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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Brasil corre risco de ser atingido por um tsunami?

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Ana Carolina Nunes

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/08/2017 04h00

Milhares de pessoas já compartilharam publicações de um tsunami que destruiria boa parte da costa brasileira, com ondas entre 30 e 100 metros de altura.

De acordo com a suposta reportagem, a Nasa (a agência espacial norte-americana) teria emitido um alerta sobre o perigo iminente.

Tsunamis - Reprodução - Reprodução
Imagem com notícias sobre alertas de falsos tsunamis no Brasil
Imagem: Reprodução
A "notícia" foi publicada em outubro do ano passado, mas voltou a circular desde a semana passada, após um recuo do mar no litoral da região Sul e do Rio de Janeiro. Segundo a publicação, isso seria um prenúncio do fenômeno devastador.

FALSO: Nasa não alertou sobre tsunami

A reportagem do UOL entrou em contato com a Nasa para comentar sobre o alerta supostamente feito pela agência. O departamento de comunicação esclareceu que não houve qualquer comunicado. Registrou ainda que, "apesar de a Nasa estar envolvida na pesquisa e nas ciências relacionadas aos tsunamis, não emite alertas ou avisos sobre eles nem prevê os seus impactos".

Também vale esclarecer que esse recuo do mar nada tem a ver com o que ocorre poucas horas antes de tsunamis. O que aconteceu no litoral brasileiro foi um fenômeno meteorológico, causado por uma combinação de fatores como variação de maré, diferença de pressão e baixa temperatura.

Geralmente, a manifestação se dá de maneira inversa, com o aumento do nível do mar e as ressacas sendo mais comuns, mas a diminuição do nível da água, embora mais rara, pode estar dentro da normalidade.

EXAGERO no tamanho das ondas

Ressaca - Alessandro Buzas/Estadão Conteúdo - Alessandro Buzas/Estadão Conteúdo
Ressaca que atingiu o Rio com ondas de até 3,5 m destruiu parte do calçadão na praia do Flamengo
Imagem: Alessandro Buzas/Estadão Conteúdo
De acordo com especialistas consultados pelo UOL, o risco de um tsunami atingir o litoral brasileiro existe, porém não há indicações de que isso vá acontecer num prazo de centenas --e talvez nem milhares-- de anos. Muito provavelmente, as ondas não chegariam a grandes dimensões.

O texto, que se espalhou pelas redes sociais com várias informações equivocadas, descreve que desde 2001 cientistas avisam sobre o possível colapso de uma rocha vulcânica em La Palma, que faz parte das Ilhas Canárias, arquipélago que é uma região autônoma da Espanha.

Essa possibilidade é realmente objeto de estudo de geólogos e de outros especialistas pelas possíveis consequências nas áreas ao redor do vulcão Cumbre Vieja.

Dr. Simon Day, pesquisador do Instituto de Risco e Redução de Desastre da University College of London, que se debruça sobre o tema há duas décadas, explica que os primeiros cálculos sobre o Cumbre Vieja mostravam movimentos geológicos em velocidade maior. Segundo ele, se chegou a anunciar há alguns anos um perigo de colapso iminente --o que não se concretizou.

De acordo com Day, pequenos deslizamentos que produzem tsunamis são bastante comuns em vulcões em outros lugares do mundo e modelos matemáticos indicam que um deslizamento nas Ilhas Canárias ou em Cabo Verde poderia produzir ondas de tsunami que atingiriam a costa do Nordeste do Brasil, mas esses modelos precisam ser testados e estudados localmente e não foram comprovados cientificamente.

"A hipótese de tsunamis gigantes causados por deslizamentos de rochas vulcânicas ainda está muito viva, mas eles são muito raros em prazos humanos", diz Simon Day.

O pesquisador também afirma que não há razões para imaginar que, caso ocorra um tsunami, ele se dê de forma repentina.

Monitoramentos via satélite na região apontam que movimentos geológicos ocorrem na velocidade de milímetros por ano. Na última vez em que o vulcão Cumbre Vieja entrou em atividade, em 1949, o movimento aconteceu em milímetros por semana, o que possibilita saber, com bastante antecedência, quando pode haver um deslizamento de grandes proporções.

O professor Luigi Jovane, do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo), explica que o alerta, em caso de deslizamento, viria de autoridades das Ilhas Canárias. "A Espanha tem um sistema de alerta muito bem feito, assim como os Estados Unidos têm em torno do Havaí."

Para ele, a maior probabilidade seria atingir o litoral de Pernambuco e da Bahia, pelo modo que essas costas estão perpendiculares à região do arquipélago.

De acordo com o pesquisador britânico, ainda há muitas incertezas sobre a quantidade de energia que as ondas perdem quando se aproximam dos litorais através de águas rasas, que é o caso do Atlântico, por isso é difícil mensurar com que tamanho essa onda chegaria ao Nordeste.

Mas ele diz que provavelmente não teriam nem um décimo do tamanho das ondas que atingiram a Indonésia, em dezembro de 2004, causando a morte de mais de 230 mil pessoas em 14 países diferentes. As ondas chegaram a 30 metros de altura.

O geólogo Francisco Dourado, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Pesquisas e Estudos sobre Desastres, aponta para um risco: "Não temos preparo nenhum para o fenômeno de ondas grandes no Brasil. Não estudamos isso, estamos em crise nas pesquisas e não estamos preparados." 

Mas ele diz que ondas entre 30 e 100 metros de altura são possíveis apenas se um meteoro atingir a Terra.

Já o professor Carlos Roberto de Sousa, do Instituto de Geociência da Unicamp (Universidade de Campinas) relata que não há registro de megatsunamis no oceano Atlântico na história recente da Terra. "É possível simular cenários, mas a possibilidade é muito remota."

Casos de alarmes equivocados em diversos países

Ressaca 2 - Alessandro Buzas/Estadão Conteúdo - Alessandro Buzas/Estadão Conteúdo
Embarcação encalha em Botafogo por conta de ressaca no Rio
Imagem: Alessandro Buzas/Estadão Conteúdo
Notícias sobre catástrofes naturais destruidoras circulam com certa frequência pela internet. Costumam estar acompanhadas por profecias ou se embasar em hipóteses cientificas, porém superdimensionadas.

Um exemplo: assim como o mar recuou além do normal no Brasil, o mesmo foi registrado uma semana antes no litoral do Uruguai e as redes sociais no país vizinho também impulsionaram confusões sobre a chegada de um tsunami, principalmente após um vídeo mostrar a orla com barcos atracados em zonas secas.

Mas o único alerta das autoridades uruguaias apontava para o risco de fortes chuvas e ventanias. 

Nos Estados Unidos, internautas acompanharam com apreensão, a partir de uma transmissão ao vivo pelo Facebook, a chegada de um super-furacão ao Estado de Dakota do Sul. Na realidade, depois foi revelado que era apenas a manipulação de uma imagem real.

Como curiosidade, o professor Francisco Dourado conta que há o registro histórico de um tsunami no Brasil como reflexo de um terremoto em Lisboa, capital portuguesa, em 1755.

Cartas enviadas à corte pelos governadores da Paraíba e de Pernambuco registraram a chegada de grandes ondas ao Brasil, relatando a destruição de casas e galpões e até mesmo o desaparecimento de duas pessoas após o fenômeno. O episódio está descrito no livro "Tremeu a Europa e o Brasil Também", de José Alberto Vivas Veloso.

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