Lula não disse querer implantar comunismo chinês no Brasil
Conteúdo investigado: Vídeo editado, publicado no Kwai, une imagens de agressões realizadas contra funcionários de um banco chinês durante um treinamento de coaching a falas do ex-presidente Lula, durante entrevista a um jornal da China. A edição dá a entender que o petista defende a implementação de um regime comunista no Brasil. Sobre as imagens das agressões, está escrito: "Lula diz que quer implementar o comunismo chinês no Brasil. Veja como o trabalhador é tratado na China".
Onde foi publicado: Kwai.
Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo que sugere que o ex-presidente Lula quer implementar um regime comunista no Brasil, caso seja vença a eleição presidencial de outubro deste ano. Diferentemente do que alega o conteúdo aqui verificado, o petista não disse ter a pretensão de adotar um regime comunista a exemplo do que é praticado na China.
O vídeo junta trechos de dois conteúdos diferentes. Um deles mostra imagens de um episódio de agressões a funcionários de um banco chinês. Outro trecho traz falas elogiosas do petista ao governo daquele país. Um texto sobreposto às imagens sugere que as agressões são uma prática institucionalizada pelo regime comunista chinês e tenta associá-las aos elogios do ex-presidente.
"A China tem um partido que tem poder, tem um Estado forte, que toma decisões e que as pessoas cumprem. Coisa que nós não temos aqui no Brasil. Eu acho que a China é um exemplo para desenvolvimento para o mundo [?]", diz o petista em trecho destacado no vídeo. Outro corte no vídeo complementa a fala de Lula com o seguinte trecho: "Mas eu tenho muita fé, muita esperança que vamos conseguir fazer isso a partir de 2022", levando a entender que o ex-presidente espera implementar as agressões exibidas.
Na verdade, quando Lula fez essa afirmação, ele se referia à necessidade de os países em desenvolvimento terem independência em relação à política cambial influenciada pelos Estados Unidos. E acrescenta: "Eu trabalhei muito com o Hu Jintao [ex-presidente da China] a necessidade de uma relação Sul-Sul. Não ficar dependendo do Norte como nós estamos dependendo. Lamentavelmente, a gente não conseguiu chegar lá, mas eu tenho muita fé, muita esperança que nós vamos conseguir fazer isso a partir de 2022."
No vídeo completo da entrevista, publicado no dia 7 de julho de 2021, Lula elogia o governo chinês em relação ao desenvolvimento econômico, condução de medidas adotadas durante a pandemia da covid-19 e investimentos feitos em áreas estruturantes daquele país.
Ele não emite elogios à punição física dos funcionários do banco durante treinamento de coaching realizado pela própria empresa. O caso teve repercussão internacional em 2016, e dois executivos do banco foram suspensos.
Para o Comprova, é enganoso o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 20 de julho, o vídeo teve 136,6 mil visualizações, 1 mil comentários, 4,5 mil curtidas e 6,3 mil compartilhamentos.
O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com o responsável pela publicação por meio de mensagem no aplicativo Kwai, mas não houve retorno. Não foram encontrados perfis do autor em outras redes sociais.
Como verificamos: Para fazer a verificação, o Comprova pesquisou no Google pelos termos "Lula", "entrevista" e "jornal chinês". Acessou no YouTube a transmissão da entrevista, realizada no dia 7 de julho de 2021, e procurou matérias de veículos de comunicação (Globo, People's Daily China, BBC News e Reuters) sobre a punição a funcionários do banco chinês no mês de junho de 2016.
Também foram acessadas checagens anteriores envolvendo a entrevista do ex-presidente, feitas pelo próprio Comprova, pela AFP Checamos e pelo site Boatos.org.
Reportagem sobre abusos a trabalhadores na China
O vídeo enganoso tem início com a exibição de uma reportagem veiculada pela Globo em 21 de junho de 2016. As imagens mostram oito funcionários de um banco em Changzhi, cidade no norte da China, sendo agredidos por terem apresentado um desempenho ruim no trabalho. A gravação foi divulgada na internet, pela primeira vez, no Facebook do jornal People's Daily, da China, um dia antes, em 20 de junho.
Na época, o caso repercutiu internacionalmente (O Globo, Globo News, BBC News, Reuters) e dois executivos do banco foram suspensos.
Segundo as reportagens, as agressões ocorreram em uma sessão de treinamento para mais de 200 funcionários no Changzhi Zhangze Rural Commercial Bank. O instrutor do curso Jiang Yang emitiu um pedido de desculpas, dizendo que o espancamento foi "um modelo de treinamento" que ele já aplicava durante anos, e não tinha sido instigado pelos líderes do banco.
Conforme reportou a BBC News, o governo local de Changzhi publicou uma declaração afirmando que o Sindicato das Cooperativas de Crédito Rural de Shanxi (ou Shanxi Rural Credit Cooperatives Union, em inglês), que regulamenta o banco, havia criado um grupo para investigar o incidente.
De acordo com o documento do governo de Changzhi, o presidente e o vice-governador do banco foram suspensos por "não terem verificado estritamente o conteúdo do curso", e o banco deveria auxiliar os funcionários a buscarem uma compensação junto à empresa de treinamento.
Entrevista de Lula
No conteúdo investigado, após a reportagem da Globo sobre as agressões, o vídeo é cortado e passa a exibir trechos da entrevista do ex-presidente Lula ao jornal chinês Guancha, em julho de 2021. Na conversa, o petista elogia o governo da China em resposta ao questionamento de como o país conseguiu evoluir mais do que as outras nações integrantes do Brics. O bloco é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Durante a entrevista, que durou pouco mais de 51 minutos, Lula abordou diversos temas, como o combate à pandemia do coronavírus, investimentos na educação e a evolução econômica do país. A conversa foi noticiada pela imprensa brasileira (Folha e Poder360) e também foi compartilhada no canal do YouTube do ex-presidente.
Em nenhum momento Lula fala sobre as agressões aos trabalhadores do banco chinês, assim como não diz que pretende implantar o comunismo no Brasil caso seja eleito em 2022.
Trechos da entrevista foram usados fora de contexto
Ao contrário do que sugere o conteúdo, que tem semelhanças com outra checagem feita pelo Comprova, não é verdade que o petista tenha dito que poderá implantar restrições autoritárias inspiradas na China.
A publicação checada edita o vídeo das agressões com a inserção de falas do ex-presidente Lula ao entrevistador Eric Li, do jornal chinês Guancha, quando o petista elogiou o governo chinês em temas como a economia, condução das ações contra o avanço da covid-19 e investimentos na educação. No entanto, ele não disse que pretendia adotar algum modelo utilizado pelo governo chinês, inclusive no que diz respeito ao tratamento aos trabalhadores, como sugere o vídeo checado.
Há uma distorção em trechos da fala do ex-presidente. Na primeira vez em que a peça de desinformação semelhante circulou acompanhada do trecho da entrevista de Lula, ela era relacionada a questões religiosas da China. Agora, o mesmo conteúdo voltou a ser divulgado em redes sociais sob a tônica de que o petista quer implantar o comunismo chinês no Brasil.
A fala destacada no vídeo aqui verificado para indicar que Lula pretende implantar o comunismo é, na verdade, uma resposta do petista à pergunta sobre o porquê de apenas a China, dentre os países do Brics, ter conseguido se desenvolver economicamente.
"A China tem o Estado forte, que toma decisões e que as pessoas cumprem", conduta que, segundo ele, não ocorre no Brasil. Em seguida, o ex-presidente enaltece o país chinês pelo combate à pandemia de covid-19: "A China só conseguiu combater o coronavírus com a rapidez que combateu porque tem um partido forte, um Estado forte. Porque tem pulso, tem voz de comando, nós não temos isso aqui no Brasil."
O outro segmento da fala do ex-presidente que está fora de contexto é a seguinte frase: "A China é um exemplo para o mundo. E eu espero que outros países aprendam a lição com a China. Tenho muita fé, muita esperança, que vamos conseguir fazer isso, a partir de 2022."
Neste trecho final, na verdade, o ex-presidente elogia o desenvolvimento econômico da China nos últimos 20 anos. "Eu acho que a China é um exemplo de desenvolvimento para o mundo. E eu espero que outros países aprendam a lição com a China para que a gente possa ser mais rico, ser mais forte, ter mais distribuição de riqueza e ter um mundo mais humano."
Por fim, quando afirma que tem "muita fé, muita esperança, que vamos conseguir fazer isso, a partir de 2022", Lula se refere à independência dos países do sul global, que são nações em desenvolvimento, em relação à política cambial influenciada pelo dólar.
"Eu trabalhei muito com o Hu Jintao [ex-presidente da China] a necessidade de uma relação Sul-Sul. Não ficar dependendo do Norte como nós estamos dependendo. Lamentavelmente, a gente não conseguiu chegar lá, mas eu tenho muita fé, muita esperança que nós vamos conseguir fazer isso a partir de 2022."
Esse trecho inteiro pode ser conferido entre os minutos 00:20:55 e 00:22:06 da entrevista original.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O vídeo aqui verificado cita o ex-presidente e pré-candidato à presidência Lula. Informações falsas que envolvem atores políticos são prejudiciais ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras.
Outras checagens sobre o tema: A entrevista do ex-presidente Lula ao Guancha já foi deturpada e utilizada em peças de desinformação semelhantes que foram alvo de checagens do Estadão Verifica, da AFP e do site Boatos.org.
Em verificações anteriores envolvendo o pré-candidato ao Planalto, o Comprova mostrou que post mente ao tentar associar Lula e Manuela D'Ávila a facada contra Bolsonaro, que é falso que Lula e presidente eleito da Colômbia queiram obrigar pessoas a dividir casa com outras famílias e que postagem usa foto de atos sem presença de Lula para tentar desacreditar pesquisas eleitorais.
Este conteúdo foi investigado por Jornal do Commercio e Plural Curitiba. A investigação foi verificada por Metrópoles, CNN Brasil, Band News FM, Correio Braziliense, A Gazeta, SBT, SBT News, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Popular, O Povo, Nexo e O DIA. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 20 de julho de 2022.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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