Não há registro no TSE de suposta pesquisa que impede voto em Bolsonaro
Conteúdo investigado: É enganoso um vídeo que circula na internet no qual uma suposta pesquisa eleitoral, feita por chamada de telefone automática, não permite ao entrevistado declarar intenção de voto no presidente Jair Bolsonaro (PL) em eventual segundo turno contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A pessoa que divulgou o vídeo afirma que "assim fica fácil manipular".
Onde foi publicado: Twitter e Facebook.
Conclusão do Comprova: O vídeo que mostra uma suposta pesquisa eleitoral fraudulenta sendo feita por telefone não pode ser utilizado para desacreditar as pesquisas eleitorais feitas no país, como insinuam, de maneira enganosa, postagens no Twitter e no Facebook. Para uma pesquisa eleitoral ser considerada oficial e, logo, poder ser divulgada à sociedade, ela precisa ser registrada no TSE. Isso implica seguir normas que, no caso das eleições deste ano, estão definidas na Resolução Nº 23.600/2019, do próprio tribunal.
Nos registros do TSE das pesquisas para as eleições deste ano, não há nenhuma com as características daquela apresentada no vídeo verificado: ser conduzida por chamada de telefone com gravação automatizada e ter a pergunta "e se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?".
Nenhuma das pesquisas registradas no TSE que utilizaram gravação automatizada de voz, por telefone, e responsiva a dígitos no teclado do aparelho, utiliza a mesma pergunta que aparece no vídeo verificado. Já o número de telefone que aparece no vídeo não pode ser identificado.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O tuíte verificado tem 9.440 curtidas e 621 comentários. Ele foi retuitado 4.612 vezes. O tuíte repercutiu também no Facebook, onde foi compartilhado 362 vezes a partir de 26 postagens feitas por cerca de 20 páginas diferentes, que somam mais de 2,3 milhões de seguidores. Os dados foram atualizados às 10h10 de domingo (14).
O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com o empresário Paulo Filippus, autor do tuíte verificado. Nele, Filippus sugere que houve manipulação no levantamento. "Pesquisa por telefone não aceita o voto em Bolsonaro. Assim fica fácil manipular." E continua: "É urgente que identifiquem a empresa que disparou essas ligações por telefone (64) 3055-7296 e os responsabilizem por essas manipulações. Isso não pode passar batido".
Questionado sobre a origem da gravação, ele não respondeu, apenas informou que o intuito da postagem era "pedir para que as autoridades identifiquem a empresa responsável pela ligação e lhe questionem sobre o vídeo. Nada mais que isso", disse.
Já o usuário do Twitter Osvaldo Lima Jr., que fez a publicação mais antiga identificada — em 27 de julho, às 6h34 —, foi procurado, mas não respondeu.
Como verificamos: O Comprova baixou o vídeo com auxílio da página Save from Net e o inseriu na ferramenta InVid, que separa frames e permite a busca reversa por imagens do vídeo na internet. A análise trouxe outras postagens do mesmo vídeo e uma checagem da Reuters sobre o material.
Com uso do identificador de chamadas TrueCaller, foi possível constatar que o número estava registrado na cidade de Rio Verde, Goiás. Foram acionados, então, órgãos e empresas com o intuito de identificar o responsável pelo telefone: a Junta Comercial de GO, o Procon-GO, a Anatel e a operadora Vivo. O TSE e o Ministério Público Eleitoral (MPE) também foram procurados, para saber se haviam recebido denúncias sobre a pesquisa ou se o telefone estava vinculado a alguma empresa de pesquisa cadastrada no tribunal.
O Comprova tentou localizar algum CNPJ vinculado ao telefone no motor de busca Aleph, do consórcio de jornalismo investigativo OCCRP, e em outros sites na internet. Telefonemas foram feitos para o número, mas a ligação nunca completou.
A equipe ainda buscou os autores da postagem e acessou o banco de dados do TSE com o intuito de analisar se havia registro de alguma pesquisa eleitoral com as características que aparecem no vídeo verificado: feita por gravação automatizada de voz, capaz de responder a dígitos no teclado do telefone, e com a pergunta "E se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?".
Para tanto, foram analisadas, por buscas por palavras-chave, todas as planilhas em CSV com informações sobre as pesquisas registradas neste ano no TSE e todos os questionários aplicados por essas pesquisas.
As planilhas foram consultadas com utilização do programa RS Studio, para análise somente da coluna com informações sobre a metodologia empregada. Já os questionários, que estão em PDF e são 945 no total, foram baixados e inseridos no programa Pinpoint, que permite a busca por palavras-chave em arquivos no formato.
Pesquisa não foi registrada no TSE e não pode ser divulgada
As pesquisas eleitorais divulgadas à sociedade devem ser obrigatoriamente registradas no TSE, conforme a Resolução: 23.600/2019. O banco de dados com todos os registros feitos neste ano pode ser consultado no Portal Dados Abertos do TSE, em 'Pesquisas Eleitorais - Atual'.
Em consulta ao site, não foi localizada nenhuma pesquisa com as duas características da que aparece no vídeo. Primeiro, ser feita por sistema URA, ou unidade de resposta audível (gravação automatizada capaz de identificar dígitos e voz), e, segundo, conter a pergunta "E se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?".
Portanto, por lei, tendo sido fraudada ou não, a suposta pesquisa do vídeo não pode ser divulgada ao público. Caso seja, as penas aplicáveis são as descritas na própria Resolução: 23.600/2019:
- Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita as pessoas responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.
- Art. 18. A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.
Análise das pesquisas no banco de dados
No Portal Dados Abertos do TSE, é possível baixar todos os questionários submetidos aos eleitores nas pesquisas registradas, ou seja, que estão autorizadas a serem divulgadas ao público. O teor dos questionários é uma das informações obrigatórias que a empresa ou instituto de pesquisa deve prestar no ato do registro.
O Comprova baixou todos os questionários, um total de 945 arquivos em PDF, e fez o upload deles no programa Pinpoint, do Google, que permite a busca por palavras-chave em PDFs. As buscas que apresentaram resultados foram feitas com os termos "URA" (6 resultados) e "ligação" (26).
Consultamos todos esses questionários, que foram submetidos a eleitores em pesquisas feitas pelo Instituto Goiás Pesquisas e pelo PoderData. É possível constatar que, nelas, foi utilizado sistema de gravação automatizada responsiva a dígitos no teclado do telefone, como na suposta pesquisa do vídeo investigado:
- "A plataforma de pesquisa via Sistema URA identifica e registra no banco de respostas informações dos log's de dados das pesquisas finalizadas e completas" (questionário do Instituto Goiás Pesquisas).
- "Olá, esta é uma ligação do PoderData. Estamos conversando com pessoas de todo o país sobre assuntos da atualidade. Posso tomar poucos minutos do seu tempo para fazer algumas perguntas? Basta usar o teclado do telefone para escolher as respostas. Se quiser ouvir as opções novamente use sempre a tecla ZERO". (questionário do PoderData).
No entanto, as perguntas que constam nos documentos diferem da feita na gravação mostrada no vídeo verificado ("E se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?").
- Goiás Pesquisas - "Em quem você votaria para presidente se as eleições fossem para o segundo turno?"
- PoderData - "E se houvesse um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Lula, em quem você votaria?"
Outro conjunto de dados pesquisado foram as planilhas em arquivo CSV com informações das pesquisas realizadas neste ano, também disponíveis no Portal Dados Abertos. Usamos o RStudio, software de análise de dados a base da linguagem de programação R, para procurarmos por pesquisas que incluíssem na coluna de metodologia, chamada "DS_METODOLOGIA_PESQUISA", a expressão "unidade de resposta audível" ou o radical "auto".
Assim, identificamos outras empresas que utilizaram modelos automatizados para questionar eleitores: a Multi Mercado LTDA, a Percent Pesquisa de Mercado e Opinião LTDA, e a IBPAD - Consultoria e Pesquisa LTDA. Esta última, porém, realizou pesquisas pela internet, não por chamada de telefone, e apenas para divulgação interna.
Quanto à Multi Mercado LTDA e à Percent Pesquisa de Mercado e Opinião LTDA, os questionários também informam que as pesquisas foram feitas por gravações automatizadas de voz, por telefone:
- "A técnica de coleta de dados será a de entrevistas telefônicas por meio de ligações automatizadas para telefones fixos e celulares utilizando sistema tecnológico de ligações em massa, com base em questionário estruturado" (Percent Pesquisa de Mercado e Opinião LTDA)
- "Aplicação de questionário estruturado por meio de ligações automatizadas para telefones fixos e celulares" (Multi Mercado LTDA)
As perguntas dessas empresas sobre intenção de voto em eventual segundo turno também diferem da que é feita no vídeo verificado.
- Multi Mercado - "Em caso de segundo turno, em quem você votaria?"
- Percent Pesquisa de Mercado e Opinião: "E se as eleições de segundo turno para Presidente da República fossem hoje, e esses fossem os candidatos, em quem o sr.(a) votaria?"
Contato com as empresas
O Comprova entrou em contato com os quatro institutos de pesquisa que realizaram, neste ano, pesquisa eleitoral por URA em chamadas telefônicas.
Segundo o professor Jorge Lima, do Instituto Goiás Pesquisas, a pesquisa que aparece no vídeo não foi feita por eles. Além disso, ele afirmou que ela não é feita pelo mesmo sistema URA que utilizam. "Nosso sistema de ligação é o sistema de URA reversa, ou seja, nós fazemos a ligação. Se uma questão ficou inválida, por exemplo, ele não passa para a próxima questão", disse Lima.
Para ele, um ponto que pode mostrar a manipulação do vídeo é que "a pessoa é abordada e passa um tempo [para ela responder] e ela vai ainda gravar a situação. A nossa [pesquisa] se tiver 5 segundos sem resposta, a ligação cai automaticamente. Parece mais uma ligação e não um sistema de URA".
Lima também questiona o fato da pessoa que gravou o vídeo não deixar "o questionário rodar até o final", mostrar só a questão sobre o eventual segundo turno entre Bolsonaro e Lula, e não revelar o nome do instituto que teria feito a pesquisa.
Sócio-diretor e coordenador do PoderData, Rodolfo Costa Pinto negou "com toda certeza" que a suposta pesquisa do vídeo fosse conduzida pelo seu instituto. "Não é a gravação que a gente utiliza e também não é o texto que utilizamos", explicou Pinto: "Nas gravações, utilizamos sempre o texto literal que está registrado no TSE, que utiliza a palavra 'tecle' depois de cada opção", detalhou.
Ronye Steffan, diretor da Percent Pesquisa de Mercado, também afirmou ao Comprova que a pesquisa não foi realizada pela empresa, porque as suas entrevistas por telefone, apesar de envolverem sistema tecnológico de ligações em massa, são conduzidas por pessoas, e não URA. Steffan acrescentou que eles trabalham com o método Survey de pesquisa, tanto presencial quanto telefônico, ambos com os dados coletados por uma pessoa.
Já a Multi Mercado LTDA. não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação desta verificação.
Número não localizado
Não foi possível localizar a quem pertence o número que aparece no vídeo: 06430557296. Foram feitas consultas na internet, em sites e programas, e procurados órgãos como a Junta Comercial de Goiás, o Procon-GO, a Anatel e a operadora Vivo. Devido à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), não foi possível obter a informação.
Ligações feitas para o número não completam. O aplicativo TrueCaller, um identificador de chamadas, aponta que o número é da cidade de Rio Verde, Goiás, e que ele é acusado de ser "Pesquisa Eleitoral Golpe" e tem "16 denúncias de spam".
Ao clicar no botão 'Ver", o aplicativo mostra outra tela com mais dados, como a estimativa de que o número costuma ligar entre 11h e 14h:
Por que investigamos: Investigamos conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal. No caso do material investigado, vimos que a publicação mostra uma suposta pesquisa eleitoral feita por telefone que, supostamente, beneficiaria um candidato, em detrimento de outro. Peças de desinformação como esta podem atrapalhar o processo eleitoral, pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: Uma publicação semelhante ao conteúdo verificado, mas que inclui o mesmo vídeo, também foi desmentido pelo serviço de checagem de fatos da agência de notícias Reuters.
Em outras verificações sobre pesquisas eleitorais, o Comprova já mostrou que nenhuma pesquisa eleitoral aponta 70% de votos para Bolsonaro e que a postagem usa foto de atos sem presença de Lula para tentar desacreditar pesquisas eleitorais. Também já mostramos que áudio sobre fraudes em pesquisas é de comediante, não de ex-diretor do Datafolha e que post engana ao usar caso no RN para tirar credibilidade de pesquisas eleitorais.
A verificação foi feita por jornalistas dos veículos O Dia, CNN Brasil, Crusoé e Metrópoles. A investigação foi verificada por Correio, Zero Hora, Piauí, Plural, Grupo Sinos, A Gazeta e Folha.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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