida pelo MP na nova Constituição.

Caso ainda vivos o filósofo John Locke e o jusfilósofo barão de La Brède e Montesquieu, talvez repensassem a teoria da tripartição fundamental dos Poderes do Estado e montassem um quadrado virtuoso.

Como complemento necessário: os membros do MP receberam da Constituição as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Como princípios constitucionais a alicerçar a instituição do Ministério Público, concedeu-se independência funcional, unidade e indivisibilidade.

Numa síntese, nada faltou ao MP para ser independente. O constituinte fez de tudo para não termos, nunca e jamais, um subserviente do tipo Augusto Aras. Ninguém a negociar a sua indicação para a chefia do Ministério Público Federal em troca da perda da independência funcional.

Nem pelas desumanidades, irresponsabilidades e crimes de Bolsonaro na pandemia a Procuradoria-Geral da República mostrou estar em defesa da sociedade e das leis.

Pulverizar a fim de transformar fatos suspeitos numa miríade de inquéritos desconectados, e depois arquivados, virou especialidade de Aras e os da sua equipe.

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Com Aras, o ex-presidente Bolsonaro ficou aliviado. Idem a família. Tão livre leve e solto que saiu, com carudurismo, para reaver tesouros apreendidos.

Quando da indicação de Aras, seu histórico de vida já era um desprestígio para o Ministério Público.

Aras, com a Constituição de 1988 em vigor, continuou a advogar, atividade incompatível com a função, importância e o novo papel institucional dado ao MP.

Para usar uma expressão da predileção da velha mídia dos jornalões, Aras usava dois chapéus. E os vestia conforme a conveniência. Como advogado um chapéu e, o outro diferente, ao se apresentar como membro do MP.

Por essa sua postura, Aras não gozava de nenhum prestígio junto ao Ministério Público.

A fim de se manter advogado, Aras alegava direito adquirido à luz da Constituição anterior. E o STF (Supremo Tribunal Federal) acolheu essa desprestigiosa tese do direito adquirido.

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Atenção, outra vez: zero era a chance de Aras integrar em lista tríplice de votação do MP federal. A famosa lista para encaminhamento, como sugestão, ao presidente da República. A propósito, Aras nunca ousou concorrer às eleições associativas internas para formação de sugestiva lista tríplice.

A verdade.

Pelo que fez como procurador-geral, e é visto como sabujo de Bolsonaro, o referido Aras oferece-se a continuar no governo Lula. Um escárnio.

Aras, como informou a Folha de S.Paulo, anda, em eventos públicos e solenes, a segurar as mãos de Lula, com carinho. No popular, integra o grupo de aduladores de mãos de veludo.

Lula, que já passou agruras no chamado Mensalão, pensa em si. Não pensa nos cidadãos desejosos do MP com procuradores-gerais, federal e estaduais, independentes e decentes.

Por outro lado, o senador Jaques Wagner, influente junto a Lula e ao seu partido, está se prestando, a espantar aqueles que o respeitavam, como cabo eleitoral de Aras.

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Filiados muito sérios do PT (Partido dos Trabalhadores) opõem-se à indicação e continuidade de Aras. Mas no mesmo PT são identificados os que assumem posição antecipada de suspeitos de futuras facaltruas, ou seja, os que só pensam em Aras como garantia de impunidades e de vista grossa aos malfeitos.

Diante de tal quadro e por incrível que possa parecer, fala-se abertamente ser melhor a Lula manter o passarinho Aras pousado na mão, do que arriscar se dar mal com pássaros em pleno voo livre.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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