O oportunismo de Moraes e a cortina de fumaça

O ministro Alexandre de Moraes dá sinais inequívocos de não desejar largar as funções inquisitoriais.
Moraes, com unhas e dentes, agarra-se, para manter a designação de inquisidor, ao estilo Tomás Torquemada.
Parêntese. Refiro-me ao supremo inquisidor da Igreja, perseguidor e julgador de hereges e de cristãos-novos, os chamados marranos (judeus) e mouriscos (islâmicos). Fechado parêntese.
Atenção: para o ministro Moraes, existe uma organização criminosa que objetiva a cassação dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Também pretende a organização criminosa o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição.
Aí, está a cortina de fumaça, a servir de justificativa para se manter o sistema inquisitorial inventado por portaria do Dias Toffoli, quando presidente do STF.
Aí, surge a pergunta que não quer calar.
Por que Moraes, diante do que afirmou, não decreta a prisão preventiva do chefe dessa organização criminosa voltada a apropriar-se do Brasil ?
Por partes.
Organização criminosa
O ex-presidente Jair Bolsonaro quis dar um golpe de Estado, acabar com a democracia e o estado de Direito. Dois chefes militares, do Exército e da Aeronáutica, não toparam, impediram. Então, partiu-se para o uso de massa de manobra ignara, como visto no 8 de janeiro passado.
Bolsonaro, cassado por meio de devido processo legal pela Justiça Eleitoral, continua ativo e até prepara, com farta munição que lhe propicia diariamente o ministro Moraes, uma manifestação delirante.
O antidemocrático e golpista Bolsonaro convocar manifestação de 7 de setembro para a defesa da democracia é arrematado contra-senso, um estelionato a enganar incautos.
Mas, volto ao ponto.
Fora Bolsonaro, que está com a cidadania passiva cassada (não pode ser votado) e não possui condição mínima para tentar dar golpe, não existe nenhum outro brasileiro com potencial para comandar e manter uma organização criminosa destruidora, como a anunciada por Moraes.
Com longos e intermináveis inquéritos nas mãos, Moraes, que faz afirmação de existência de organização criminosa com objetivos antidemocráticos, deveria decretar prisões.
Moraes não impõe prisões por quê?
Moraes poupa cachorro grande
A lei penal tipifica os crimes contra a paz pública. Uma organização criminosa, pela lei, atenta à tranquilidade social. Pelo afirmado pelo ministro Moraes, trata-se de organização permanente e estável.
A verdade, no entanto, é não estar Jair Bolsonaro sendo processado criminalmente.
Bolsonaro, até o momento, foi apenas, justa e legalmente, indiciado em dois inquéritos policiais.
O ex-capitão continua intocável em termos de suportar, na condição de réu, ações penais públicas. Como se diz no popular e estamos a assistir, "não se mexe com cachorro grande".
Pelo jeito, interessa a Moraes a não repressão efetiva contra Bolsonaro e o seu primeiro escalão.
Bolsonaro, repita-se, continua livre, leve e solto. E segundo Moraes, existe uma organização criminosa, - e ele não nomina os integrantes-, atuando para "cassar ministros" (referência a impeachment), fechar o STF e impor uma ditadura ao nosso país.
Pecado original
Moraes agarrou-se à inconstitucional portaria de Dias Toffoli, que lhe conferiu, - sem sorteio —, poderes ilimitados, inquisitoriais.
A inconstitucional portaria toffoliana restou referendada em sessão plenária do STF. O Supremo, ao invés dos caminhos oferecidos pelo estado de Direito, o estado das leis, preferiu criar os próprios instrumentos de autodefesa, com Moraes à frente.
Com isso tudo afrontou-se o sistema processual constitucional de partes, onde o juiz não apura, carece de provocação, e julga com imparcialidade.
Afrontou-se, ainda, o princípio do juiz natural, pois o STF passou a ser competente para aquilo que seleciona. Criou-se, até, o foro privilegiado da vítima, como, por exemplo, o caso a envolver Moraes no aeroporto de Roma.
Pior, e como volta a acontecer no mais novo inquérito requisitado por Moraes, o ministro imagina ser legítimo atuar quando aparece como interessado.
Inquérito novo
Com base no informado em três matérias do jornal Folha de S.Paulo, o ministro Moraes, à época com duas togas ( inquisidor por Portaria toffoliana do STF e presidente do TSE), mandava produzir relatórios para decidir contra àqueles que identificava inimigos da democracia e adeptos do golpismo.
Pelas matérias e à luz da Constituição e das leis, contra o ministro Moraes existe a forte suspeita de haver atuado com abuso de poder e desvio de função.
Sem enxergar isso, veio a requisição de inquérito para fazer cortina de fumaça aos referidos abuso de poder e desvio de função, mantida a função inquisitorial, por tempo indeterminado.
Moraes quer saber quem teve a ousadia criminosa de quebrar sigilo e entregar para a Folha de S.Paulo as suas condutas inquisitoriais. E no inquérito, a vítima será o Estado, na figura de Moraes.
Para qualquer inquisidor, impedimento e suspeição não contam, pois pode tudo.
Vícios
Como a imparcialidade é condição imanente à função de um juiz, cabe a ele repassar ao Ministério Público informação sobre notícia de crime, para as providências pelo procurador-natural (promotor natural).
Assim, estará o Ministério Público a atuar e não o juiz a obrigar a instauração de inquérito.
Por muito útil, convém recordar a advertência feita pelo saudoso professor José Frederico Marques, nome consagrado no campo do direito processual penal.
Frederico Marques ressaltou ser o inquérito policial "um procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal".
O inquérito serve de base à propositura da ação penal pública pelo Ministério Público.
Em outras palavras, o próprio Moraes, - e o procurador-geral Paulo Gonet teve o secundário papel de endosso-, requisitou (ordenou) a abertura de inquérito. E é o grande interessado.
Não se está a dizer não poder o juiz requisitar a instauração de inquérito.
Se está a dizer que Moraes, pelo envolvimento nos fatos em face de sua atuação inquisitorial inconstitucional, fez requisição em causa própria, mascarada de busca de autoria e materialidade de vazamento de informação sigilosa.
Moraes requisitou, vai acompanhar e decidir. O mesmo ciclo viciado de sempre, verificáveis em inquéritos onde cabe tudo, incluídos fatos novos e outros.
Interesse de Moraes
O olhar técnico isento, em face das matérias apresentadas pela Folha de S.Paulo, revela, em tese, haver Moraes atuado com abuso de poder e com desvio das suas funções.
O jornal Folha de S. Paulo, em três edições, informou, por matérias assinadas pelos jornalistas Fabio Serapião e Gleen Greenwald, condutas estranhas a envolver o ministro Moraes, dois auxiliares do seu gabinete do STF, ambos em cumprimento às ordens de Moraes, e um setor de repressão à desinformação eleitoral do TSE, à época presidido pelo próprio ministro Moraes.
A respeito da matéria da Folha de S.Paulo, o ministro Moraes está envolvido, até com o brilho da sua calva, pois impossível, no caso em concreto, usar a expressão até a raiz do cabelo.
Envolvido em inconstitucionalidades e ilegalidades: mandar produzir relatórios contra desafetos para, depois, decidir, com imposição de sanções.
Pano rápido. Claro como a luz do sol, a vedação legal de Moraes atuar em caso onde existe o seu interesse. Só um inquisidor, volto a frisar, não reconhece impedimento e suspeição.
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