Votar não deveria ser obrigatório; votos brancos e nulos sequer contam
Num sistema de voto direto, a introdução de dois turnos em grandes centros urbanos significou aperfeiçoamento democrático.
Mas, o Brasil precisa dar outro passo.
Obrigar o cidadão a votar, quer no primeiro, e especialmente no segundo turno, não é democrático.
O cidadão, numa democracia liberal, tem o direito de não se interessar em votar. Por exemplo, aguardar a decisão da maioria dos que se dispuseram a votar ou ficar em casa por não se entusiasmar com os candidatos apresentados pelos partidos políticos.
Vamos a um exemplo prático. Na esquisita eleição paulistana, onde a Justiça eleitoral errou ao não impedir cautelarmente o desqualificado Pablo Marçal de concorrer, a candidata Tabata Amaral ocupou o quarto lugar com 605.498 votos.
Muitos dos seus eleitores não migrarão os votos para os dois finalistas, Ricardo Nunes e Guilherme Boulos. Apertarão na urna eletrônica o botão do voto em branco ou digitarão um número inválido para gerar nulidade.
Nos dois casos, branco e nulo, os votos não serão considerados válidos. Em resumo, serão um nada.
A obrigatoriedade, na hipótese, é incivil, pois o cidadão irá se deslocar à zona eleitoral para não ter o voto validado.
A lembrar que ainda temos doutrinadores, mundo afora e nos campos do direito constitucional e eleitoral, a considerar o voto um dever cívico.
Cívico, pasmem, quando a escolha, branco ou nulo, não valerá nada.
Atenção: não passa de lenda a afirmação de ocorrer anulação da eleição quando brancos e nulos representarem a maioria.
A lembrar. Certa vez, na França, muitos eleitores, tendo em vista a qualidade dos concorrentes, preferiram permanecer em casa ou ir à praia.
Não fossem o segundo turno e a consciência cívica, a direita radical, de matriz nazifascista com Jean-Marie Le Pen e a filha Marine à frente, teria ganho.
Daí, surgiram — entre os que defendem a obrigatoriedade do voto — os que passaram a falar na existência do "partido abstencionista".
Os mais exagerados, ainda no tema da obrigatoriedade do voto, destacam o ato de votar como dever ético dos que vivem em país democrático.
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Quero receberA levar o dardo da participação mais adiante, temos os seguintes argumentos tirados dos constitucionalistas italianos - onde a eleição do presidente da República é feita pelos parlamentares: a obrigatoriedade serve para unir a comunidade; outorga legitimação às instituições; reconhece o valor democrático da representação popular.
Com efeito. Aqueles obrigados a votar e que não votarão nem em Nunes, nem em Boulos, terão apenas de "cumprir tabela", como se diz em linguagem futebolística quando a partida não vale nada em termos de liderança.
Democracias maduras
Como regra, o voto no Brasil é obrigatório e gera sanções. Muitos juristas brasileiros consideram a obrigatoriedade legítima por tratar-se de dever legal.
Outros — e volto à bandeira da democracia liberal, e a exemplificar com democracias consolidadas, por exemplo, EUA e Reino Unido — consideram o ato de votar um direito que pode não ser exercitado: direito de ter voto, sem obrigação de ir votar.
Em outras palavras, concluem ser legítimo não se interessar diante do quadro eleitoral apresentado: partidos incapazes de oferecer candidatos e motivar os eleitores. A abstenção estaria a significar maturidade e civilidade.
Atenção. No longo período do fascismo italiano (1922 a 1943), Mussolini não só impôs o voto obrigatório. Era crime não comparecer para votar.
Tem mais, o voto é obrigatório nas ditaduras e em regimes de partido único, como ocorre na República da China.
Num pano rápido. Votar deve ser visto como um direito do cidadão, mas não sendo obrigação-dever o comparecimento.
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