Wálter Maierovitch

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Opinião

STF conclui julgamento sobre maconha, mas como fica o uso de cocaína?

O porte de cocaína para consumo pessoal e o uso lúdico recreativo e de outras drogas elencadas como proibidas ficaram, aparentemente, fora do julgamento concluído ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O STF, embora o ministro relator, Gilmar Mendes, tivesse tentado alargar o julgamento a incluir todas as drogas proibidas, ilícitas, deliberou-se ficar com o exame restrito à Cannabis sativa linnaeus, conhecida popularmente por maconha ou marijuana.

No jargão jurídico, limitou-se ao caso dos autos, mas, com repercussão geral, a vincular os demais juízes.

Aparentemente

No julgamento do caso concreto, por maioria, absolveu-se o recorrente surpreendido, em presídio, com pequena quantidade de erva canábica: três gramas de maconha, com tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo causador de perturbações no sistema nervoso central.

No caso, absolveu-se o recorrente pela conduta não ser criminosa: ser atípica criminalmente.

Como havia pedido do recorrente para se declarar a inconstitucionalidade de dispositivo de lei ordinária criminal pela qual recebeu condenação, o STF apreciou também a tese. A respeito, concluiu-se pela inconstitucionalidade.

Em resumo, concluiu o STF ser ilícito administrativo, e não crime, o porte de droga para uso pessoal, recreativo, lúdico.

Por evidente, o artigo interpretado e declarado como de natureza não criminal, vai valer não só para a maconha.

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Trata-se de problema de saúde pública e garantiram-se cláusulas pétreas de privacidade e intimidade. Ou seja, proibição administrativa e não criminal.

A lógica e a coerência

Pela tese estabelecida pelo STF não dá, logicamente, para se sustentar não caber aplicação à cocaína e outras drogas dadas como ilícitos criminais.

O foco lógico-jurídico foi a não criminalização e não o tipo de droga. Não está escrito no artigo 28 da Lei de Drogas nada a respeito da maconha. Está escrito sobre drogas ilícitas, proibidas.

Ora, ora.

Pela tese, é proibido, ilícito, o uso de drogas especificadas pela autoridade de saúde pública.

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O ilícito de portar drogas para uso tem natureza administrativa, concluiu acertadamente o STF. Não é criminal. Então, valerá para todas as drogas.

Talvez, pelo impacto e reação conservadora, o STF, com problema de perda crescente de credibilidade e prestígio entre os cidadãos, tenha tentado acalmar os ânimos. Com isso, deixou questões em aberto.

Mas, não vai dar para só deixar a proteção aos usuários de maconha, considerada droga leve desde 1970 e legalizada, depois da desastrosa política conhecida por "war on drugs" (guerra às drogas) em vários estados norte-americanos, após plebiscito.

Quantidade

Após fixar a tese, o STF deliberou sobre a quantidade de maconha, a distinguir o uso do tráfico, quando a apreensão limitar-se a porção reduzida. Reduzida e sem outros elementos para formulação de juízo apto à distinção entre uso próprio e tráfico. Para tal fim, estabeleceu 40 gramas da erva canábica

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O STF, também e sempre por maioria, admitiu, para uso próprio o cultivo de até seis pés de maconha macha, a espécie detentora do princípio ativo. Atenção: em vaso pequeno, o pé cresce pouco. No solo, chega a dois metros de altura e ramagem abundante.

Não se cuidou da gramatura da cocaína, embora declarasse o STF a ilicitude apenas administrativa.

O problema do arbítrio permanece, pois, nas cadeias, usuários de cocaína, apanhados com pequena quantidade, acabaram presos em flagrante e condenados por tráfico. Usou-se critério subjetivo largo e reprovado pelo STF, com relação à maconha.

O café holandês e a rotulagem

Na universitária cidade holandesa Ultrecht, no ano de 1969, o coffee-shop Sarasani despontou como o primeiro no planeta a colocar no seu cardápio, para consumo no interior do estabelecimento, o cigarro de maconha, autorizado pela legislação e autoridades administrativas.

Não se estabeleceu quantas gramas teria cada cigarro disponibilizados à venda. Mas, ficou posteriormente estabelecido, para toda a Holanda, um limite de venda diária de até meio quilo de maconha.

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Como se sabe, mais de 800 cafés chegaram a funcionar em toda a Holanda. E muitas restrições restaram levantadas quando se percebeu que o "turismo da maconha" e as "feiras canábicas" contribuíam significativamente para o aumento do produto interno bruto holandês.

Por exemplo: quando um governo conservador ascendeu ao poder, cogitou-se da obrigatoriedade, em cafés, do cadastramento do consumidor canábico de nacionalidade holandesa.

Cafés fecharam e a grande maioria de holandeses usuários de maconha não aceitou o cadastro e a "carteira de identidade de maconheiro". Mais ainda, não vingou a proposta legislativa de venda de cigarro de maconha apenas aos turistas, nos cafés.

Coloco tais fatos acima, referentes à Holanda, para fim comparativo. Isso em razão de o nosso Supremo Tribunal Federal (STF) haver fixado critérios quanto à gramatura e procedimentos. Frise-se, tudo depois de acertadamente decidir pela descriminalização do uso pessoal, lúdico recreativo e em local não público, da maconha

O nosso Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, como já mencionado acima, em fixar, depois de avaliar diversos critérios em optar, por maioria, pelo estabelecido na legislação uruguaia, ou seja, 40 gramas de maconha como quantidade a distinguir, como regra, o usuário do traficante.

Essa regra sofre exceções, pois outros fatos circunstanciais podem surgir, no caso concreto, como indícios de tráfico. Por exemplo, quantidade exagerada de palha ou papel gomado, usados na elaboração do cigarro. Ou, balança para pesagem na posse do detido.

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O STF, portanto, deixou em aberto para a autoridade de polícia judiciária, ainda que a apreensão não ultrapasse a 40 gramas, concluir tratar-se de traficante e não usuário.

Na decisão, outros procedimentos, a título de transição e até a vinda de regramentos por legislação e portarias do Conselho Nacional de Justiça, ficaram estabelecidos. Por exemplo, o documento a ser lavrado e o encaminhamento aos juizados.

Bandeira branca

Importante, no início da sessão que foi final, o alerta dado pelo ministro presidente, Roberto Barroso. Na verdade, uma chamada à razão em face da grita de parlamentares a respeito de o STF estar a invadir competência exclusiva do Legislativo.

Barroso frisou que não se estava a legislar, mas, legitimamente e diante de um caso concreto, a estabelecer, pela repercussão geral afirmada pela Corte, critérios aos magistrados, diante de situação a exigir orientação pela jurisprudência.

O presidente Barroso referia-se à quantidade da maconha apreendida e aos regramentos, incluída a advertência com relação a eventual abuso de poder pelas autoridades, ou seja, juízos arbitrários como, por exemplo, tentativa de fuga, cor da pele, etc.
Com o alerta, o ministro Barroso, com clareza, mostrou a bandeira branca e jogou um balde de água fria naqueles, à frente o presidente do Senado, que estão a usar o tema com objetivos eleitoreiros.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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